Grande destaque da Feira do Livro de Joinville nesta sexta-feira e sábado (16), o escritor Pedro Bandeira recebeu jornalistas para um bate-papo sobre vida e carreira; literatura e formação literária como meio de transformação social. Aos 76 anos e criador de obras infanto-juvenis consagradas como a série “Os Karas”, iniciado por “A Droga da Obediência”, e “A Marca de Uma Lágrima”, o autor elege as pessoas como inspiração. E é essa escolha a chave para uma carreira de sucesso que inclui prêmios como o Jabuti, da Câmara Brasileira do Livro, em 1986, e a Medalha de Honra ao Mérito Braz Cubas, da cidade de Santos (SP), em maio de 2012.
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No evento, o escritor conversa com o público com o tema “Por que deixei o teatro para escrever para crianças e jovens” e dá seu depoimento “De Leitor a escritor, dos livros infanto-juvenis aos de adulto”. Confira abaixo trechos da conversa realizada na tarde desta sexta-feira entre Pedro Bandeira; o Jornal A Notícia e outros veículos da imprensa:
A Notícia (AN): Suas obras são principalmente voltadas para crianças e adolescentes. O que te motiva a contar uma nova história para esse público?
Pedro Bandeira (PB): A minha especialidade de escrever para determinadas idades tem uma característica própria. Não sou um cara que escreve histórias leia quem quiser, miro em algum ponto da fase de desenvolvimento do ser humano até este ser humano ficar adulto, depois o problema é dele e não estou mais junto. Tenho alguma coisinha para adultos, mas não é a minha praia, minha praia é desde as primeiras historinhas até o fim da adolescência.
AN: Escrever para o jovem tem a ver com seu desejo de formar adultos leitores?
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PB: Totalmente! É formar pessoas, cidadãos, ajudá-los a crescer; a se conhecer; a se compreender; a curtir as emoções que fervem dentro do ser humano enquanto ele cresce. Então, eu preciso conhecer uma criança de quatro anos para saber o que ela pensa e quais são as ligações emocionais dela. Também como é um menino de 13 anos, uma menina de 12 anos e como ela pensa, quais são suas esperanças, seus medos, as suas paixões, as suas raivas, as suas invejas, os seus ciúmes. Cada detalhe desses pode virar uma ideia para ser desenvolvida em uma trama que, na verdade, estou preocupado com essa emoção do meu leitor, em que a trama é mais para manter ela atenta aquilo. Um exemplo disso é que tenho um livro romântico que se chama “A marca de uma lágrima” e é uma adolescente, tem mistério no meio, que serve só para manter a atenção dela, mas essa não é a história, a história é ela tentando se compreender. Então ela tem complexos, se acha gorda, se acha feia, acha que a colega é muito mais bonita que ela e tudo mais. Essa é a história, parece que não, que é toda a aventura, mas a aventura é para mantê-la lendo e no fim ela se encontra, ela conquista a autoestima. Esse é o final feliz, ela conseguir superar os seus complexos anteriores. Então o meu leitor é o meu assunto, nada externo a ele.
O meu livro serve como um espelho para o meu leitor. A literatura é isso, a literatura é alma e quando a gente fica com fome é que a nossa alma está pobre, então a gente precisa de uma feijoada de literatura e é essa a minha missão.
Imprensa (I): Seus primeiros livros ainda estão em alta e os professores utilizam em sala de aula. Como você faz para se renovar e para que os livros que prenderam as antigas gerações continuem prendendo essa geração atual?
PB: Acontece que se a literatura é boa, ela é atemporal! Veja você, um autor que escreveu há 400 anos, o William Shakespeare, por que ele ainda é encenado? Porque ele não escreveu sobre o seu tempo, ele escreveu sobre pessoas, sobre uma paixão que não dá certo; sobre ciúme; sobre cobiça; sobre traição; sobre inveja. Até hoje o maior texto sobre ciúmes da história é o “Otelo” do Shakespeare e ninguém vai fazer uma melhor do que essa (obra) sobre o ciúme, que está viva hoje. Então se a literatura é boa ela é eterna.
