O número de transplantes de órgãos caiu em Santa Catarina nos oito primeiros meses de 2020, impactado pela pandemia do novo coronavírus. De janeiro a agosto deste ano, o Estado teve queda de 7,58% no número de transplantes de órgãos. Foram 264 procedimentos feitos nesse período, contra 244 nos mesmos meses de 2019.
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O número contabiliza os transplantes de órgãos como rim, fígado e coração, mas não considera tecidos e córneas, que durante o pico da pandemia foram proibidos no país – apenas casos de urgência puderam ser levados à cirurgia. Quando somados todos os transplantes, a queda foi de 33% – foram 624 procedimentos feitos até agosto de 2020, contra 931 registrados nos mesmos meses de 2019.
Os transplantes de córneas, os mais efetuados em SC e que no ano passado responderam pelo dobro de procedimentos do que os rins, segundo órgão com maior número de cirurgias, foram os mais impactados pelos efeitos da pandemia. O motivo foi justamente a proibição dos transplantes eletivos – aqueles em que o paciente pode aguardar pelo procedimento. Se no transplante de coração o paciente corre risco de morte enquanto espera pelo procedimento, na córnea, a principal consequência são problemas na visão, que poderiam esperar um momento mais seguro para a cirurgia.
A fila de espera pela córnea em SC passou de 114 em agosto de 2019 para 255 em agosto deste ano. Nos outros órgãos, a lista de pessoas que aguardam por transplante teve poucas variações na comparação entre agosto de 2019 e de 2020.
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No último dia 18, o Ministério da Saúde autorizou a retomada das captações de córneas para transplantes de pacientes eletivos. Com isso, a expectativa é que o retorno desses procedimentos permita reduzir a fila represada nos primeiros meses da pandemia.
Quando analisados os dados sem os transplantes de tecidos e córneas, a redução em SC é menor. Em alguns procedimentos, como transplantes de rim com doador falecido, chegou a superar o mesmo período de 2019.
Nesta semana, o Ministério da Saúde lançou uma campanha para estimular a doação de órgãos no país em virtude da redução de transplantes ocasionada pela covid-19.
Transplantes por tipo de órgão em SCPandemia impôs dificuldades para transplantes
A queda no número de transplantes em SC é reflexo das dificuldades impostas durante a pandemia do novo coronavírus. O médico Joel de Andrade, coordenador da SC Transplantes, lembra que as doações de pacientes mortos após traumas e acidentes foram reduzidas ao mínimo por causa da menor movimentação durante a quarentena.
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Além disso, pacientes com covid-19 ou qualquer síndrome respiratória aguda grave, mesmo sem diagnóstico positivo para o vírus, eram descartados na análise para doação. Os doadores só eram aceitos se estivessem em leito de UTI isolado e com equipe médica dedicada – que não atendesse outras alas com pacientes positivos para coronavírus.
Apesar dos cuidados, quando um número maior de pacientes com covid-19 começou a ocupar os hospitais, muitas unidades precisaram focar a atuação no atendimento desses casos e interromperam os transplantes.
– A primeira parte, que era a doação de órgãos, nós conseguimos manter, mas a segunda foi comprometida porque hospitais precisaram parar de transplantar com o aumento de casos de covid-19 – conta Andrade.
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Doações de órgãos mantiveram mesmo patamar
De fato, o número de doações de órgãos foi o indicador que se manteve mais estável durante a pandemia. No primeiro semestre, chegou a superar os seis primeiros meses de 2019, com 145 doações, contra 137. Em julho e agosto, meses em que a pandemia chegou ao período mais crítico em Santa Catarina, o número teve leve diminuição, mas fechou agosto com apenas quatro doações a menos que em oito meses de 2019.
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Parte dos órgãos doados por pacientes catarinenses foi captada e enviada a outros Estados nos períodos em que os hospitais catarinenses não podiam efetuar transplantes por estarem focados nos casos crescentes de covid-19.
O patamar de doações foi mantido mesmo em um momento em que o contato com as famílias para que elas autorizassem a doação precisava ocorrer muitas vezes por videochamada, por conta do isolamento social necessário para prevenir a covid-19. Em 2019, Santa Catarina havia sido destaque no país ao retomar a liderança no ranking nacional de doação de órgãos.
– Tenho orgulho enorme dos coordenadores porque eles encararam isso. As equipes foram ao hospital fazer transplante no meio da pandemia, alguns ficaram doentes. É um orgulho imenso. Provavelmente estamos caminhando para nos mantermos na liderança nacional no meio de crise sem precedentes – avalia Andrade.
Hospitais precisaram interromper transplantes
Cidades como Joinville e Blumenau precisaram parar de efetuar transplantes quando os casos de covid-19 aumentaram entre os pacientes internados. Foi o caso do Hospital São José, de Joinville. Em meados de julho, no auge da pandemia, diante do hospital lotado com vagas de UTI ocupadas por pacientes com covid e casos confirmados na própria equipe de saúde, a unidade decidiu interromper os transplantes de rim.
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– Com todo esse contexto, chegou o momento em que, como o transplante renal é, de certa forma, “eletivo” porque o paciente pode continuar na diálise, nesse momento julgamos que o risco era muito maior do que o benefício que poderíamos dar a eles com o transplante – lembra a coordenadora do serviço de Transplantes do Hospital São José e da Fundação Pró-Rim, de Joinville, Luciane Deboni.
Com a redução recente de casos de covid-19 em SC, o hospital retomou os transplantes no início de setembro, mas ainda abaixo da média que costumava fazer antes da pandemia.
Criciúma aumentou número de procedimentos
Se em algumas regiões os transplantes pararam no pior momento da pandemia, em outras houve aumento no número de procedimentos. O Hospital São José de Criciúma, no Sul do Estado, faz transplantes renais há apenas nove meses, mas manteve uma equipe e uma ala exclusivos para transplantes e conseguiu manter os procedimentos mesmo no pico da covid-19, justamente no período que outros hospitais precisaram determinar um hiato nas cirurgias.
– O hospital conseguiu manter uma estrutura física, de pessoal e de laboratório que nos permitiu manter serviço e dar um salto, conseguindo um número expressivo em julho e agosto – conta a médica nefrologista Cassiana Mazon Fraga, responsável pelo serviço de transplante do Hospital São José de Criciúma.
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Moradora do Sul de SC fez transplante na pandemia
Foi no hospital de Criciúma que Vanderleia Gomes, 53 anos, foi chamada no final de junho para um transplante de rim. Ela é moradora de Pedras Grandes, no Sul do Estado, e estava há um ano e meio precisando das sessões de hemodiálise para suprir a deficiência causada por um problema renal.
Ela conta que a equipe do hospital teve muito cuidado de mantê-la isolada, com contato apenas com o médico e a enfermeira. A cirurgia ocorreu exatamente em um momento que Santa Catarina registrava um momento crítico com alta de casos de covid-19.
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– Dava medo por causa do número de casos que a gente via, mas a vontade de ficar bem é maior – afirma a cabeleireira.
Vanderleia celebra dois meses de transplante já com melhora na saúde e disposição para alguns serviços leves em casa.
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– O primeiro mês foi complicado, mas agora estou me sentindo bem. Parece que a cada dia que passa, a gente fica mais forte. Só estou cuidando para não dar rejeição e tenho um pouco de medo (da covid) por causa da imunidade, mas estou na casa da minha mãe e me cuidando muito – conta.
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