Santa Catarina voltou a estar na rota de grandes eventos culturais em 2022. Ícones como a banda norte-americana Guns N’Roses, Emicida, Caetano Veloso, Jorge Ben Jor e Donavon Frankenreiter passaram pelos palcos catarinenses e levaram milhares de fãs ao delírio. Essa retomada cultural acontece após cerca de dois anos de pandemia e permitiu ao público matar a saudade de “viver ao vivo”. A realização de shows adiados em 2020 e 2021 neste ano ajuda a explicar a sensação de “boom” cultural no Estado.

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— Santa Catarina está em uma explosão de eventos incríveis — resume Silvio Sato, 52 anos, professor de biologia em Florianópolis e apreciador de shows e programações culturais.

Sem dúvida, o destaque do ano foi o show do Guns, que reuniu 30 mil pessoas — público que não era visto em Florianópolis desde 2014, quando foi realizada a última edição do Planeta Atlântida em SC. Na época, o festival recebeu cerca de 40 mil pessoas. Já a apresentação de Bonnie Tyler foi um dos casos de evento adiado — era para ter sido realizado em 2020.

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Alguns festivais no Estado estão em alta, como Saravá (que em janeiro traz Gilberto Gil a Florianópolis) e Arvo, que teve atrações como Alceu Valença, Leci Brandão, Marina Sena e Gilsons. O surgimento do Festival Floripa Eco também foi um reflexo deste momento cultural, reunindo 20 mil pessoas.

Além disso, as grandes casas de festas do Estado, localizadas na Capital catarinense, costumam reunir mais de uma grande atração por noite — como foi o caso de Péricles e Thiaguinho, e Nando Reis dividindo palco com Paula Toller. O Hard Rock Live Florianópolis foi o local que abrigou o grande espetáculo da banda norte-americana e costuma receber nomes importantes da música. Neste ano, foram cerca de 26 shows no local e já há agenda para 2023. A Stage Music Park, com casas em Florianópolis e Balneário Camboriú, também reúne artistas de todo Brasil. O fim de ano terá intensa programação musical e o acumulado de 2022 soma trinta shows em cada sede da empresa.

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floripa eco festival
O Floripa Eco Festival ocorreu em setembro e reuniu 20 mil pessoas em Florianópolis (Foto: Caio Graça)
Show lendário de Guns N’ Roses aconteceu em setembro no Hard Rock Live Florianópolis (Foto: Divulgação)
dazaranha 30 anos
A banda catarinense Dazaranha celebrou 30 anos em outubro com show gratuito em Florianópolis (Foto: Toia Oliveira / Divulgação)
Folianópolis
A tradicional micareta do Folianópolis reuniu mais de 15 mil pessoas em novembro (Foto: Divulgação)
Orquestra de Baterias
A Orquestra de Baterias fez apresentação gratuita no Largo da Alfândega, Florianópolis, com 500 músicos em setembro (Foto: Toia Oliveira / Divulgação)
Caetano Veloso fez duas sessões de shows na Stage Music Park, Florianópolis, em novembro (Foto: Leo Coelho / NSC Total)

O que explica o boom na programação de SC

O período de alta na programação cultural surpreende até mesmo quem trabalha no setor. No entanto, é possível ter um tom mais realista do futuro considerando as consequências da desestruturação do setor, causada pela pandemia de coronavírus.

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Com a necessidade de isolamento, milhares de eventos foram cancelados, prejudicando a cadeia de serviços que sustenta a cultura e o entretenimento. Para Cristina Gadotti, gerente de articulação, difusão e promoção da Cultura da Fundação Catarinense de Cultura (FCC), a retomada no setor se compara a algo que não acontecia há oito anos no Estado.

— Teve um período até 2014 que foi um fervo, depois foram anos difíceis. Estava acontecendo em menor escala, não tinha tanto recurso, tinha menor verba para a cultura. Em 2018, o desmantelamento do Ministério da Cultura, que virou uma secretaria, foi determinante para uma queda — comenta Gadotti.

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Porém, Doreni Caramori, presidente da Associação Brasileira dos Promotores de Eventos (ABRAPE) e sócio fundador do Grupo All, um dos principais do setor em Santa Catarina, comenta que este momento tem a ver com o pós-pandemia.

