Ao completar um mês nesta sexta-feira, 22, desde a vigência das portarias que liberaram a volta de grande parte do comércio, restaurantes, centros comerciais, shoppings e academias, último dos grandes movimentos adotados em direção à flexibilização das restrições, o saldo é de explosão de novos casos em Santa Catarina. Desde 22 de abril, quando começaram a vigorar as portarias 256, 257 e 258, pelo menos 3.196 novas pessoas passaram a registrar sintomas e foram confirmadas com covid-19 pelo governo do Estado. Eles respondem por 58,11% dos 5.499 diagnosticados em SC até esta quarta-feira, 20. Veja abaixo numa sequência de gráficos o passo a passo de como o fenômeno ocorreu.

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O dado também é 38,7% maior do que o registrado pelo Estado entre 28 de fevereiro e 21 de abril. Nesse período, foram diagnosticados 2.303 casos. Os dados analisados pela reportagem são do governo do Estado e levam em consideração a data de surgimento dos sintomas de coronavírus nesses pacientes, e não a data do resultado dos exames ou divulgação dos novos casos. Isso permite se aproximar mais da data real do contágio, segundo especialistas.

Conforme a Organização Mundial de Saúde (OMS), o tempo entre a infecção do indivíduo pelo novo coronavírus e o aparecimento dos sintomas varia de 1 a 14 dias, mas na maioria dos casos leva cerca de 5 dias.

Até o momento, o pico dos casos foi registrado entre 7 e 8 de maio, 15 e 16 dias após a liberação dos shoppings, academias e restaurantes, último grande movimento de flexibilização feito pelo governo do Estado, que já tinha liberado o comércio de rua em 13 de abril. Foram 209 os pacientes que relataram sentir os primeiros sintomas no dia 7 de maio, e 204 no dia seguinte. Dos pacientes que relataram ter sinais de covid-19 após 22 de abril, 29 morreram.

A explosão de novos casos coincide com a queda do índice médio de isolamento da população de Santa Catarina, registrado pela empresa In Loco, que utiliza dados de GPS dos celulares para calcular o deslocamento dos usuários, o mesmo utilizado pela Polícia Militar de Santa Catarina para essa finalidade.

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Evolução dos casos um mês após a última grande retomada de serviços

Veja na sequência de gráficos abaixo como houve a evolução de novos casos em Santa Catarina. Na maior parte do tempo, o número novas pessoas diagnosticadas com coronavírus (barra verde no gráfico) é inversamente proporcional aos picos do índice de isolamento (linha cinza) em SC no período mais rígido do distanciamento social, que ocorreu entre 18 de março e 21 de abril.

Como os dados levam em consideração a data de início dos primeiros sintomas, que podem levar de uma a duas semanas para aparecer, as últimas colunas do gráfico, que representam os casos mais recentes, ainda são pequenas. Mas isso não significa que o surto tenha perdido força.

Como esse recorte diz respeito a dados retroativos (de quando a pessoa sentiu os sintomas pela primeira vez, e não quando o resultado do exame foi divulgado), os próximos casos divulgados pelo governo do Estado nesta e na semana seguinte ainda vão preencher essas últimas colunas.

Cidades chegaram a ter 14 vezes mais casos após flexibilização

Entre os 179 municípios afetados pelo coronavírus até esta quarta-feira, 20, 53 registraram mais da metade dos casos após a flexibilização ocorrida em 22 de abril do que haviam registrado no período compreendido entre o começo do surto e 21 de abril, quando havia mais restrições. Outras 42 cidades passaram a ter os primeiros casos após a data de maior flexibilização.

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Das 13 cidades com mais de 100 mil habitantes de SC, seis tiveram mais casos após 22 de abril: Chapecó, Jaraguá do Sul, Blumenau, Palhoça, Itajaí e Balneário Camboriú. No caso de Chapecó, o município tinha registrado 40 casos no primeiro período e identificou 566 novos no segundo, ou seja, 14 vezes mais após o relaxamento das restrições. O Oeste é o epicentro de uma onda de contaminação que ganhou força no fim de abril, por conta de casos iniciados em frigoríficos da região.

Já em Blumenau, onde imagens da reabertura de um shopping lotado circularam no país todo, a taxa de novos casos após 22 de abril é 3,2 vezes maior do que os registrados até 21 de abril, mesmo índice de Jaraguá do Sul. Além desses, Navegantes teve seis vezes mais casos no segundo período, Concórdia teve 2,3 vezes a mais, e Palhoça 1,9 vez a mais.

Lanchonete em Blumenau ficou lotada quatro dias após a liberação de comércio e restaurantes no Estado
Lanchonete em Blumenau ficou lotada quatro dias após a liberação de comércio e restaurantes no Estado (Foto: Blumenau Mil Grau, Reprodução)

Com mais restrições, Capital reduziu o ritmo de novos infectados

Florianópolis, no entanto, foi no sentido contrário. Dos 524 casos registrados até quarta-feira e divulgados pelo governo do Estado, apenas 98 foram registrados após 22 de abril. Uma das razões é o fato de a prefeitura ter mantido restrições mais rigorosas mesmo após a portaria publicada pelo Estado liberando academias, restaurantes e centros comerciais.

