GaúchaZH pesquisou três episódios com características similares ao incêndio na boate Kiss, em Santa Maria, para conferir a evolução dos processos criminais após seis anos de cada uma das tragédias. Nas três, havia condenação judicial e cumprimento de pena.

Continua depois da publicidade

Boate The Station

• Rhode Island, EUA

• 20 de fevereiro de 2003

• 100 mortos e 230 feridos

Como aconteceu

Continua depois da publicidade

Logo após as 23h, perto do início do show, Daniel Biechele, empresário da banda de rock Great White, acendeu sinalizadores atrás dos artistas. O fogo atingiu a espuma à prova de som no teto e espalhou-se rapidamente — em 180 segundos havia consumido toda a construção.

A maioria dos 462 frequentadores tentou deixar o clube pela entrada principal quando a fumaça negra encheu a casa. O desespero resultou em um amontado de gente — quase todos os corpos foram encontrados ali, entre os quais o do guitarrista do Great White, Ty Longley. Outras 35 pessoas ficaram em estado crítico, incluindo quatro que mais tarde morreriam no hospital.

Seis anos depois

Foram necessários três anos e sete meses para que os responsáveis pela tragédia tivessem suas penas sentenciadas pela Justiça americana. As duas últimas foram dos irmãos Derderian, em setembro de 2006, sócios da boate. Jefrey pegou três anos em liberdade condicional, mais 500 horas de serviços comunitários. Michael foi condenado a quatro anos em regime fechado, mas por acordos para reconhecer a responsabilidade e pelo bom comportamento, recebeu liberdade em junho de 2009, quatro meses após a marca de seis anos.

O primeiro a ser condenado, ainda em maio de 2006, foi Daniel Biechel, empresário da banda que acendeu o sinalizador. Pegou quatro anos em regime fechado _ dos quais cumpriu menos da metade. Ganhou liberdade condicional em 19 de março de 2008. Nenhum agente público foi punido.

Continua depois da publicidade

República Cromañón

• Buenos Aires, Argentina

• 30 dezembro de 2004

• 194 mortos e 1.432 feridos

Como aconteceu

O grupo de rock Callejeros se apresentava no local, um boliche, no bairro Once. Por volta de 23h, enquanto a música "Distinto" tocava, alguém acendeu um sinalizador e causou o desastre. Uma das saídas de emergência estava trancada com cadeado e fios. O sufocamento pelos gases tóxicos espalhou desespero.

A boate, inaugurada em janeiro de 2004, recebia naquela noite 2.811 pessoas, em vez das 1.031 permitidas. Além disso, o local foi habilitado como discoteca, e não como espaço para shows. Não tinha, ainda, certificado de prevenção contra incêndio.

Seis anos depois

Quando a tragédia completou seis anos, seis pessoas estavam condenadas pelas mortes na boate, mas nenhuma presa. O gerente do clube, Omar Chabán, (20 anos), o representante da banda, Diego Argañaraz (18 anos), o policial Carlos Ruben Diaz (18 anos), as funcionárias públicas Fabiana Fiszbin (dois anos) e Ana María Fernández (dois anos) e o empregado da boate Raúl Villarreal (um ano) tiveram sentenças decretadas em agosto de 2009.

Continua depois da publicidade

Os outros nove réus, incluindo músicos da Callejeros, um policial e outro oficial foram absolvidos. Em 2011, sete anos após a tragédia, decisão em 2ª instância condenou os artistas a até sete anos de prisão. Hoje, o único que segue preso é o baterista Eduardo Vázquez, mas não pelo incêndio — foi condenado à prisão perpétua por matar a esposa em 2010. Chabán morreu de câncer em 2014, quando cumpria prisão domiciliar.

Boate Lame Horse

• Perm, Rússia

• 5 de dezembro de 2009

• 156 mortos e 80 feridos

Como aconteceu

O fogo começou quando faíscas de pirotecnia atingiram o teto da boate, por volta de 1h. As chamas danificaram a fiação elétrica, fazendo com que as luzes se apagassem. Seguiu-se uma debandada para a saída principal, que estava travada.

A entrada de oxigênio pela porta secundária fez do salão um grande tubo de fogo, propagando as chamas. Com cerca de 300 pessoas, a boate fazia aniversário de oito anos na ocasião. Em seu site, anunciava: "Convidados vestidos como bebês recém-nascidos são admitidos gratuitamente até a meia-noite". A maioria das mortes foi causada por inalação de fumaça ou esmagamento.

Continua depois da publicidade

Seis anos depois

Nove pessoas estavam condenadas. Em 30 de abril de 2013, foram sentenciados o dono da boate, Anatoly Zak (nove anos e 10 meses de prisão), a gerente-executiva, Svetlana Yefremova (quatro anos), o diretor de arte, Oleg Fetkulov (seis anos), o dono da fabricante dos fogos, Sergei Derbenev (cinco anos), seu filho Igor (cinco anos), os inspetores de controle de incêndio, Dmitry Roslyakov (cinco anos) e Natalia Prokopyeva (quatro anos), e o ex-inspetor de bombeiros, Vladimir Mukhutdinov (multa e impedimento de ocupar cargo público por três anos). Dois anos e meio após a tragédia, em ação separada, havia sido condenado Konstantin Mrykhin, um dos donos da boate, que fugiu para a Espanha, mas foi extraditado em 2011. Em maio de 2012, recebeu pena de seis anos e meio.

De volta à Kiss:

Menos de dois meses depois do incêndio na boate Kiss, a Polícia Civil indiciou criminalmente 16 pessoas. No total, o documento divulgado em 22 de março de 2013 responsabilizava 28 pessoas, entre as quais o então prefeito de Santa Maria e ex-secretário estadual da Segurança Pública, Cezar Schirmer.