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A Droga da Obediência é outro exemplo. O livro foi escrito em 1983 antes de haver telefone celular ou computador, Google e qualquer coisa assim. No entanto, meninas de 12 anos leem numa boa porque não é sobre isso a história, a história são os grandes problemas da humanidade e aprender a dizer não, aprender a negar, aprender a escolher o próprio caminho. Esse é o ponto: ele continua igual, não preciso modernizá-lo.
I: Você também teve uma trajetória importante no teatro antes de ingressar na literatura, acha que isso deu uma base boa para os teus livros?
PB: Não, a base boa é que eu fui um menino muito solitário e minha companhia era ler, desde pequeno, só tinha dois irmãos muito mais velhos então o que eu ia fazer era jogar botão comigo mesmo, eu lia e, no meu tempo, o gibi era moda. Hoje a molecada não lê gibi, que era muito bom até para fixar a alfabetização. No meu tempo você tinha gibi e o cinema, que era só estrangeiro e com legenda, que, ou você lia bem e com velocidade ou não podia ir ao cinema. Então a gente treinava a nossa alfabetização assistindo filmes e lendo os gibis. Agora a molecada só vê filmes dublados e não lê gibis, então vai treinar a leitura aonde? Esse é o problema atual.
Isso me ajudou porque eu sempre fui um grande leitor, não para ficar inteligente, mas para me divertir. A leitura era a minha televisão.
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I: Algum dos teus livros já foi pensado para filme?
PB: Infelizmente sim, eu achava que como eu gosto muito de cinema, meus livros parecem cineminha, tudo em cenas curtas, parece um roteiro de cinema… Já houve vários contatos e até de uma grande rede de televisão, mas parou no orçamento, seria muito caro. “O Fantástico Mistério de Feiurinha”, a filha da Xuxa gostou e a mãe dela me procurou, topei e ela fez o pior filme da humanidade. A humanidade nunca viu um filme tão ruim quanto aquele, destruiu meu livro. Depois disso eu digo que nunca mais um livro meu irá para o cinema enquanto eu viver, a não ser que seja o Steven Spielberg com um cheque de um milhão de dólares, aí nós podemos conversar.
I: Qual a tua inspiração para escrever e quais são os seus momentos quando você começa a escrever uma história?
PB: A minha inspiração… Bom o escritor é um observador, de repente eu olho assim varias crianças brincando e está um grupo de crianças de oito anos que estão conversando, com alegria, mas tem uma parada só olhando e não entra na brincadeira. Eu imagino “o que ela está pensando? Por que ela não está entrando no jogo?”, ela passa a ser um personagem. Eu posso tentar imaginar o que houve com ela, por exemplo, se ela brigou com a mãe, se teve algum problema, se sofre bullying dos colegas ou se tem um gurizinho que ela está afim e ele não quer nada com ela, então de repente brota uma história. O meu leitor é o meu personagem. O grande problema do Brasil é que o país tem uma educação baixíssima, a gente compra tudo já pronto porque nunca investimos nas cabeças das nossas crianças. Essa é a verdade, se mais pessoas lerem, mais gente compreender e mais gente atingir o nível de conhecimento, eles construirão o Brasil. Por isso que não ligo tanto para escrever para adultos, a minha preocupação é ajudar a construir um novo brasil.
AN: Pesquisas mostram que é justamente na pré-adolescência que as pessoas começam a perder, por exemplo, o interesse pela leitura. Como é possível hoje alcançar os jovens através dos livros?
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PB: Isso não é uma pesquisa, na verdade, se esse menino, essa menina estiver sido canalizada ela não abandonará a leitura. Esses que abandonam a leitura, nunca foram leitores, nem eram crianças leitoras. A maioria das crianças brasileiras não adormece no colo do papai e da mamãe ouvindo uma história. Não, nós não temos esse hábito, nós temos uma história ruim ligada à leitura e somos um país que foi descoberto e explorado pelo país mais pobre, o mais atrasado da Europa, que foi Portugal.
