Os deputados federais e senadores de Santa Catarina tiveram nos últimos meses os maiores valores de liberação de emendas parlamentares em mais de cinco anos. Em setembro, SC recebeu R$ 122 milhões de emendas efetivamente pagas pelo governo Bolsonaro. O valor é o maior de todos os meses desde 2016, a partir de quando são disponibilizados dados no painel Siga Brasil, do Senado Federal.
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Um mês antes, em agosto, foi a vez de o Estado ter recorde de valor empenhado – quando o governo se compromete a executar a despesa e reserva recursos para ela no orçamento. Foram liberados R$ 222 milhões para ações indicadas por parlamentares de SC. A quantia foi a segunda maior da série histórica desde 2016. O levantamento é da reportagem do Diário Catarinense.
Mesmo com dados apenas até meados de outubro, 2021 já se aproxima do total do ano passado em valores de emendas parlamentares destinadas a Santa Catarina. Até 17 de outubro, foram empenhados para indicações de deputados e senadores catarinenses R$ 467 milhões. Em todo o ano de 2020, foram reservados R$ 500 milhões, maior valor dos últimos anos. Considerando apenas os valores de janeiro a outubro, 2021 já supera o ano passado em 10%.
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Vale lembrar que as emendas empenhadas estão apenas comprometidas no orçamento, mas ainda não foram executadas. A quantia efetivamente paga a emendas de SC neste ano praticamente iguala a maior marca anterior, registrada em 2019. Foram R$ 449,9 milhões até meados de outubro, contra R$ 455 milhões pagos dois anos atrás. Em relação a todo o ano passado, o valor já é 5% maior.
No total, SC teve de janeiro a outubro deste ano 737 emendas parlamentares empenhadas ou pagas, sendo 713 individuais e 24 de toda a bancada catarinense.
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Emendas em alta também no país
As liberações acima da média ocorrem também no cenário nacional. Elas vêm em alta desde o ano passado e voltam à tona no momento de turbulência atual do governo Bolsonaro, devido à possibilidade de o país “furar” o teto de gastos com despesas como o novo Auxílio Brasil.
Em todo o país, no entanto, o ritmo de liberação de emendas neste ano ainda está um pouco menor do que foi em 2020. Foram R$ 19,2 milhões empenhados até outubro deste ano, contra R$ 35,4 milhões em todo o ano passado.
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Liberações coincidem com votações polêmicas
As emendas parlamentares são um recurso em que deputados e senadores podem indicar áreas ou ações para destinar parte do orçamento da União. Em geral, as indicações são feitas para as regiões que são base eleitoral dos parlamentares.
O instrumento é polêmico porque tanto o empenho quanto o pagamento de emendas por vezes são apontados por especialistas como uma forma de moeda de troca ou barganha em períodos de votações de interesse do governo federal.
Por isso, historicamente é comum que altas liberações de valores ocorram em períodos de votações polêmicas no Congresso. Um exemplo está nos períodos que tiveram os maiores valores liberados para SC.
- Em agosto deste ano, quando os parlamentares de SC tiveram o segundo maior valor de empenho em um único mês desde 2016, a Câmara dos Deputados votou projetos sobre a reforma política. O mais polêmico deles era o que tentava tornar obrigatório o voto impresso a partir das eleições de 2022. O assunto foi defendido pessoalmente pelo presidente Jair Bolsonaro e, no dia da votação, chegou a ter um desfile de tanques do Exército em frente ao Congresso. O ato foi visto por parlamentares como forma de tentar pressioná-los. No Brasil, agosto registrou o maior valor para um único mês em emendas pagas desde 2016.
- O único mês que teve um valor superior ao de agosto deste ano em empenho para emendas parlamentares de SC foi julho de 2019. Naquele mês, a Câmara votou em primeiro turno a também polêmica proposta da Reforma da Previdência, primeira grande bandeira do mandato de Jair Bolsonaro e que modificou regras de aposentadorias e pensões no país. Na ocasião, deputados de SC também tiveram recorde de liberação de emendas.
- O terceiro maior valor de empenho ocorreu em abril de 2020, quando foram liberados R$ 141 milhões para ações indicadas por parlamentares de SC. Aquele mês marcou a aproximação do governo Bolsonaro com o chamado Centrão, bloco de partidos que passou a formar uma base de apoio do presidente no Congresso desde então. Aquele mês teve o segundo maior valor desde 2016 também nos números nacionais, considerando todos os deputados e senadores do país. Foram R$ 6,2 bilhões autorizados às emendas na ocasião.
