Os registros frequentes das Unidades de Terapia Intensiva (UTIs) à beira de um colapso em Santa Catarina revelam um déficit histórico de vagas nos hospitais públicos do Estado, conforme avaliam especialistas ouvidos pelo NSC Total. Nesta segunda-feira (29), o Estado registrou apenas quatro UTIs adultas disponíveis em todas as regiões, número que representa uma média de uma leito de terapia intensiva para cada 1,3 milhão de pessoas — ou seja, em uma comparação prática, em três Florianópolis inteiras (Capital possui cerca de 399,6 mil habitantes adultos) apenas um morador conseguiria alguma vaga de UTI em todo o território catarinense nesta data.

Continua depois da publicidade

Receba as principais notícias de Santa Catarina pelo Whatsapp

O número total de leitos adultos nas Unidades de Terapia Intensiva em todas as regiões do Estado é de 827, o que corresponde a uma vaga para cada 6.530 pessoas necessitadas. Segundo as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS), a relação ideal de leitos de UTIs é de um a três para cada 10 mil habitantes, a depender do tamanho da federação, o que coloca Santa Catarina abaixo do esperado e distante do sistema de saúde ideal.

— Santa Catarina tem uma defasagem histórica de vagas de UTIs, e a situação é ainda mais grave na pediatria. Faz muito tempo que temos essa deficiência, a gente sabe que UTI é complicado, e nem sempre tem vaga — diz Sandro Torres de Freitas, professor de Saúde Pública da UFSC.

Conforme explica, durante a pandemia, o número de leitos, por exemplo, foi aumentado, principalmente, com convênios de hospitais particulares. No entanto, essas vagas acabam sendo desativadas em cidades onde a UTI não é frequentemente utilizada, por ser economicamente “inviável manter a unidade”. Para manter uma UTI disponível, o Estado precisa ter ao menos quatro equipes completas funcionando em regime de 12/36 horas.

Continua depois da publicidade

Por que SC voltou a ter UTIs lotadas um ano após abertura emergencial de leitos

O baixo número de leitos para pacientes graves somado ao crescimento desenfreado da população estão entre as motivações da ocupação máxima dos hospitais, conforme complementa Fernando Hellmann, também professor de Saúde Pública da UFSC. Santa Catarina está entre os três estados que mais registraram crescimento populacional nos últimos 10 anos, segundo o Censo 2022 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A crescente, porém, não foi acompanhada do aumento no número de leitos de UTIs, o que amplifica o déficit de vagas. 

Tudo isso aliado ainda, conforme continua Hellmann, à falta de atenção ao sistema básico de saúde, o que poderia impedir agravamentos de casos e, consequentemente, a lotação de hospitais.

—  Que se aumente a atenção básica e que se dê condições de trabalho aos profissionais do SUS que atendem nos postos de saúde para que se previna de que as pessoas precisem de internação em leitos de UTI. É fato que o aumento populacional, mesmo com o aumento da atenção básica, também requer que tenhamos novos leitos de UTI — diz.

Situação poderia ter sido prevista

De acordo com Fernando Hellmann, a situação atual poderia ter sido prevista devido à baixa cobertura vacinal registrada no Estado, além da sazonalidade de algumas doenças, principalmente as respiratórias. 

Continua depois da publicidade

— Não apenas era previsto [o aumento no número de casos das doenças e, consequentemente, a ocupação dos hospitais] com a chegada do inverno como já era para ter sido previsto por conta das baixas coberturas vacinais contra a gripe. Em Santa Catarina temos uma cobertura vacinal de menos de 30%, conforme dados da própria Diretoria de Vigilância Epidemiológica, quando a meta era de 90%. Logo, era sabido que os casos de internações por doenças respiratórias iriam aumentar dado a baixa da cobertura vacinal — explica. 

Segundo o professor da UFSC Sandro Torres de Freitas, Santa Catarina precisaria de ao menos 1,5 mil UTIs disponíveis para estar em um cenário “confortável” no sistema de saúde, número quase o dobro do atual.