Passados 11 dias, veio a decepção para sobreviventes e familiares das vítimas da tragédia. Em 2 de abril daquele ano, o Ministério Público (MP) apresentou denúncia contra apenas oito envolvidos, transformados em réus pela Justiça no dia seguinte. Os agentes públicos ficaram de fora.

De lá para cá, apenas um dos denunciados pelo MP foi condenado, mas, após recursos, teve a penalização extinta por prescrição. Em paralelo, na Justiça Militar, três bombeiros também receberam sentenças. Mas todos seguem recorrendo, em liberdade. Nenhum dos apontados pela tragédia que resultou na morte de 242 pessoas está preso.

Continua depois da publicidade

Confira abaixo a situação atual de todos os processos criminais relacionados à tragédia da Kiss:

Acusados por homicídio doloso qualificado, os sócios da Kiss Mauro Hoffmann e Elissandro Spohr, o Kiko, e os integrantes da banda Gurizada Fandangueira Marcelo de Jesus dos Santos e Luciano Bonilha Leão foram pronunciados em 27 de julho de 2016 pelo Juiz Ulysses Louzada, da 1ª Vara Criminal de Santa Maria, para ir a Júri Popular. Tiveram recurso negado ainda na primeira instância e recorreram ao Tribunal de Justiça (TJ).

Em 1º de dezembro de 2017, 1º Grupo Criminal do TJ, que reúne desembargadores da 1ª e 2ª câmaras criminais, decidiu que os réus não deveriam ir a júri. Ao julgar pedido de afastamento da qualificação das mortes no incêndio como homicídio com dolo eventual, houve empate em 4 a 4 entre os desembargadores, e o entendimento final foi de benefício aos réus para serem julgados por outro crime, como homicídio culposo e incêndio, por um juiz criminal de Santa Maria.

Em 2 de março de 2018, o 1º Grupo Criminal negou recurso do MP e manteve a decisão. O MP fez nova apelação e, em 13 de julho do mesmo ano, o TJ-RS aceitou a admissibilidade do recurso, e a decisão sobre o dolo eventual ficará a cargo do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Ação contra bombeiros

Na denúncia original do MP, dois bombeiros foram acusados por fraude processual em documentos do inquérito sobre o incêndio. Em 1 de setembro de 2015, Gerson da Rosa Pereira, ex-chefe do Estado Maior do 4º Comando Regional dos Bombeiros (4º CRB), foi condenado a seis meses de detenção, convertidos em prestação de serviços comunitários. No TJ, teve negado pedido para reverter a pena em pagamento de multa. Recurso contra a condenação foi negado pela 4ª Câmara Criminal do tribunal.

Continua depois da publicidade

A defesa recorreu ao STJ, que acolheu parcialmente o pedido, convertendo a pena em pagamento de multa. Os advogados de Pereira entraarm, então, com novo recurso na 4ª Camara Criminal, alegando prescrição do caso, e a tese foi acolhida por unanimidade, extinguindo a condenação. O outro denunciado, Renan Severo Berleze, fez acordo com a Justiça teve o processo suspenso.

Falso testemunho sobre sociedade da Kiss

Completavam a lista original do MP Elton Cristiano Uroda, ex-sócio da Kiss, e Volnei Astor Panzer, contador da boate. A acusação era de falso testemunho sobre a composição societária da casa noturna mas, em dezembro de 2014, os promotores fizeram aditamento mudando o crime para falsidade ideológica e incluindo outros nove réus, entre os quais Kiko, a mãe e uma irmã dele. O processo realizou audiências no em novembro do ano passado e segue em tramitação.

Falsidade ideológica em consulta popular

Também no último mês de 2014, o MP fez nova denúncia por falsidade ideológica, desta vez relacionada à fraude em assinaturas de uma consulta popular sobre a abertura da Kiss em 2009. A Justiça aceitou a acusação contra 34 pessoas. Depois, o processo foi dividido. Em uma parte, 14 dos acusados fizeram acordo com a Justiça e tiveram a punibilidade extinta. Seguem tramitando outras duas ações: a original, com 11 réus, e uma segunda, com nove acusados.

Ação contra três bombeiros na Justiça Militar

Na Justiça Militar, houve duas condenações em 3 de junho de 2015 pelo crime de inserção de declaração falsa, relativo à concessão irregular de alvará da Kiss. E, em dezembro daquele ano, a segunda instância aumentou as penas e sentenciou um acusado que havia sido absolvido na primeira instância.

Continua depois da publicidade

Os três recorreram ao pleno do Tribunal de Justiça Militar (TJM), que em outubro de 2016, tomou a decisão mais recente. Moisés Fuchs, tenente-coronel da reserva e ex-comandante do 4º CRB, teve fixada pena de um ano e três meses de reclusão, o capitão Alex da Rocha Camillo recebeu pena de um ano, e o tenente-coronel da reserva Daniel da Silva Adriano voltou a ser considerado absolvido.

Houve novos recursos de Moisés, Alex e do MP à vice-presidência do TJM, que acolheu o pedido e remeteu o caso ao STJ. O agravo em recurso especial aguarda julgamento do relator, ministro Rogerio Schietti, desde 8 de maio de 2018.

Agentes públicos

Em março de 2016, a promotoria de Santa Maria recomendou arquivamento do inquérito que apurava responsabilidades de Schirmer — então secretário Estadual da Segurança Pública —, dois secretários municipais e dois servidores da prefeitura na época do incêndio. Em novembro de 2016, o Conselho Superior do Ministério Público acatou a sugestão e sepultou a investigação.