O que pensaria Clarice Lispector sobre sua obra conquistar tamanha popularidade em forma de aforismos na internet? Quem talvez melhor possa arriscar uma resposta é o autor da prestigiada biografia da escritora brasileira – Clarice, -, o americano radicado na Holanda Benjamin Moser. Em entrevista a Zero Hora, por e-mail, Moser comentou essa nova faceta de sua biografada, agora fenômeno nas redes sociais.
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Zero Hora – Da época em que você começou sua pesquisa sobre Clarice Lispector ao lançamento de sua elogiada biografia, ocorreu no Brasil um fenômeno crescente no Facebook e no Twitter: Clarice marca presença na internet com trechos de sua obra transformados em aforismos. A que o senhor atribui essa súbita popularização de Clarice por este meio, sobretudo junto a um público jovem?
Bejamin Moser – É engraçado porque Clarice, em vida, era muito pouco conhecida fora de certos meios intelectualizados ou artísticos, nas cidades grandes. Agora parece que escreveu muitas coisas em 140 caracteres, e que 30 anos depois de sua morte surgiu uma tecnologia que a leva a uma fama que nunca poderia ter antecipado.
ZH – Clarice aborda em sua obra questionamentos existenciais profundos, como o sentido da vida e da morte. O senhor acredita que muitos daqueles que apreciam e propagam os aforismos pinçados de seus livros buscam respostas para tais questionamentos? Clarice tinha a pretensão de ter essas respostas?
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Moser – Acho que a mágica da Clarice é que todo mundo busca respostas para tais questionamentos, e que é por isso que a obra chega tão profundamente dentro de seus leitores. Não que Clarice tivesse a pretensão de ter as respostas. O que Clarice tinha era o desejo de buscá-las, o que é diferente.
ZH – Chama a atenção que Clarice Lispector não pode ser enquadrada como uma autora “fácil”, seus textos exigem do leitor uma imersão mais profunda e atenta. Não lhe parece contraditório essa popularização de Clarice em versão para consumo rápido?
Moser – Tem obras da Clarice que são muito difíceis, e tem outras que realmente são fáceis. E não vejo mal em Clarice para consumo rápido. Leva Clarice aonde não teria chegado de outra forma, e uma pequena parte dos que a encontram por ali vão de fato mais fundo na obra dela.
ZH – Não é também irônico que uma escritora que sempre foi evasiva e reservada em sua vida pessoal seja agora uma figura onipresente nas ferramentas que se voltam, aqui no Brasil, cada vez mais para a exposição pública de intimidades?
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Moser – É, mas Clarice também foi muito, muito longe na exposição pública de intimidades. Toda a obra dela é uma enorme exposição de uma personalidade fascinante. Então de certa forma faz sentido.
ZH – Você, que mergulhou profundamente na vida e na obra de Clarice, arriscaria a imaginar o que ela acharia dessa popularidade virtual?
Moser – Popularidade e fama são, para qualquer um, uma faca de dois gumes. De um lado, Clarice teria adorado saber que tanta gente gosta tanto do que escreveu, pois durante sua vida ela nunca conseguiu uma popularidade que sequer a permitisse viver de seus escritos. De outro lado, a fama é muito invasiva. Teria ficado incomodada talvez em ver a obra cortada e recortada. Mas acho que teria gostado de saber que, até anos depois de sua morte, está ainda tão amada pelo povo do Brasil e também por outros povos.
ZH – Se fosse possível sintetizar o pensamento de Clarice em algumas frases, ou até mesmo em apenas uma, qual ou quais você selecionaria?
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Moser – Isso eu deixo ao critério dos outros. É só botar as palavras “Clarice Lispector” no Twitter para ter milhões de respostas possíveis!