Ondine Cohane
Subindo a trilha íngreme que corta a floresta no sul do País de Gales, com as folhas vermelhas e marrons de outono estalando sob meus pés, cheguei ao cume, de onde podia avistar o longo estuário ladeado pela planície de sal. O rio Taf atravessava os promontórios à minha frente, seu leito inconfundível correndo ao longo dos despenhadeiros cobertos de grama de ambos os lados. O mar se espalhava diante dos meus olhos como uma tela mutante em azul e cinza. Os arbustos de tojo, cobertos de branco, e os de groselha, em vermelho vivo, davam cor ao cenário e o coro das aves marinhas era a única trilha sonora local.
Continua depois da publicidade
Eu estava no País de Gales, e mais especificamente nesse lugar, para seguir os passos de Dylan Thomas, poeta galês que tornou a caminhada famosa em seu “Poema de Outubro”, de 1944. Na obra, que Thomas compôs depois de fazer o percurso no seu 30º aniversário, seu humor varia de esfuziante a melancólico, instável como o tempo durante a excursão. E descreve a paisagem com a linguagem mais lírica que já li. Meu filho de três anos, correndo alegremente à minha frente, de repente se tornou a imagem viva dos versos: “E no girar do tempo vi tão claro quanto uma criança/Aquelas esquecidas manhãs em que o menino passeava com sua mãe/Em meio às parábolas/Da luz solar/E às lendas das verdes capelas”.
Continua depois da publicidade
Thomas teria completado cem anos em outubro e, em homenagem a uma das figuras mais famosas do País de Gales, 2014 fará as mais diversas comemorações, como leituras de poesia, apresentação teatral de “Under Milk Wood”, peça baseada em sua vida em um vilarejo pesqueiro galês e a abertura de novas trilhas para ajudar a exibir sua terra natal e seus refúgios. Com precisão brilhante, Thomas usou o cenário luxuriante de sua infância como pano de fundo bucólico de sua poesia, as paisagens daquele período como metáfora para a inocência e sua perda nos anos posteriores. Embora tenha nascido em Swansea, segunda maior cidade do País de Gales, e morrido em Nova York, foram os verões e feriados de sonho que passou durante a infância no interior verdejante de Carmarthenshire que inspiraram alguns de seus trabalhos mais famosos, e especificamente um de seus poemas mais lendários, “Fern Hill”. Ele também viveu os últimos quatro anos de sua vida curta (o poeta morreu em 1953, aos 39 anos) em Laugharne, uma cidadezinha litorânea do outro lado do estuário, de frente para a fazenda onde passou a infância. E foi lá que meu marido, meu filho e eu nos hospedamos, no Brown’s Hotel, uma pousada alegre, de paredes amarelas, cujos quartos aconchegantes e recém-reformados estão cheios de objetos relacionados a Thomas.
As múltiplas facetas do país Atualmente a Boathouse, uma casinha comum com venezianas esverdeadas onde a família do poeta vivia, à beira-mar, foi transformada em um pequeno museu, mas o galpãozinho de madeira ao lado dela, onde Thomas escrevia diariamente, é que dá o ar romântico ao cenário. Fotos e ilustrações que o inspiraram cobrem as paredes caiadas, as estantes lotadas de material de referência e mistérios escondidos (Thomas adorava uma leitura leve quando queria se distrair um pouco do trabalho). Continua depois da publicidade
A poesia de Thomas deixa bem claro que o escritor sentia uma ligação profunda com determinadas paisagens e a topografia do País de Gales, mas, mesmo assim, eu não estava preparada para a beleza que continua a dominar a região. Para mim, o eterno apelo de sua obra não está apenas em sua habilidade de conectar a natureza ao nosso mundo interno ou em expressar nossa incapacidade de parar o tempo, mas sim em sua descrição da profundidade e da delicadeza dos opostos da condição humana: vida e morte, sonho e realidade, criança e adulto, artista e homem comum. Essa parte do País de Gales, selvagem e bela, indomada, mas cheia de tradições, turbulenta e lírica, não poderia representar melhor o legado de múltiplas facetas do poeta.