Braço do Norte, no Sul do Estado, também teve maior controle dos casos após essa data. Dos 99 registrados até agora pelos boletins estaduais, apenas 9 ocorreram após a flexibilização dos centros comerciais e academias.

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Prefeitura de Florianópolis faz barreira no trânsito para medir a temperatura de motoristas
Prefeitura de Florianópolis faz barreira no trânsito para medir a temperatura de motoristas (Foto: Tiago Ghizoni)

A pedido da reportagem, os dados foram analisados pelos professores do Departamento de Saúde Pública da Universidade Federal de Santa Catarina, Fabrício Augusto Menegon e Lúcio José Botelho. Na avaliação dos especialistas, os dados evidenciam que o relaxamento das restrições à circulação de pessoas potencializou o aumento de casos novos em Santa Catarina.

Botelho alerta para importância de não relaxar totalmente as restrições à circulação das pessoas até que os dados indiquem segurança para a retomada, sem correr o risco de ter que fazer novo isolamento nos próximos meses.

– Não há mais nenhuma dúvida, o isolamento é diretamente proporcional ao número de casos. Não fez isolamento, os casos explodem; fez o isolamento, a curva achata. A curva achatar significa que houve diminuição do número de pessoas infectadas naquele período. Quanto menos pessoas infectadas a gente tiver, menos capacidade de infecção nós vamos ter, mais rapidamente vamos terminar a pandemia. Quanto mais rapidamente terminarmos a pandemia, melhor será para a economia, porque a economia e a sociedade são organismos vivos e reagem. A economia não está tão ruim agora quanto estava no começo da pandemia, porque ela achou maneiras de reagir. E ela vai reagir quando as pessoas estiverem mais vivas e com mais saúde – argumenta Botelho.

Se essa curva continuar evoluindo da forma como está hoje, não será raro nas próximas semanas o governo resolver adotar uma medida novamente de fechamento de comércio ou isolamento. Aí, o nosso grande receio é o fato de que quando se relaxa as medidas e passa essa mensagem para a população, retomá-las na necessidade é muito mais difícil. Fabrício Menegon, professor do Departamento de Saúde Pública da UFSC

Cautela para não passar mensagem de que tudo já voltou ao normal

Para Fabrício Menegon, ainda é importante avaliar como os números vão se comportar nas próximas semanas para ver se de fato o ritmo de novos casos vai se acentuar. Mas acredita que o relaxamento do isolamento social pode ter ocorrido cedo demais no Estado.

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Menegon afirma que é preciso ter cautela na forma como as medidas de retomada gradual das atividades são comunicadas para a população, para não passar a ideia de que tudo voltou à normalidade.

– A gente observa que essa normalidade não existe, até porque a taxa de contágio ainda está muito alta no Brasil. Se essa curva continuar evoluindo da forma como está hoje, não será raro nas próximas semanas o governo resolver adotar uma medida novamente de fechamento de comércio ou isolamento. Aí, o nosso grande receio é o fato de que quando se relaxa as medidas e passa essa mensagem para a população, retomá-las na necessidade é muito mais difícil. O convencimento da população fica muito mais difícil quando já se adotou medidas de flexibilização – pontua Menegon.

Apesar de aumento dos casos, pressão sobre as UTIs foi menos intensa

A expansão no número de casos também refletiu no aumento de internação em terapia intensiva no Estado (UTIs). O índice nas UTIs, entretanto, é mais tímido. Até 21 de abril, o máximo de casos confirmados internados foi de 61. Após essa data, chegou a 77 em 16 de maio.

O aumento foi tímido e não chegou a pressionar a demanda no Estado, porque paralelamente o governo ampliou em 396 o número de leitos nos hospitais públicos e filantrópicos para esses pacientes. Isso representa 40% a mais de leitos do que havia antes.

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Mas, para Fabrício Menegon, UTIs vazias não podem ser usadas como argumento de que a situação está controlada. Na avaliação do especialista, é importante se manter em alerta, porque em caso de aumento repentino do surto numa região específica, a situação pode se inverter rapidamente, superlotando os hospitais, especialmente no interior do Estado.

Quanto menos pessoas infectadas a gente tiver, menos capacidade de infecção nós vamos ter, mais rapidamente vamos terminar a pandemia. Quanto mais rapidamente terminarmos a pandemia, melhor será para a economia, porque a economia e a sociedade são organismos vivos e reagem. Lúcio José Botelho, professor do Departamento de Saúde Pública da UFSC

Governo atribui números ao aumento de testagem e diz que a retomada tem sido feita de forma calculada

À reportagem, o governo do Estado justificou que o aumento de pessoas testadas para covid-19 no período posterior a 22 de abril é uma das causas para o crescimento acelerado dos índices. “O aumento de casos é um movimento esperado diante do avanço da pandemia e da ampliação de testagem”, informou, em nota. Complementou ainda que o objetivo é “estabelecer um convívio responsável com o vírus”, levando em consideração as diretrizes do Ministério da Saúde e da Organização Mundial da Saúde.