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— Santa Catarina compõe o canário do entretenimento no Brasil. Há uma euforia no pós-pandemia, a movimentação econômica do setor cresceu […] As pessoas querem viver ao vivo, ir nos eventos, confraternizar […] Do ponto de vista da demanda de eventos é positivo, mas a pandemia desestruturou a cadeia produtiva, as passagens aéreas, hotéis, itens de fornecimento estão mais caros — afirma Caramori.

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A produtora cultural Eveline Orth, diretora da Orth Produções e no ramo há 25 anos, concorda com o empresário sobre a “efervescência cultural” e reforça a questão das demandas reprimidas.

— Eu fiz, mais ou menos, dez eventos que eram de 2020 [como o show da Bonnie Tyler]. Então, o volume que temos não é volume real da economia. É importante ressaltar que alguns desses eventos tiveram ingressos já vendidos num volume significativo, de um valor que ficou defasado para 2022. Não dá para se ter uma falsa impressão de mega faturamento — comenta Orth.

A produtora cultural avalia que o ingresso reflete a grande estrutura de produção por trás de um artista no palco. Com envolvimento direto, segundo Orth, há pelo menos 40 pessoas. Elas estão na técnica, portaria, van, camarim, hospedagem, mídia, passagem aérea, entre outros. A especialista ainda afirma que é possível dizer que a “retomada da geração de emprego no Brasil está muito ligada ao retorno do setor de eventos”.

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Cultura impulsiona a economia

Um estudo realizado pela Fundação Getulio Vargas (FGV), uma das principais entidades econômicas do país, revela que a relação que a produtora cultural aponta pode ser comprovada. Isso porque o setor de economia criativa, em que a cultura está inserida, corresponde a 2,64% do Produto Interno Bruto (PIB) e é responsável por 4,9 milhões de postos de trabalho. Segundo Caramori, presidente da ABRAPE, a cultura em Santa Catarina acompanha a média nacional e representa de 4 a 5 % do PIB da economia.

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Vale ressaltar que a geração de empregos que a cultura promove vai além do setor privado. Dentro do aspecto público, editais de incentivo à cultura financiam muitos projetos por meio de verbas federais, estaduais e também municipais. Isso porque o acesso à cultura é direito de todos cidadãos brasileiros, garantido no artigo 215 da Constituição Federal de 1988.

Uma das principais leis federais que garante esse direito público, a Lei Rouanet, instituiu o Programa Nacional de Apoio à Cultura (Pronac) em 1991, no governo de Fernando Collor. De maneira simplificada, o objetivo é captar recursos de pessoas físicas e jurídicas para incentivar e promover a cultura para toda população brasileira.

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Cada Estado do país também pode possuir seus próprios projetos para arrecadas verba ao setor, como é o caso do Rio Grande do Sul, que instituiu, em 2010, o Sistema Estadual Unificado de Apoio e Fomento às Atividades Culturais (PRÓCULTURA), da qual faz parte a LIC – Lei de Incentivo à Cultura.

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Já em Santa Catarina, esse plano cultural foi criado apenas em 2020, com o Programa de Incentivo à Cultura (2020), durante o governo de Carlos Moisés. Nele, os impostos que contribuintes pagariam pelo ICMS podem ser destinados à cultura. A entidade que determina quais artistas e produtoras culturais podem receber essas verbas é a Fundação Catarinense de Cultura (FCC).

O incentivo público à Cultura

O presidente da atual gestão da FCC, Edson Lemos, explica que o PIC era “o grande pedido do setor cultural” e que “há quatro anos não saía do papel”. Segundo Lemos, o projeto é “um dos carros chefes da cultura no Estado” e destina R$ 65 milhões para o setor.

Através deste projeto, o Programa de Integração e Descentralização da Cultura (IDC) foi criado, tanto pela solicitação dos municípios, quanto dos produtores culturais. O objetivo do IDC é levar apresentações artísticas para todas regiões do Estado e fazer com que elas não sejam tão concentradas em Florianópolis, onde ficam a maioria dos teatros e espaços públicos que a FCC administra.

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Edson Lemos comenta que o IDC tem investimento de R$ 6 milhões do Estado e parceria com os municípios para definir os locais de apresentação.

