Nas últimas semanas uma cena tem chamado a atenção de quem cruza a divisa entre Santa Catarina e Rio Grande do Sul pela rodovia BR-116, entre os municípios de Capão Alto e Vacaria (RS). Na travessia da ponte que liga os dois estados, a visão do imponente Rio Pelotas praticamente seco lá embaixo assusta. A longa ausência de chuva tem castigado a paisagem do local, mas é nas ruínas de duas obras humanas que está o retrato mais fiel da situação.

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Era começo do inverno de 1964 e chovia há vários dias sem parar nas Serras Catarinense e Gaúcha. A única ligação entre os dois estados, se não pelo Pelotas, era por uma ponte inaugurada apenas quatro anos antes junto com a BR-116, uma das principais rodovias do Brasil e que liga Jaguarão (RS), na divisa com o Uruguai, a Fortaleza (CE), num total de 4,6 mil quilômetros.

Mas naquele começo do gelado e chuvoso inverno de 1964, o Rio Pelotas se agigantou ainda mais e destruiu a passarela. Algumas semanas depois o Exército instalou uma ponte de ferro para liberar o tráfego até a inauguração da nova ponte de concreto de 250 metros, no fim de 1966.

Alguns anos mais tarde foi construída outra ponte de concreto sobre o Rio Socorro, afluente do Pelotas, para possibilitar aos moradores da localidade de Passo do Socorro, em Vacaria, saírem de suas casas sem a necessidade de usar a canoa para chegar à ponte do Pelotas.

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As ruínas da ponte destruída pela enchente no Pelotas e a pequena ponte de concreto do Socorro foram realidade até 2004, quando a Usina Hidrelétrica Barra Grande, construída a 100 quilômetros dali, começou a alagar a região para servir de reservatório do empreendimento. Desde então, as duas estruturas desapareceram na imensidão da água e entraram definitivamente para a história.

– É muito estranho saber que lá no fundo do rio estão duas pontes que eu usei durante toda a minha vida justamente para passar por cima do rio -, diz o aposentado Celeste Vicentin, 61 anos.

Mas desde setembro do ano passado algo começou a mudar. A chuva ficou escassa e, com a estiagem há cerca de 60 dias, o passado voltou à tona. O nível da água baixou mais de 20 metros e todas as árvores e estradas que haviam sido afogadas pelo reservatório da usina voltaram a dar as caras. Inclusive as duas pontes sobre as quais Elenir Fátima Bastos, de 53 anos, tanto pescou.

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– Minha principal fonte de renda veio de cima dessas pontes. Dá muita saudade daquele tempo.

A drástica redução do reservatório formado nos rios Pelotas e Socorro não chega a comprometer a geração da usina hidrelétrica, mas assusta pelo tamanho da estiagem e por deixar expostos os restos de duas pontes que foram tão importantes para o Brasil e estavam tão debaixo d’água.

– Cresci aqui e nunca vi o rio tão baixo assim. É assustador e dá até uma sensação de morte – lamenta a dona de casa Maria Zen Vicentin, de 58 anos.