As livrarias ajudam a contar a história de uma cidade e de sua gente. É pelas páginas dos livros que conhecemos a vida cotidiana de um povo, seus conflitos, paixões e temos contato com outras realidades. Em Florianópolis, os sebos vão além e, durante o dia, ajudam a dar vida ao Centro Leste, que antes dependia da boemia noturna. 

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Felipe Matos, doutor em História pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), destaca que a região sofreu um grande impacto no início dos anos 2000, especialmente após a inauguração do Terminal de Integração do Centro (Ticen), que diminuiu a circulação de pessoas no antigo terminal da Capital. Aproveitando-se desta brecha, os sebos ocuparam os calçadões e tornaram-se referência no lugar, resistindo à era das lojas virtuais. 

O pioneiro, que fica na Rua João Pinto, é o Sebo da Ivete, inaugurado em 1992, e que começou quando ainda nem se pensava em e-commerce. Nos arredores estão instalados o Elemental, de 2007, que acompanhou a ascensão da internet, e o Desterrados, de 2018, que abriu já em meio a decadência das grandes livrarias. 

O curioso é que, enquanto comércios tradicionais do nicho fecharam as portas, na Ilha da Magia a história é outra. Seja pelas obras raras ou pelo princípio democrático de abraçar qualquer público, os livreiros mantêm sua clientela fixa. 

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— Os sebos sempre foram facilitadores de acesso aos livros por seus preços mais acessíveis, por seu acervo variado, por ser um ponto de convergência dos mais variados perfis de clientes. É onde se encontram  os amantes da leitura, os colecionadores e bibliófilos, mas também os leitores esporádicos e o leitor em formação, de todas as classes sociais — pontua o historiador. 

Sebos dão vida ao Centro Leste

Dos tempos analógicos à era digital 

Com 32 anos de história, o Sebo da Ivete, de Ivete Berri, 68 anos, nasceu em tempos analógicos. Natural de Blumenau, ela conta que veio à Capital após sua loja de couro no Vale do Itajaí ter sido roubada.

Encorajada por um amigo, fez pesquisas e, ao caminhar pelas ruas, surpreendeu-se com a falta de sebos na região, que a fez questionar: “Será que o pessoal de Florianópolis não lê?” Mas respondeu ao próprio pensamento: “Bom, pelo menos gibizinhos de dois ou três reais vou vender”. E arriscou. Assustada com os altos preços de locação, alugou um espaço minúsculo ao final da Rua João Pinto, onde começou. 

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— Achei uma loja lá no fundo, suja, feia, que ninguém queria porque tinha pegado a água [da chuva]. Mas aluguei aquela sala, porque era a única que eu podia pagar. De lá para cá, fui aumentando o acervo e hoje estamos aqui. E já está apertado também — brinca. 

Há dez anos, Ivete mudou-se para uma loja maior, ainda na João Pinto. No local, mantém um acervo de mais de 15 mil livros que são distribuídos por entre as estreitas estantes que alcançam o teto. 

Há alguns anos, com a ascensão das lojas virtuais, Ivete chegou a cadastrar algumas das obras na Estante Virtual, mas conta que dava muito trabalho e, colocando na ponta do lápis, não valia a pena. Atualmente, ela faz algumas vendas pelo Instagram, mas conta que a maioria do público ainda compra presencialmente. 

Com ar nostálgico, orgulha-se do espaço que construiu e, por vezes, dá uma pausa para admirar os clientes, principalmente os pequenos que desaparecem entre as prateleiras e ficam presos às páginas que folheiam. 

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— Eu comecei a ler bem pequenininha. Lembro quando ia na casa da minha avó e ficava revirando o baú de revistas dela. Minha mãe não costumava comprar livros, mas eu sempre tinha um livro para ler. Nessa época eu nem imaginava ter um sebo — lembra. 

Um sonho de juventude 

Economista de formação, Tasso Cláudio Scherer, 64, realizou um sonho de juventude ao abrir o Desterrados em 2018, já em meio aos e-commerces. Ele conta que pensou duas vezes antes de começar a loja, mas quis atender a pessoas que, assim como ele, ainda sentem a necessidade de ler livros físicos e investir horas garimpando preciosidades desta e de outras épocas. 

O contato com a literatura começou na infância, quando reservava os domingos para ir a bancas de jornais com o pai. Desde então, com os livros que ganhava, começou seu acervo e, já adulto, se deparou com praticamente uma biblioteca dentro de casa. Foi quando abriu o próprio negócio, há sete anos. 

Para sua surpresa, a maioria do público que passou a frequentar o local é formada por jovens. Tasso se adequou e também vende pela internet, mas, “por incrível que pareça”, 70% das vendas acontecem presencialmente. 

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O livreiro conserva cerca de 6 mil livros no sebo e promove eventos para lançar autores catarinenses, a fim de valorizar a cultura local. Inclusive, possui um estande com obras de escritores do Estado. 

Além de vender pela internet, fica atento a autores e livros que estão em alta para agregar a coleção, que vai desde Eça de Queiroz, Lima Barreto e Dostoiévski a autores contemporâneos, como Jeferson Tenório. Para ele, a manutenção de espaços que incentivam a leitura proporciona “conhecer o mundo sem sair do lugar”. 

— É uma mostra de que outro mundo é possível. O mundo dos estudos, do saber e da ciência. Aqui está concentrado muito trabalho, muita pesquisa. Eu sou só um instrumento de transmissão deste conhecimento —  destaca.  

Símbolos de resistência 

Felipe Matos, historiador e autor de “Uma ilha de leitura”, relata que Florianópolis teve acontecimentos que demonstram uma relação de amor e ódio com a literatura. Por entre as décadas, houve fogueiras de livros, livrarias apedrejadas, livros comercializados em armazém de secos e molhados, livreiros que faziam “fiado” e facilitavam o acesso à leitura e tipógrafos que confeccionavam livros artesanalmente. Em resumo, “gente que amava e odiava livros”. 

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Para ele, a existência desses locais, que funcionam como ponto de encontro de formadores de opinião e leitores, são palcos expressivos do contexto social, econômico e político de seu tempo. 

— Há vários livreiros que assumiram o papel de intelectuais mediadores do pensamento e suas casas comerciais são espaços de memória, de resistência, de transformação. A literatura revela gostos, preocupações, tendências, o que se valorizava e o que se temia. Os livros e as livrarias são um portal para se ler espírito do seu tempo, são guardiãs das diversas identidades culturais existentes numa cidade — define. 

Rodrigo Maciel Sarubbi, 44, do Sebo Elemental, ainda complementa que, se o impacto da era digital foi sentido pelas livrarias físicas, já foi diluído. Para ele, não há uma sensação clara de ruptura ou delimitação, já que possui uma clientela sólida e, tirando o período de pandemia, sempre conseguiu pagar as contas. 

— Enquanto as pessoas sentirem necessidade de sair à rua e de manusear objetos, os sebos terão sentido de existir. 

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