Anny foi a pessoa mais nova a morrer ao contrair Covid-19 em Joinville. Ela tinha apenas sete meses quando a mãe, Priscila de Lima Conradi, 23 anos, recebeu a notícia de que seu nenê havia partido, na última terça-feira, em 23 de março.
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Priscila estava na sala de espera da UTI do Hospital Infantil Dr. Jeser Amarante Faria, e há cinco dias mantinha-se em vigília pela filha na enfermaria da unidade hospitalar. Cada intervalo na respiração, cada queda na saturação de oxigênio no sangue, fazia nascer um sobressalto novo no peito da jovem mãe.
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— Mas ela sorria, mesmo diante de tudo isso. Ela continuava com aquele sorrisão largo dela como se quisesse me acalmar, dizer que tudo estava bem — recorda Priscila.
Anny já nasceu guerreira. Ela podia nunca ter vindo ao mundo e, ao chegar, nele, poderia ter resistido por poucos minutos. Os médicos avisaram aos pais que as chances eram mínimas e eles deveriam estar preparados para um bebê natimorto.
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A gravidez foi considerada de risco já na oitava semana e, no sexto mês de gestação, as notícias começaram a chegar. Cardiopatia congênita, síndrome de Dandy-Walker e hidrocefalia eram as palavras que apareciam nos exames morfológicos e passaram a fazer parte do vocabulário da família.
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Para Priscila, no entanto, não eram uma sentença de morte: eram apenas desafios com os quais iriam conviver enquanto cobririam a filha com muito amor e esperança. Antes mesmo da pandemia começar, em março de 2020, Priscila já estava em “quarentena”, já que precisava de repouso absoluto.
Anny nasceu em uma tarde de 18 de agosto, inesperadamente, após uma consulta de rotina na Maternidade Darcy Vargas. Foi o obstetra Rafaeli Sfendrych quem, ao realizar os exames, percebeu que era hora de uma cirurgia de emergência. Poucas horas depois, Anny nasceu e foi imediatamente colocada em uma incubadora e levada para a UTI neonatal.
— Na hora do parto, foi desesperador, eu só queria ver minha filha. Só o pai dela a viu, tirou fotos e me disse que ela estava viva — conta Priscila.
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Por quase dois meses, a maternidade foi a casa da menininha. Depois, ela ainda precisou passar um período no Hospital Infantil, para só então conhecer o bercinho que os pais haviam preparado para ela, ao lado da cama deles. Pequenininha dentro dele, até parecia que não havia bebê recém-nascido em casa: ela quase não chorava, não tinha cólicas e dormia a noite inteira.
— Deus deu a oportunidade de a gente conhecer todo esse amor. A Anny contrariou todos os médicos, todos os prognósticos. Deus liberou para que ela estivesse com a gente por estes sete meses e cinco dias, e foram os melhores da minha vida — afirma ela.
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Sorrisos de Anny a cada manhã
Priscila sabia que a saúde frágil poderia fazer com que sua única filha vivesse por pouco tempo. Mesmo assim, ela vivia intensamente cada dia, com a esperança de que ainda teria os sorrisos de Anny na manhã seguinte. A contaminação por Covid-19 era um temor como várias outras possíveis doenças que o nenê poderia contrair e que a afetariam mais do que a outras crianças da mesma idade. Além das patologias diagnosticadas ainda na gestação, Anny também nasceu com displasia broncopulmonar, o que exigia que fizesse uso de oxigênio suplementar em tempo integral.
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Apesar de toda a proteção que os pais ofereciam, há algumas semanas a Covid-19 chegou à casa deles. O pai de Anny, Geazi Machado, 31 anos, trabalha como motorista de Uber e, mesmo tomando todos os cuidados para a prevenção contra o coronavírus, acabou sendo infectado.
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— Um dia, ele chegou com dor de cabeça em casa. A gente pensou: “uma dor de cabeça é só uma dor de cabeça”. Ele tomou paracetamol e voltou a trabalhar — relembra ela.

Dois dias depois, ele acordou com febre. Imediatamente, o contato com Anny foi interrompido. Priscila, que podia estar infectada também, passou a usar máscara e colocar um roupão em cima da roupa toda vez que precisava chegar perto da filha, que passou a ficar o máximo de tempo possível no carrinho, a uma distância segura dos adultos. Mas já era tarde demais: Priscila e Anny começaram a apresentar tosse na mesma tarde e, em pouco tempo, o quadro da criança passou a incluir vômito e febre.
— Eu levei ela no mesmo dia para o hospital. Fizeram os exames, eu falei sobre a suspeita de Covid-19, mas os testes não mostraram nada e voltamos para casa. Mas, dias depois, o raio-X mostrou uma mancha no pulmão — diz Priscila.
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Internação e UTI
A internação do bebê ocorreu na sexta-feira (19). A mãe ficou com ela, convivendo com os sustos de cada instabilidade na respiração de Anny, mas também assistindo aos sorrisos que a menina distribuía. Foi assim até a última hora, quando o nível de saturação do oxigênio ficou baixo demais e ela precisou ser intubada e transferida para a UTI.
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Priscila ainda chegou a ver a filha por alguns minutos após a sedação. Pediu para trocar a menina, dar banho com lencinho, colocar outra roupinha, mas não houve tempo.
— Chamaram os médicos e me pediram para sair da sala. Eu ouvi a médica falando “traz as drogas caso precise reanimar ela”. Saí chorando. Era só gente correndo de um lado para o outro, e eu já sabia o que podia acontecer — relata ela.
Anny foi levada para a UTI e, 20 minutos depois, veio a notícia do falecimento. O pai não chegou a tempo: quando entrou no Hospital Infantil, o óbito já havia sido anunciado.
— Eu recebi a notícia da morte dela sozinha, tive que lidar com tudo sozinha. A reação dele foi agressiva, de querer chutar os móveis, porque via o sorriso dela nas fotos e vídeos que eu mandava e acreditava que tudo estava bem — conta.
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Um bebê com uma missão
Quando pensa em Anny agora, Priscila gosta de acreditar que ela chegou no céu e contou para Deus sobre como foi amada na Terra. Que Deus aprovou o relatório do anjinho recém-chegado e que ela, agora, contagia o céu com a alegria que exalava durante a breve vida.
— A Anny foi uma guerreira. Ela sempre lutou pela vida, e por mais que as coisas tenham sido difíceis para ela desde o momento da incubadora até pouco antes da morte, ela sempre esteve com um sorriso no rosto. Ela sempre foi luz. Nós somos muito gratos a Deus por ele ter confiado na gente para mandar uma criança tão especial para a gente cuidar, amar e proteger. Eu acredito de coração que a gente cumpriu essa missão e que ela sentiu que foi muito amada — diz Priscila.
Nestes sete dias desde que voltou para casa sem a filha, Priscila tem se dedicado a publicar agradecimentos aos profissionais de saúde que a ajudaram durante todos estes momentos em que pode vivenciar a maternidade, desde o início da gestação até a partida de Anny. Também faz vídeos em que mostra, orgulhosa, o rostinho sempre sorridente da filha.
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— A Anny veio para alertar todo mundo. Muitos jornais deram a notícia sobre a morte dela, e ninguém sabe que era ela, que era um bebê especial. Ela tinha os problemas de saúde, sim. Mas, se não fosse pela Covid-19, ainda estaria com aqui com a gente. Por isso, eu quis contar a história dela no jornal. Quero que as pessoas vejam como ela era feliz. E quero alertar: mesmo se for só uma dor de cabeça, se afaste de quem você ama. O contágio é muito rápido. Cuidem bem de quem vocês amam — desabafa.
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