Os deputados federais e senadores de Santa Catarina receberam em julho o maior valor mensal em liberação de emendas parlamentares desde que elas passaram a ter execução obrigatória, em 2015.
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Os novos empenhos foram liberados às vésperas da votação da reforma da Previdência no plenário da Câmara dos Deputados – o texto foi aprovado em primeiro turno no dia 12 de julho. O Estado onde o atual governo teve mais de 70% dos votos na eleição e que conferiu 15 dos 16 votos possíveis na Câmara a favor das novas regras de seguridade social foi o segundo maior beneficiado com as liberações de emendas no país, atrás apenas de São Paulo.
No total, os valores liberados para SC somaram R$ 238,5 milhões. O número é 50 vezes maior do que o liberado pelo governo de janeiro até junho para os pedidos feitos por parlamentares de SC (R$ 4,7 milhões). A bancada do Estado foi ainda a que mais recebeu emendas coletivas liberadas em julho.
O montante também supera a antiga marca de maior liberação de emendas em um mês. Em maio de 2016, período de votação do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff no Congresso e da chegada de Temer ao Planalto, a bancada de SC teve R$ 135 milhões em emendas empenhadas.
Além do impeachment, outras decisões polêmicas no Congresso também motivaram a liberação de emendas em ritmo maior que o normal. Foi assim, por exemplo, em 2018, nas duas vezes em que o então presidente Michel Temer precisou que a Câmara recusasse pedidos de investigação sobre o envolvimento dele no caso JBS.
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O coordenador do Fórum Parlamentar Catarinense, Rogério Peninha, disse que o presidente Bolsonaro prometeu que daria atenção diferenciada para o Estado.
Em todo o país, o governo federal liberou R$ 3 bilhões em julho, período em que o presidente Jair Bolsonaro buscava apoio para aprovar o texto-base das mudanças na aposentadoria. Nacionalmente, o valor liberado para emendas de congressistas representa o quarto maior valor mensal desde 2015. Os dados são do Siga Brasil, sistema de informações sobre emendas e orçamento disponibilizado pelo Senado.
Foram 113 emendas empenhadas para 20 parlamentares catarinenses. Desses, cinco são deputados federais em exercício e votaram no primeiro turno da reforma da Previdência: Carmen Zanotto (Cidadania), Celso Maldaner (MDB), Geovania de Sá (PSDB), Pedro Uczai (PT) e Rogério Peninha Mendonça (MDB). Apenas Uczai votou contra a proposta do governo.
A lista de beneficiados com emendas tem ainda outros 15 nomes que não tiveram relação direta com a votação da reforma. São três senadores, 10 ex-deputados e dois ex-senadores. Isso ocorre porque os empenhos podem incluir também emendas apresentadas e autorizadas em anos anteriores, por parlamentares que já deixaram o cargo.
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Já deputados em primeiro mandato só podem apresentar emendas para o orçamento do próximo ano. Nos bastidores, chegou a haver articulações para que os chamados novatos também pudessem ser beneficiados com valores para os redutos eleitorais já neste ano. No caso de Santa Catarina, porém, nenhum nome de deputado estreante aparece entre as emendas empenhadas este ano.
Localidade – Valor empenhado
Santa Catarina (estado) – 196,7 mi (82,49%)
Criciúma – 3,5 mi (1,47%)
Içara – 3,2 mi (1,35%)
Joinville – 3,2 mi (1,34%)
Imbituba – 2,9 mi (1,22%)
São José – 1,6 mi (0,67%)
Blumenau – 2,2 mi (0,92%)
Porto União – 1,7 mi (0,73%)
Jaguaruna – 1,6 mi (0,68%)
Balneário Piçarras – 1,4 mi (0,59%)
Itajaí – 1,2 mi (0,50%)
Liberações mais altas ocorreram em períodos de impeachment e denúncias
Entre os parlamentares, as emendas costumam ser vistas como um instrumento importante por permitir direcionar recursos do orçamento da União para atender demandas específicas dos locais de origem. Além disso, beneficia politicamente deputados e senadores em suas bases.
No entanto, as emendas também têm o lado negativo de serem acentuadas com frequência em épocas de votações polêmicas no Congresso, quando os parlamentares precisam firmar posição. A reforma da Previdência proposta pelo governo Bolsonaro, que liberou 2,9 bilhões nos dias anteriores à votação, não é o primeiro exemplo disso.
Antes da liberação recorde de julho deste ano, o mês em que a bancada catarinense conseguiu o maior valor empenhado havia sido em maio de 2016 – período em que o Senado consolidou o impeachment da presidente Dilma Rousseff autorizado pela Câmara no mês anterior, que abriu espaço para a posse de Michel Temer. Na ocasião foram autorizados R$ 135 milhões para emendas de parlamentares de SC.
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Depois disso, o terceiro maior repasse mensal a parlamentares de SC desde 2015 ocorreu em outubro de 2017. Naquele mês, a Câmara dos Deputados impediu a continuação da segunda denúncia que pretendia investigar o então presidente Michel Temer por suposto recebimento de propina no caso JBS. Os deputados e senadores de SC receberam R$ 120 milhões de empenho de emendas. Três meses antes, na primeira denúncia, Temer havia liberado cerca de R$ 70 milhões nos meses de junho e julho. Esses três meses representaram 70% de todas as liberações feitas naquele ano. Em 2017 e 2018, Temer foi responsável pelos dois anos com maiores empenhos de emendas a todo o país – R$ 10,7 bilhões e R$ 11,3 bilhões, respectivamente.
Leia mais: "Bolsonaro prometeu que daria atenção diferenciada a SC", diz Peninha
Emendas misturam papel de Executivo e Legislativo, diz cientista social
O presidente do Observatório Social de Santa Catarina, Leomir Antonio Minozzo, avalia que embora possa ter um aspecto negativo com a liberação em maior escala perto de votações importantes, se os valores forem aplicados de forma inteligente, pode ser algo bom para o Estado.
– É ruim quando se faz política com isso, mas as emendas estão previstas em lei e, se são bem aproveitadas, acaba sendo positivo para o Estado. O desafio passa a ser acompanhar para que esse dinheiro seja bem aplicado – instiga.
O cientista social e mestre em Sociologia Política da Exitus Comunicação e Pesquisa, Sergio Saturnino Januário, vai além e questiona a própria natureza das emendas. Segundo ele, ao determinar áreas de investimento, o parlamentar acaba assumindo o papel do Poder Executivo. O governo, por sua vez, já que terá de liberar os valores de emendas já incluídos no orçamento, opta por fazer isso, segundo o professor, mediante alguma concessão.
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– A partir dessa relação, não se sabe o papel do Executivo e do Legislativo, os municípios ficam dependentes desses valores, o papel do parlamentar passa a ser o de trazer recursos, em vez de planejar o desenvolvimento para o futuro. Isso cria um jogo que não contribui em nada para construir uma cultura democrática.