Nós tivemos como base ideológica a religião católica: a religião católica tem um centro, o Vaticano, e tem um livro, que é a Bíblia, mas a interpretação da Bíblia cabe só ao Vaticano, não cabe a você, você deve ouvir o discurso do padre. Eu não estou defendendo religião alguma, estou falando de uma origem ideológica. Você não é obrigado a ler a Bíblia, até melhor que não leia. Aí no século 15 um alemão inventou a prensa de tipos móveis, antes você tinha a Bíblia escrita por um padre à mão, levava uma vida para ter um exemplar da bíblia. De repente inventaram a prensa e passa a ter milhares de bíblias e pouco depois um padre católico ele resolve brigar com o Vaticano, chamado Martinho Lutero, e uma das brigas dele ele dizia o seguinte: “para você ser cristão é necessário que você pessoalmente conheça a palavra de Deus”; Isto é, pessoal é o que, você tem que ler e pra saber ler a Bíblia você tem que saber ler, então nos países que adotaram o pensamento do Lutero houve uma revolução educacional por causa da Bíblia. O sujeito trabalhava o dia inteiro na enxada, chegava em casa e ascendia uma vela, abria a Bíblia e todos ficavam lendo a Bíblia em voz alta.
Se você perguntar para um camponês alemão o porquê ele mandou o filho pra escola, vai responder que é para se tornar um bom cristão. Porém, se perguntar para um camponês brasileiro por que ele não mandou seu filho para a escola, “mas para quê? Para aprender a ler”, mas ler para quê? Ele não tinha uma razão ideológica para isso. Resultado: qual a razão dos países que fizeram a Revolução Industrial, o Iluminismo e são ricos até hoje se não Alemanha, Inglaterra e Estados Unidos; Quais ficaram lá embaixo senão Espanha, Portugal e América Espanhola e Portuguesa; Porque nunca soubemos ler! Nunca tivemos uma razão religiosa para ler, e não estou defendendo ou atacando Religião, estou falando que certas religiões fazem o cara saber ler; ele lê a Bíblia, de repente ele gostou e quer ler outras coisas, toma o hábito da leitura.
Isso provocou uma revolução editorial nesses países, Lutero imediatamente traduziu a Bíblia para o alemão, assim como outras traduções mundo afora. No entanto, em Portugal no século 19 só havia bíblias em Latim, não tínhamos nem Bíblia em Português. Por isso somos atrasados, essa é uma base e nós nunca tivemos um hábito de leitura porque nunca lemos, mas por que não podemos mudar isso?
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I: Foi você quem escolheu as palavras ou foram elas que te escolheram?
PB: Foi minha profissão. Fiz teatro, mas para viver eu fazia jornalismo e o jornalismo me ganhou. Sempre vivi de escrever, então essa era a minha profissão, mas é uma profissão que você não escolhe o que vai escrever. Você vai entrevistar o Pedro Bandeira, por exemplo, aí você pode pensar, mas quem é esse cara? Hoje tem o Google, no meu tempo não tinha. Seu chefe dizia: “Vai entrevistar o secretário de obras: hã?! Quem é o cara? O que eu vou perguntar para ele?”. Então isso te obriga a ir atrás a pesquisar, mas sempre fazendo o que me mandavam fazer; até que já coroa eu tinha feito tantas historinhas que me mandaram fazer, que resolvi fazer uma historinha que eu quis, aí deu certo porque vocês (público) gostaram.
I: Em termo de escritores, quem foi sua inspiração para começar a escrever?
PB: Meu primeiro livro foi infantil e eu falei “ah, vou fazer que nem o Monteiro Lobato, vou imitar o Monteiro”… Ele começa a historia dele com uma menina, que é a Narizinho, adormecendo na beira de um rio e de repente começa a acontecer mil coisas, então eu fiz a mesma coisa. Fiz um menino que também era solitário como a Narizinho, que achou uma pedra grande e achou que era um ovo de dinossauro… Aí eu quis fazer fantástico, mas não manipulei bem e imediatamente fiz uma turminha adolescente vivendo aventuras fantásticas, deu certo porque a molecada gostou e não parei mais.
AN: Há autores da nova geração para jovens que te surpreenderam, que podem se tornar um novo nome ícone como é Pedro Bandeira?
PB: Não sou de procurar especificamente por escritores para jovens nas livrarias e não sou editor, apesar de ganhar alguns livros. Temos um grupo de escritores que se reúne pra discutir a literatura infantil e acabo acompanhando mais meus colegas. Então, não sou testemunha, mas torço para que surja. Gostaria de ver um autor de 30 anos, 35, ainda não estou vendo, essa é a verdade.
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