Santa Catarina tinha 1.717 crianças e adolescentes de 5 a 17 anos de idade sendo submetidos a trabalho doméstico em 2019, conforme revelou nesta quarta-feira (5) um estudo publicado pelo Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil (FNPETI). A atividade doméstica é proibida para menores no Brasil e também reconhecida internacionalmente como uma das piores formas de trabalho infantil.
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O número foi estimado a partir de dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua Anual (PnadC), conduzida pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) para investigar características sociodemográficas da população. O panorama mais recente é este recém-revelado pelo FNPETI, de três anos atrás.
A estimativa leva em conta apenas os casos em que os menores seriam submetidos às atividades fora de sua própria residência. Eles envolvem a submissão a jornadas exaustivas de trabalho doméstico em troca de pouca ou nenhuma remuneração e impõem riscos à saúde e ao desenvolvimento das vítimas, expostas a lesões por esforço repetitivo, queimaduras e acidentes com produtos químicos e facas.
O trabalho infantil doméstico é, portanto, diferente de propor tarefas domésticas educativas, o que promove a colaboração, mas não responsabiliza nem pune a criança.
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Ele ainda pode submeter crianças a violências físicas, psicológicas e sexuais. Por conta disso, ele aparece na lista de piores formas de trabalho infantil da Organização Internacional do Trabalho (OIT), reconhecida também no Brasil por meio do decreto 6.481/2008, ainda que ocorra no próprio domicílio da vítima.
“O trabalho infantil doméstico, mesmo quando realizado nos próprios lares, viola direitos de crianças e adolescentes à vida, à saúde, à educação, ao lazer e ao brincar, pelas condições em que ele é executado”, aponta o estudo do FNPETI.
Anos anteriores e perfil das vítimas
A pesquisa ainda traz dados catarinenses dos três anos anteriores a 2019. O pior cenário no período foi o de 2017, com 5.080 casos. Desde então, os números têm caído no estado e também no país. Há três anos, o Brasil tinha 83.624 vítimas submetidas a trabalho infantil doméstico — Santa Catarina representava, portanto, 2,1% do total.
Em relação à região Sul, com 10.546 crianças e adolescentes nesta condição em 2019, Santa Catarina correspondia a 16,3% disso. O Paraná tinha a situação mais grave, com 5.796 casos, seguido pelo Rio Grande do Sul, com 3.032. Na comparação entre todas as regiões, o Nordeste tinha a pior situação (26.394), com destaque para a Bahia (13.679).
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Na região Sul, assim como no restante do país, as vítimas mais comuns em 2019 eram meninas (90,2%), negras (50,7%) e com idades entre 16 e 17 anos (70,6%).
Ainda na região em que Santa Catarina está inserida, havia uma maioria de casos em áreas urbanas (91,5%), de trabalhadoras infantis domésticas que frequentavam a escola (100%) e eram remuneradas (97,7%), em média, com R$ 3,42 por hora de atividade — elas ainda cumpriam, também em média, 22,7 horas de trabalho por semana.
A maioria delas vinha de famílias chefiadas por adultos sem instrução ou com apenas ensino fundamental (73,1%) e também com pouco acesso a benefícios sociais — é o caso do extinto Bolsa Família, que não chegava a 85,6% das vítimas no Sul.
Também na região, o mais comum é que os menores trabalhassem como cuidadores de crianças (64,7%). Era frequenta também que estivessem dedicados a serviços domésticos (24,8%) e cuidados pessoais com os empregadores (3,1%).
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Como combater o trabalho infantil
Apesar da falta de dados mais recentes no estudo do FNPETI, o especialista no tema e professor de direito André Viana Custódio diz que é possível afirmar que o perfil das vítimas se mantém o mesmo, com base em diagnósticos de municípios.
Ele acrescenta ainda que o cenário de trabalho infantil doméstico foi agravado pela pandemia de Covid-19, que acirrou desigualdades econômicas, uma das grandes causas do fenômeno, já que famílias sob vulnerabilidade encontram nas atividades de filhos um complemento de renda, embora isso não suprima a própria condição de pobreza.
Custódio, que é também pesquisador do Núcleo de Estudos Jurídicos e Sociais da Criança e do Adolescente (Nejusca) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), diz ainda que, para combater o problema, é preciso dar atenção a outras duas causas: a falta de políticas públicas de contraturno escolar, como atividades de lazer e esporte, por exemplo, que dêem ocupação à criança e ao adolescente quando ele não estiver na escola; e o discurso que minimiza os riscos e danos do trabalho infantil doméstico.
Sobre esse último item, Custódio diz ser fundamental saber caracterizar o que de fato é trabalho infantil doméstico. Um adolescente de 16 anos ter o dever de arrumar o próprio quarto, por exemplo, não se trata disso; mas uma criança de seis anos cuidar de irmãos menores, sim, já que é uma atividade incompatível com a fase de desenvolvimento dela.
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— O segundo critério diz respeito à transferência de responsabilidades que são típicas de adultos para crianças e adolesentes, como cuidar da casa. E um terceiro é olhar quais condições de desenvolvimento aquela atividade permite, se a criança ainda consegue estudar, se integrar à comunidade, brincar — diz o professor.
Ele diz ainda que o trabalho infantil doméstico também é facilmente percebido quando ocorre na casa de terceiros, como os casos identificados pelo estudo do FNPETI.
— Ninguém vai arrumar a casa de um vizinho por diversão — resume o pesquisador.
O Ministério Público do Trabalho em Santa Catarina (MPT-SC) recomenda que situações de trabalho infantil doméstico sejam denunciadas diretamente a ele, ao Conselho Tutelar da cidade em que o caso ocorre, à Delegacia Regional do Trabalho mais próxima do denunciante, às secretarias de Assistência Social ou pelo Disque 100.
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