Poucas vezes os veículos de imprensa de grande circulação abordam a violência por uma ótica que não seja moralista, o que é responsabilidade tanto dos jornalistas quanto de profissionais ditos conhecedores do tema. Da mesma forma, poucas plataformas político-partidárias analisam o assunto de forma não leiga e ética.

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O viés moralista leva a cegueiras, surdezes e a uma espécie de fanatismo perante algumas verdades. Tratar do assunto violência não é para qualquer um. É para quem pode analisar a questão de forma imparcial.

Mesmo que a imparcialidade não exista com veemência nas relações humanas, ela precisa ser uma bússola. Só assim se evita o risco de profissionais se identificarem maciçamente com as partes, confundirem suas histórias, conflitos e traumas com os daqueles que atendem e acabarem atuando fundamentados na ideia de que um é o inimigo e o outro é a vítima.

Essa postura profissional torna difícil a abordagem da violência contra crianças, adolescentes e mulheres, já que a maioria da violência contra tais categorias é cometida por conhecidos com vínculos significativos. Por sujeitos a quem as vítimas também nutrem afetos positivos.

Se nos preocuparmos com as vítimas, nos preocuparemos com outras respostas do Estado que não a repressão. Muitas vezes, o mais traumático a essas pessoas é saber que participarão do sofrimento do autor. As respostas estatais de vingança não trarão resultados positivos nem para vítima, nem para a sociedade e nem para o autor, que não deixará de cometer novos crimes porque sofreu.

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Aliás, uma das equivocadas noções é de que tais autores são descontrolados e irrecuperáveis, e até de que seriam monstros. É fato que alguns tenderão a reincidir; porém, mesmo nestes casos, somente a repressão não tem sido eficaz.

É preciso investir em critérios de seleção para os policiais que atendem crianças, adolescentes e mulheres, além de aumentar o efetivo, a capacitação e condições de trabalho dos profissionais de Psicologia e serviço social do Departamento de Administração Prisional. É necessário reestruturar políticas públicas de saúde e serviço social dirigidas à temática da violência, com criação de centros interdisciplinares (com psicólogos, assistentes sociais, terapeutas ocupacionais) para o tratamento de vítimas e autores de crimes sexuais.

Por fim, é pertinente destacar a hipocrisia de não reconhecer que propagandas publicitárias contribuem para os crimes sexuais contra crianças, adolescentes e mulheres, porque surtem efeitos sobre o autor e a vítima. Isso fica evidente nas situações em que menores de 14 anos utilizam seu corpo e a sedução como únicas vias de constituição de identidade feminina. Seriam positivas a fiscalização e cumprimento da legislação por parte do poder público municipal sobre as propagandas publicitárias.

*Psicóloga policial da Delegacia da Mulher, Criança e Adolescente de Florianópolis. Mestre em Antropologia Social, especialista em Panorama Interdisciplinar do Direito da Criança e do Adolescente

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