Por ser rica em mananciais e estar com os índices de chuva em dia, Santa Catarina está livre do drama enfrentado por São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito Santo e Minas Gerais na crise hídrica. Ao menos por enquanto, porque a incapacidade de tratar a água sem desperdiçar e a falta de reservatórios ainda deixam SC tão à mercê dos fatores climáticos quanto nossos vizinhos.

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::: Perdas do sistema de tratamento de água chegam a 33,7% em SC

Enquanto São Paulo enfrenta a maior seca dos últimos 84 anos, a Defesa Civil afirma que Santa Catarina registrou tanta chuva nos últimos meses quanto na média dos anos anteriores. A expectativa é que a maioria das regiões do Estado passem o próximo ano sem se preocupar com estiagem.

A informação tranquiliza, mas especialistas estimam que dois ou três verões consecutivos de baixa precipitação já sejam o suficiente para secar torneiras em cidades mais afastadas dos grandes rios.

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Hidrólogo do Centro de Operação do Sistema de Alerta (Ceops) e professor da FURB, Ademar Cordero explica que, em situações de crise, a água acaba primeiro nas cidades mais afastadas da fonte, até chegar às mais próximas:

– Toda a humanidade depende do clima, mas os municípios que dependem de captações mais distantes das fontes são afetados com mais gravidade e mais rapidamente.

Barragens vazias e rios poluídos no Sudeste

É o que está acontecendo no Sudeste: com barragens vazias e rios e nascentes poluídos demais, os grandes centros populacionais já enfrentam severas dificuldades, tornando-se dependentes de captação em locais afastados – um processo bem mais oneroso.

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Em 2011, um estudo da Agência Nacional de Águas (ANA) mostrou que os maiores investimentos necessários para garantir água a todos os catarinenses até 2025 seriam justamente nas cidades que precisavam deslocar a captação para regiões afastadas.

– Sem grandes conglomerados, toda a captação é descentralizada. Isso impede que dependamos demais de uma única fonte e diminui os estragos de uma seca localizada – explica Bruno Beilfuss, diretor de recursos hídricos da SDS.

As pequenas captações também abastecem com mais segurança as populações locais e barateiam bastante o serviço, conforme explica Jair Sartorato, engenheiro da Companhia Catarinense de Águas e Saneamento (Casan):

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– Nem sempre há água no local em que se consome. A primeira adutora de Florianópolis abastecia o Centro de Florianópolis com água da Lagoa da Conceição. Hoje, esta quantidade de água seria insuficiente para abastecer sequer a própria Lagoa – relata Jair Sartorato, engenheiro da Companhia Catarinense de Águas e Saneamento (Casan).

Armazenamento e medição de mananciais são os déficits

(24 bacias hidrográficas em SC / 341 mil microbacias no Estado)

Guilherme Miranda, hidrólogo da Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural (Epagri-SC), explica que o Estado nunca dependeu de armazenagem para suprir a demanda, e por isso nunca se investiu na área, mas que o aumento populacional e o esgotamento da capacidade dos mananciais exigem um olhar atento à questão. As pequenas centrais hidrelétricas (PCH), que possuem reservatórios de no máximo 3 km², são mais abundantes em SC e trabalham apenas com a vazão imediata – ou seja, quando o nível do rio cai, a captação e a produção elétrica são interrompidas.

Porém, as contrapartidas sociais e ambientais de uma inundação deste porte desestimulam a prática. A barragem do São Bento causou comoção nacional ao inundar uma área de 450 hectares em 2002, expulsando moradores e afetando gravemente a fauna e a flora local.

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– Sem grandes reservatórios, o Estado tem dificuldade até para manter o nível constante de um rio, afetando seriamente as pessoas que moram às margens dele – afirma Miranda.

Mesmo a medição dos reservatórios e mananciais é feita de forma precária e desorganizada. O relatório emitido diariamente pela Epagri, por exemplo, aponta em tempo real o nível de cada um dos rios mensurados – mas apenas parte deles, já que vários não possuem estrutura para tal. Por outro lado, a Agência Nacional das Águas (ANA) só mantém monitoramento em tempo real de dois dos 16 rios de jurisdição federal em SC, que são aqueles que cruzam fronteiras interestaduais ou internacionais: rio Canoas e rio Uruguai.