- Outras “sazonalidades”, no entanto, também interferem no ritmo de liberação de emendas. Por exemplo: a aprovação do orçamento. Como em 2021 ele só foi aprovado pelo Congresso em abril, o empenho e pagamento de emendas só começaram “para valer” em SC e no país a partir de junho. O deputado catarinense Rogério Peninha Mendonça (MDB) reforça que o volume maior dos últimos meses ocorreu por esse atraso na votação do Orçamento, que travou os pagamentos no primeiro semestre.
- Esse ponto pode explicar os recordes em valores para um único mês em agosto e setembro, ainda que no acumulado do ano 2021 já iguale ou supere as quantias integrais dos dois últimos anos. Outra característica é o volume em geral maior de liberações em dezembro, último mês para executar o orçamento anual, e também na segunda metade dos mandatos do Executivo, segundo especialistas ouvidos pela reportagem.
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Obrigatoridade aumentou pagamento de emendas
O que explica o aumento no pagamento de emendas como as recebidas por SC nos últimos anos? O diretor-executivo da ONG Contas Abertas, Gil Castello Branco, diz que o aumento das chamadas emendas de relator (leia mais abaixo) e o fato de as emendas individuais e de bancada terem se tornado obrigatórias explicam o aumento nos repasses para pedidos de parlamentares nos últimos exercícios. Além disso, ele afirma que a partir de 2020, com a popularidade do governo Bolsonaro em queda, o “preço do apoio político subiu”.
As emendas provocam discussão se são um instrumento positivo ou não por conta da relação dada entre Executivo e Legislativo. O senador catarinense Jorginho Mello (PL), vice-líder do governo no Senado, disse que o apoio governista também pode ajudar na hora da liberação, mas considera que depois que as emendas se tornaram impositivas, os parlamentares ficaram mais independentes em relação a isso.
– Agora ele tem que receber por força da Constituição, não porque apoia ou não. Quem quer ser governo vai ser governo, quem quer ser independente ou oposição, vai receber suas emendas, desde que indique projetos possíveis. Evidentemente a base do governo pode ter um pouquinho de ganho a mais, mas em uma emenda suplementar, extra, algo nesse sentido, não nas individuais – avalia.
O senador teve o terceiro maior valor de emendas pagas a SC durante o governo Bolsonaro. Ele diz que os valores têm aumentado porque “o governo tem considerado mais os parlamentares” e defende que as emendas são instrumento importante para os municípios, que hoje têm o orçamento “apertado”.
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– Ajuda muito um prefeito quando coloca um dinheiro que possa fazer em uma rua o asfalto, reforma de ginásio, ajudar uma casa de convivência. É fundamental ter essa receita – afirma.
O deputado Rogério Peninha Mendonça também defende que as emendas ajudam o orçamento da União a chegar a municípios pequenos, onde a arrecadação é baixa.
– Se é o sistema mais justo de distribuição de recursos, há muito o que ser debatido. Mas é o que o Brasil adota atualmente e, como deputado, busco atender os municípios da maneira mais igualitária possível – defende.
Atenção à transparência e qualidade do gasto
A economista e professora de Economia e Finanças Públicas da Udesc Esag, Ivoneti Ramos, afirma que por serem eleitos em grande parte com representação territorial, os parlamentares acabam estando mais próximos dos cidadãos e podem identificar as reais demandas da sociedade. Na avaliação dela, o mais importante é que as emendas se revertam em benefícios para a população, e não sejam instrumentos de marketing com “fins eleitoreiros”.
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– Para isso têm um papel importante os tribunais de contas, na observação do uso deste recurso, e é fundamental que os parlamentares tenham uma agenda de diálogo com as regiões e comunidades, para levantar reais necessidades e garantir a qualidade do gasto – defende.
O gestor da Força Tarefa Cidadã, ligada à Rede de Controle de Gestão Pública, Ney da Nóbrega Ribas, concorda que a emenda em si pode ser positiva para as localidades, por representar a destinação de recurso previsto no orçamento. No entanto, ele afirma que é preciso que os municípios ou quem receba os valores façam a transparência efetiva, disponibilizando documentos e dando publicidade aos gastos na finalidade prevista.