— Como aumentar leitos de UTIs em curto prazo? A gente precisa de recurso financeiro, equipamentos, o que durante a pandemia mostrou-se que não era um problema porque a indústria tem oferta para alta demanda. [Além disso] tem que ter equipes disponíveis e dispostas a trabalhar no sistema de UTIs. E isso pode ser o mais complexo, porque também não temos tantos intensivistas. Por conta da pandemia, todos os profissionais foram contratados e estão empregados — diz. 

Para os especialistas, o ideal seria melhorar a capacidade de diagnóstico básico para que protocolem e evitem a evolução da doença, enquanto aberturas de novas UTIs é planejada.

Continua depois da publicidade

—  Sobretudo aumentar os leitos de UTI em hospitais públicos, tanto de adultos quanto infantil. Individualmente cada um pode colaborar indo nos postos de saúde para manter o calendário vacinal em dia e evitar que doenças previsíveis com a imunização aumente a ocupação dos leitos — complementa Hellmann.

UTIs pediátricas

Nesta segunda, Santa Catarina registrou apenas dois leitos de UTIs disponíveis para crianças na rede pública de saúde. Há três dias, na última sexta-feira (26), o Estado não tinha leitos de UTIs disponíveis para os pequenos, e um paciente aguardava por vaga. Ao todo, são 120 leitos pediátricos disponíveis.

SC já esteve à beira de um colapso há um ano

Entre maio e julho de 2022, as alas infantis do sistema público de saúde também conviveram com 100% de lotação. Naquela ocasião, em que uma criança morreu à espera de uma vaga na UTI, a gestão de Moisés decretou situação de emergência, o que viabilizou a abertura de 114 novos leitos hospitalares no Estado.

Conforme o chefe do departamento de saúde pública da UFSC, Rodrigo Moretti, a alta das doenças respiratórias já é esperada para essa época de cada ano, e que essa não é a única razão para a crise das UTIs. O problema é, portanto, contínuo e só fica mais evidente quando há maior pressão sobre a rede hospitalar, o que ocorre agora por mais uma vez, explica.

Continua depois da publicidade

O que diz o Estado

Conforme a Secretaria do Estado da Saúde, o alto número de casos e a ocupação do sistema de saúde é causado por aumento de bronquiolite, asma e pneumonia, doenças com maior registro nas últimas semanas. Diante da ocupação, a pasta pretende abrir nas próximas semanas novos 120 leitos adultos no Estado, a maioria no Vale do Itajaí. Na noite desta segunda, o governador Jorginho Mello assinou a abertura de 46 unidades em Brusque.

Governo confirma contratação de leitos de UTIs privados em cinco cidades de SC

Outros 77 leitos devem ser abertos em outras regiões nos próximos dias, conforme anunciou o governador.

  • 30 leitos no Hospital Marieta Konder Bornhausen, em Itajaí – 20 Adultos e 10 neonatais;
  • 2 leitos no Hospital Santa Catarina, em Blumenau – 2 neonatais;
  • 8 leitos Hospital Regional Araranguá – 8 neonatais;
  • 10 leitos no Hospital Dom Joaquim, em Sombrio – 5 infantis e 5 neonatais;
  • 5 leitos no Hospital Tereza Ramos em Lages – 5 neonatais;
  • 10 leitos no Hospital Regional Homero de Miranda Gomes, em São José – 10 neonatais (3 leitos abertos e mais 7 com abertura programada);
  • 4 leitos no Hospital São Vicente, em Mafra – 4 Adultos;
  • 8 leitos no Hospital Maicé, em Caçador – 8 adultos.

Leia também

Após 34 anos sem casos de poliomielite, baixo índice de vacinação, alerta governo

Criança que morreu à espera de UTI em SC ficou dois dias na fila, diz mãe: “Desesperador”

Continua depois da publicidade