O governo afirmou que a retomada gradual das atividades tem sido feita de forma calculada por ferramentas que medem o impactos das ações tomadas, por meio do Centro de Operações de Emergência em Saúde (COES), e que acompanha diariamente a evolução de casos nos municípios e a ocupação de leitos ambulatoriais e de UTI.

Na avaliação do governo estadual, o período de restrições à circulação de pessoas foi importante para criar os novos leitos de UTI e preparar o sistema de saúde caso a demanda cresça. Questionado se cogita endurecer novamente as medidas de isolamento caso haja aumento repentino do contágio pelo novo coronavírus, o governo respondeu apenas que medidas regionais podem ser aplicadas, como as recomendações expedidas neste mês às regiões do Oeste e Alto Uruguai. O Estado reforça a recomendação de permanecer em casa sempre que possível.

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Entidade afirma que estabelecimentos comerciais têm seguido normas para evitar contaminação

Após a publicação desta reportagem, na tarde desta sexta-feira, a Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo de Santa Catarina (Fecomércio) publicou nota demonstrando preocupação com os dados apresentados e afirmou que desde o dia 13 de abril, quando os estabelecimentos considerados não essenciais voltaram a funcionar, e no dia 22, reabertura de centros comerciais e shoppings, os estabelecimentos têm seguido medidas sanitárias para prevenir a propagação do coronavírus e a sobrecarga do sistema de saúde catarinense.

Considerando o período de incubação de até 14 dias, os dados demonstram que a reabertura do comércio está correlacionada ao controle sustentado de novos casos no Estado, o que é apresentado pelos próprios dados da matéria ao analisar a evolução até a atualidade. Vale destacar que a curva de contágio em Santa Catarina apresenta trajetória consideravelmente menos acentuada em relação ao resto do país, mesmo com a abertura do comércio. Fecomércio, em nota.

Na avaliação da entidade, outros fatores estão relacionados à evolução dos casos em Santa Catarina, como a relação com a proporção de testes realizados, o índice de isolamento social, a distribuição espacial dos casos, comportamento social e o nível de atividade de todos os setores econômicos. Afirma ainda que a própria federação tem monitorado os dados oficiais para tomar decisões no setor.

"Entendemos que levantar estas informações é primordial para termos uma maior compreensão do cenário de propagação da doença. Sendo assim, a Fecomércio SC continua estudando e acompanhando os indicadores para ter dados consistentes e embasar a tomada de decisão para a preservação da saúde e a retomada da atividade econômica de forma segura e sustentável", afirma a entidade.

Retomada segura de transporte depende de cuidados e monitoramento por até 20 dias

Apesar do retorno da atividade comercial representar grande parte da redução do isolamento social registrado no Estado no último mês, o transporte coletivo e as escolas seguem com as rotinas suspensas.

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Para retomada segura, Fabrício Menegon, chefe do Departamento de Saúde Pública da UFSC, afirma serem necessários alguns passos que passam por não liberar um setor de atividade todo de uma só vez e monitorar o comportamento das pessoas e a evolução dos casos num prazo de pelo menos 15 a 20 dias antes de de dar o próximo passo.

Ônibus higienizados em Florianópolis antes do decreto de isolamento social em SC
Ônibus higienizados em Florianópolis antes do decreto de isolamento social em SC (Foto: PMF/Divulgação)

Esse tempo é necessário, sustenta Menegon, porque é superior ao período máximo que vírus leva para se manifestar num indivíduo infectado, permitindo uma margem para avaliar se as medidas provocaram aumento da contaminação ou a população respondeu bem às orientações.

Na opinião de Menegon, como entre março e abril o Estado fez uma série de liberações em espaço curto de tempo a diferentes setores, falhou em monitorar os impactos antes de optar pelo passo seguinte:

– O Estado não está tendo o cuidado de avaliar os seus passos. O tempo que ele está admitindo para avaliação dos passos que está tomando é muito curto do ponto de vista epidemiológico.

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Para a retomada do transporte coletivo – que o Estado chegou a cogitar fazer nesta semana, mas voltou atrás – Menegon sugere que seja adotada uma estratégia que causa menos impacto no começo, como adoção de apenas algumas linhas principais.

Ao mesmo tempo, é necessário garantir todas as medidas sanitárias, como uso obrigatório de máscaras, oferecer álcool em gel e locais para os usuários lavarem as mãos com frequência, além de reforçar a comunicação da importância da higiene e da etiqueta da tosse, por exemplo. Se após o período de duas a três semanas, a reposta for positiva da população, aí sim pode-se projetar a retomada de mais linhas e setores, defende o especialista.

Sobe para 177 o total de cidades com casos em SC
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