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— Até agora são 600 apresentações da área da música, dança, teatro, circo acontecendo até o final de dezembro. Já aconteceram 360 apresentações. Foi feito uma seleção, onde 60 grupos foram contemplados por chamamento público. Cada grupo faz 10 apresentações com roteiro pré-estabelecido pela FCC. Todos eventos são gratuitos e contemplam todas regiões do estado — explica Lemos.

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Um dos projetos que está em vigor atualmente é o de levar a Camerata Florianópolis para vários municípios catarinense. Laguna, Anitápolis, Pinhalzinho e Concórdia foram algumas das cidades em que a orquestra já tocou, além de dez escolas públicas. Lemos comenta feliz o resultado da ação: “O prefeito de Pinhalzinho me ligou emocionado para agradecer”.

Além disso, o PIC proporciona bolsas de estudos no Teatro Carlos Gomes, em Blumenau. A instituição oferece escolas de música, dança e teatro, em que os alunos, na maioria, não pagam para participar das atividades. Espetáculos gratuitos também são financiados para aproximar o público da arte. O presidente da instituição, Ricardo Stodieck, reitera como é importante essas ações públicas.

— Cumprimos o nosso papel de casa de cultura, que é na formação de alunos e também de público — revela.

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Quando se trata da formação de artistas com o auxílio de verba pública, o caso mais renomada em Santa Catarina é a Escola Bolshoi Brasil, em Joinville. O diretor da entidade, Pavel Casarian, reforça que recebem verbas estaduais e federais e como elas são importantes.

— Em diversos momentos contamos com incentivo do Estado e federal para poder democratizar a cultura. Aqui no Bolshoi 100% dos alunos são bolsistas, a gente possibilita acesso a todas as classes sociais para seguirem carreira na dança, 70% depois trabalha na categoria e, por serem de famílias menos favorecidas, geralmente ajuda no futuro — comenta Casarian.

Todo ano, as audições da escola atraem bailarinos de vários estados do Brasil para tentarem uma vaga. Entre os 8 e 11 anos as crianças não precisam ter conhecimento em dança para a seleção geral, há também a “chamada especial” para bailarinos já experientes.

Com reconhecimento internacional, a companhia russa consegue realizar várias apresentações através da verba de editais públicos. Neste ano, segundo Casarian, o grupo realizou 100 espetáculos gratuitos em diversas regiões do Estado e afirma que as pessoas estão bastante “interessadas”.

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— O público está com saudades de ir para o teatro, “viver” e a arte faz parte disso — completa o diretor do Bolshoi Brasil.

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A produtora cultural Eveline Orth reitera a importância do fomento público de companhias de “relevância nacional e internacional”, como Deborah Kopper, Cena 11 e o próprio Bolshoi: “não se sustentam só de bilheteria”. Outro lado disso também é que a verba pública garante a existência e manutenção dos museus, teatros e espaços federais e estaduais.

Apresentações de teatro, dança, música e cinema gratuitos em locais como o Centro Integrado de Cultura (CIC), em Florianópolis, são importantes feitos para garantir a democratização da cultura.

A Fundação Catarinense de Cultura, a pedido da reportagem, contabilizou em números quantas atrações culturais passaram em todos seus museus, teatros, bibliotecas e outros espaços públicos neste ano. Nesses locais, algumas atrações foram gratuitas e outras privadas. Para fins de comparação, a FCC também disponibilizou os números de 2019, do mesmo período analisado.

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Perceptivelmente, a recuperação ainda está acontecendo e, segundo o presidente do Teatro Carlos Gomes, “o final de ano voltou ao patamar de antes da pandemia”. Ele também destaca que o último trimestre está “muito bom” e acrescenta que, mesmo sem “fechar o mesmo patamar” de 2019, as apresentações tem sido com “casa cheia”.

Perspectivas para 2023 na Cultura

Em avaliação do momento cultural que Santa Catarina vive atualmente, o diretor artístico do Instituto Juarez Machado, de Joinville, Edson Machado, comenta que acredita estar vivendo uma “transição para momentos melhores”.

— O movimento cultural de SC passa por ciclos bem significativos. Já tivemos a época “dourada”, nos anos 1970, que foi muito atuante, e o crescimento no inicio de 2000. Já passamos por crises culturais bastante fortes e essa transição [de agora] nos leva a uma perspectiva positiva — afirma Machado.