Os outros são medidos com régua, quando há demanda, por órgãos com os quais a ANA mantém acordo, como a Epagri. Na Casan, cada superintendência regional faz um controle próprio das barragens locais, muitas vezes usando medidas despadronizadas, alertando a central somente em casos de urgência. Via assessoria, a companhia explica que como não há risco imediato de seca, não existe uma apuração precisa da situação de cada reservatório.

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“Com a seca, seríamos tão afetados quanto o Sudeste”

Guilherme Xavier de Miranda, Hidrólogo da Epagri-SC

Especialista Guilherme Xavier de Miranda defende investimentos em reservatórios e na preservação dos mananciais para evitar problemas maiores no Estado caso a chuva fique escassa, como ocorre na região de São Paulo e Rio de Janeiro nos últimos meses.

O abastecimento de água em Santa Catarina seria tão afetado por uma estiagem quanto na região Sudeste?

Guilherme Miranda – Sim, seríamos muito afetados se houvesse uma estiagem parecida com a do Sudeste caso não ocorra um processo de reservação de água para o abastecimento público. Precisamos fazer estudos para avaliar essa possibilidade. Não se trata apenas de barragens e reservatórios como a Casan constrói, com água tratada, mas de preservar o nível dos próprios mananciais – e não somente para o abastecimento individual, mas para os demais usos. Não adianta eu ter água em casa mas não ter indústria, comércio e mais nada funcionando.

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Quais os principais problemas no serviço de abastecimento de água em Santa Catarina?

Miranda – Particularmente, enxergo o desperdício por parte da população como o maior problema. A água ainda é um bem muito barato, então praticamente não existe reuso. Existe uma questão das perdas na distribuição – o que é muito grave, mas não tanto quanto o desperdício. Outro problema sério é a falta de projeção para o atendimento à população. É preciso calcular as demandas futuras e garantir que a manutenção adequada dos mananciais de Santa Catarina.

Em comparação com outros Estados, SC possui muitas pequenas centrais hidrelétricas (PCH) e poucos reservatórios. Como isso afeta o abastecimento na crise?

Miranda – Há diversos prós e contras. Do ponto de vista ambiental, a vantagem é que as PCHs causam menos impacto que uma grande obra porque somente áreas menores afetadas. No entanto, elas não têm capacidade de regularização da vazão dos rios como os reservatórios maiores. As PCH não conseguem armazenar água o suficiente em seus reservatórios para manter os rios sempre perenes, causando muita variação no nível do rio – às vezes, no mesmo dia. Trata-se de uma questão preventiva, pois hoje praticamente toda a água em SC é captada no rio, nos deixando mais dependentes da chuva.

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Crise muda hábitos dos consumidores

A crise hídrica no Sudeste tem abalado o espírito gastador do brasileiro, até então acostumado à fartura de água. Embora paulistas, cariocas e mineiros sejam os mais afetados com a crise hídrica até o momento, a experiência destas regiões mudou a forma dos habitantes de outros Estados lidarem com a questão.

– É o tal do “efeito São Paulo”.

A Casan nunca foi avisada tão rapidamente sobre vazamentos em ruas, o cidadão vê um problema e imediatamente se preocupa com desperdício – conta o diretor de operações da Casan, Paulo Meller.

Duas estratégias para prevenir

Para evitar que uma seca em SC cause imbróglio semelhante ao de São Paulo, a Casan (responsável por 197 cidades em SC) mira em duas estratégias: a ampliação da estação de tratamento de Cubatão, em Palhoça, incluindo um equipamento flocodecantador; e a macroadutora do Rio Chapecozinho, no Oeste, que levará água para quatro cidades da região: Chapecó, Xaxim, Xanxerê e Cordilheira Alta.

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A primeira obra deve custar R$ 18 milhões e ficar pronta até o próximo verão. Já a macro-adutora no Oeste, que custará cerca de R$ 200 milhões, será a maior obra da história da Casan.

Trata-se de um sistema de canos com 57 quilômetros de extensão, que deve abastecer cerca de 350 mil pessoas de quatro cidades e ficar pronta em até três anos.