– A emenda em si é um benefício para a cidade. O que precisamos aperfeiçoar é o sistema de transparência de como o dinheiro está sendo gasto e, principalmente, se o objeto do processo está sendo executado – sustenta.
Valores para SC não incluem “orçamento secreto”

Os valores empenhados e pagos para emendas parlamentares de Santa Catarina não incluem um instrumento que vem causando polêmica nos últimos meses: as emendas de relator. Também chamadas de “orçamento secreto”, elas foram recriadas em 2019 e consistem em um alto valor disponível para que o relator do Orçamento no Congresso faça indicações de gastos pelo governo.
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Ao contrário das emendas individuais ou de bancada, no entanto, as emendas de relator têm a divulgação dos nomes dos parlamentares que solicitam os recursos mencionada apenas em ofícios e documentos trocados diretamente entre os deputados e ministérios, o que gerou a expressão “orçamento secreto” ou “orçamento paralelo”.
Em maio, reportagem do jornal O Estado de S. Paulo mostrou que esse instrumento havia sido usado para liberar até R$ 3 bilhões para deputados e senadores aliados do governo Bolsonaro. Parte dos valores teria sido usada para comprar tratores e equipamentos agrícolas com valores supostamente acima do normal, o que fez com que o caso ficasse conhecido também como “tratoraço”.
No painel Siga Brasil e no Portal da Transparência, são apontados os valores destinados a emendas do relator (R$ 7,5 bilhões já empenhados em 2021), mas a localidade dos gastos é descrita na maior parte dos valores apenas como “nacional”. Menos de 2% dos valores pagos têm estados indicados no campo localidade, e em nenhum deles aparece Santa Catarina. A autoria também é descrita apenas como “relator geral”.
Por prejudicarem a transparência sobre quais parlamentares tiveram acesso a recursos de emendas e também por inflarem a participação do Legislativo no chamado orçamento discricionário — aquele que o governo consegue escolher onde aplicar —, as emendas do relator vêm recebendo críticas de especialistas nos últimos meses.
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O diretor-executivo da ONG Contas Abertas, Gil Castello Branco, afirma que as emendas do relator são as grandes responsáveis pela elevação dos valores repassados a pedidos parlamentares desde 2020.
Segundo ele, como as emendas individuais e de bancada se tornaram obrigatórias, o uso desse instrumento como troca de apoio em votações pelo governo ficou prejudicado. Parlamentares da oposição passaram a receber o mesmo que os de situação. Com isso, os pedidos do relator ganharam volumes maiores desde 2019 – com foco em aliados.
– As emendas do relator são um bilionário instrumento de barganha. Ninguém sabe quais parlamentares são comtemplados. O critério é meramente político, com anuência do Executivo – critica.
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Como funcionam as emendas parlamentares
Todos os anos, o governo federal precisa elaborar o orçamento do ano seguinte, que deve ser aprovado pelo Congresso. Aos deputados federais e senadores é reservada a possibilidade de fazer sugestões ao Orçamento, com envio de recursos para obras ou ações que considerem importantes – normalmente, em seus estados ou bases eleitorais. Essas indicações são feitas por meio das chamadas emendas parlamentares.
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Até 2015, as emendas eram apresentadas pelos parlamentares, mas o governo não tinha obrigação de acatá-las. A partir daquele ano, foi aprovada a chamada PEC do Orçamento Impositivo, que tornou obrigatório o pagamento de um limite mínimo das emendas parlamentares – 1,2% da receita corrente líquida do ano seguinte.
Com isso, atualmente, cada deputado ou senador tem uma cota de cerca de R$ 16 milhões para apresentar anualmente ao orçamento. Metade desse valor precisa ser destinada à saúde – uma forma de tentar garantir aplicação dos recursos em áreas importantes.
Além das emendas individuais oferecidas aos parlamentares, há as chamadas emendas de bancada, que têm valores maiores e atendem a pedidos coletivos de todos os parlamentares de um determinado estado. Em 2019, o pagamento dessas emendas de bancada também se tornou obrigatório.
O pagamento obrigatório das emendas tem diminuído o potencial de uso desses valores como barganha política em votações no Congresso, mas o governo ainda consegue controlar o ritmo em que os recursos das emendas são liberados.
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Outra mudança recente foi a criação das “transferências especiais”, também em 2019. A medida permite a destinação de recursos por meio de emendas parlamentares para estados ou municípios sem uma finalidade específica, como o uso em saúde ou educação.
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