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Ele também sinaliza uma preocupação relevante diante do novo governo: “incógnita”. A produtora cultural Evelien Orth compartilha da preocupação de Machado com os próximos governos federais e estaduais: “será necessário observar as políticas públicas e econômicas do ano que vem”. Isso porque a manutenção dos editais e programas com verba pública para incentivar a cultura estão nas mãos dos governantes.

Orth alerta para a reestruturação da principal lei de incentivo à cultura, a Lei Rouanet. A partir de 2019, no governo de Jair Bolsonaro, o teto de projetos, que era de R$ 60 milhões, foi reduzindo e chegou, neste ano, a R$ 500 mil. O prazo para captação de recursos também diminuiu de 36 para 24 meses – inicialmente, o prazo é de 12 meses, mas pode ter prorrogações. No mesmo governo, o Ministério da Cultura foi desmontado e virou secretaria – há uma grande expectativa para que o próximo governo federal retorne com o ministério, pois aumenta a verba destinada ao setor.

No entanto, a produtora cultural vê com outros olhos a atuação do governo estadual atual diante da mesma pasta.

— Em Santa Catarina houve avanço muito grande no atual governo estadual. Fico com a esperança de que se mantenha a evolução nas políticas culturais do nosso estado — comenta sobre a criação do PIC.

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Já na lei municipal, Orth cita a Capital catarinense e afirma que é necessário uma “reformatação para ser mais ágil na captação de recursos” e também “aumentar o teto de premiações”.

O presidente da Abrape, Doreni Caramori, também defende a melhora das captações de recursos públicos. Para ele, o PIC, criado em 2020, “ainda não está bem regulamentado como a LIC no RS”, que foi criada em 2010. Ele também comenta que há uma “carência de locais” para realizar os eventos: “Os centros de convenções são pequenos e não há teatro de grande porte”. Porém, ele reafirma um diferencial do Estado.

— Santa Catarina está na rota dos grandes eventos seja por logística, seja por atratividade de turismo. O Estado é pequeno, as atrações deveriam ser proporcionais, mas são maiores porque temos os turistas. Recebemos mais turistas que os estados vizinhos, temos equipamentos compatíveis e até melhores que os vizinhos — reflete Caramori.

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Orth corrobora com a ideia e diz que as possibilidades foram “expandidas” com a inauguração do Hard Rock Live Florianópolis, em 2020, devido à “estrutura” que o local oferece. Assim que o local abriu, precisou ser fechado por conta da pandemia, porém, neste ano, retornou em grande estilo abrigando em seu estacionamento o show do Guns N’ Roses, que foi o de maior porte dos últimos anos do Estado.

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A gerente de marketing do Hard Rock, Mariane Petry, afirma que esse acontecimento foi “um divisor de águas”.

— Trazer uma banda com estrutura tão grande, abriu portas, principalmente com outros empresários de entretenimento internacional. Fomos procurados por outras empresas, cotados para outros shows internacionais, foi um super sucesso — afirma Petry.

Ela ainda deixa o “spoiler” de que existe a possibilidade de outras grandes atrações internacionais passarem pela Capital catarinense: “É questão de tempo”.

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Para essa expansão, Orth sugere a “melhora nas estradas e acessos aos aeroportos” e afirma que não há como “desvincular o setor privado do público”. Nesse sentido, o presidente da FCC, Edson Lemos, acredita que é “necessário investir na manutenção [dos espaços públicos] para receber mais pessoas”. Ele também comenta, empolgado, que o CIC “virou shopping” e que muitas pessoas têm passado pelo local. O presidente do Teatro Álvaro de Carvalho compartilha da empolgação e diz estar “otimista com o próximo ano”.

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Do ponto de vista econômico, o presidente da Abrape afirma que os números de apresentações culturais “tendem a estabilizar e a demanda desaquecer”, mas que, em contrapartida, os custos para realizar os espetáculos devem baixar.

Para além do próximo ano, o diretor do Instituto Juarez Machado acredita que a perspectiva da cultura para o futuro vai adiante: “A cultura é o alimento espiritual das próximas gerações”.

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