A busca por soluções para o gargalo de infraestrutura em Santa Catarina tem amadurecido entre autoridades e entidades de classe a necessidade de um novo plano estadual de logística e transportes. Trata-se de um estudo para o governo definir obras e políticas prioritárias na área. O último Pelt, como também é chamado, completou dez anos em 2023, com projetos inconclusos ou engavetados.

Continua depois da publicidade

Siga as notícias do NSC Total pelo Google Notícias

O plano é tido como ponto de partida para se buscar alternativas a médio e longo prazo ao modal rodoviário em Santa Catarina, que hoje concentra o transporte de cargas e tem deficiências históricas.

A necessidade sobre um novo plano apareceu como consenso em um recém-criado grupo de trabalho (GT) para debater projetos ferroviários em Santa Catarina, por iniciativa da Secretaria de Portos, Aeroportos e Ferrovias (SPAF). A ideia foi levada à Infra S.A., empresa pública especializada em estudos deste tipo e vinculada ao Ministério da Infraestrutura, que já devolveu um orçamento ao governo estadual.

— Estamos vendo a forma e a fonte de recurso para viabilizar isso. Eu acredito que até janeiro, logo no início do ano que vem, vamos estar sentados no GT junto do governador [Jorginho Mello] para definir a contratação desse Pelt, que é absolutamente importante para definir as prioridades de investimento em todos os nossos modelos de transporte — revelou o secretário Beto Martins, da SPAF, com exclusividade ao NSC Total.

Continua depois da publicidade

Além da SPAF, o grupo de trabalho inclui outras secretarias estaduais, como a de Infraestrutura e a da Fazenda, entidades patronais de Santa Catarina, casos da Federação das Associações Empresariais (Facisc) e da Federação das Indústrias (Fiesc), e concessionárias das ferrovias e dos portos no estado, o que inclui a Rumo, empresa que opera três trechos da malha ferroviária catarinense.

O grupo também discute dois projetos de ferrovias que adotam um conceito de intermodalidade, de integração com portos e rodovias: um de 319 quilômetros que iria de Chapecó a Correia Pinto, para ligar o Oeste à malha nacional; e outro de 60 quilômetros de trilhos que iram de Navegantes a Araquari, para conectar o Complexo Portuário de Itajaí também à rede ferroviária do país.

O novo plano logístico levantado pelo grupo surge na sequência do Plano Aeroviário de Santa Catarina (Paesc), já em elaboração pelo Laboratório de Transportes e Logística da Universidade Federal de Santa Catarina (LabTrans) desde julho. A versão anterior para definir prioridades de investimento nos aeroportos do Estado era de 34 anos atrás.

Na Assembleia Legislativa de Santa Catarina (Alesc), a Comissão de Transportes, Desenvolvimento Urbano e Infraestrutura tenta dar corpo ao tema com uma audiência pública prevista para ocorrer no início do próximo ano sobre projetos ferroviários no estado, em reforço à necessidade de achar alternativas.

Continua depois da publicidade

— Perdemos competitividade, perdemos tempo, há riscos constantes de acidentes. É uma bola de neve que vai tendo diversos impactos — diz o deputado Antídio Lunelli (MDB), que preside a comissão, sobre a necessidade de recuperar rodovias e concluir obras em curso, mas também de incentivar novos modais.

Dependência do modal rodoviário aumenta custos

Santa Catarina é hoje dependente da malha rodoviária para importar, por exemplo, segundo cálculos da Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural catarinense (Epagri), de 5 a 7 milhões de toneladas de milho e soja por ano, para alimentação de aves, suínos e gado leiteiro, em um mercado que gira R$ 7 bilhões, já que o estado é o segundo maior exportador de aves e o maior de suínos.

O insumo chega principalmente por caminhões do Centro-Oeste. O escoamento da produção também depende majoritariamente das estradas. O Sindicato da Indústria de Carnes e Derivados de Santa Catarina (Sindicarne) estima que toda a operação das agroindústrias de aves e suínos no estado exige 5.240 viagens de veículos de carga por dia. A mesma entidade calcula que as más condições das rodovias aumentam em 33% o custo logístico do setor.

Pesquisa mais recente da Confederação Nacional do Transporte (CNT) mostrou que mais de sete em cada dez quilômetros (71,9%) de rodovias pavimentadas no estado têm problemas, em cenário ainda pior do que o testemunhado in loco pelo NSC Total no ano passado, quando o índice era de 68,2%.

Continua depois da publicidade

A CNT estima que, para recuperar a malha catarinense, seriam necessários R$ 3,7 bilhões. O estado atual impõe um custo adicional de 37,7 milhões de litros de diesel no transporte de cargas ao ano, o que representa um desperdício de R$ 248 milhões e um passivo ambiental de 100 mil toneladas de gases de dióxido de carbono equivalente.

— A gente tem uma logística extremamente dependente do modal rodoviário, que necessita de muito investimento. Hoje o estado tem cerca de 1,4 mil quilômetros de ferrovias operando, o que é muito pouco se comparar com os 65 mil quilômetros de rodovias, sejam federais, estaduais ou municipais. Então, há a necessidade de um investimento forte no meio ferroviário para melhorar o desempenho dele, e com isso tirar caminhões da estrada, melhorar a condição do pavimento, reduzir acidentes e a emissão de poluentes — diz o engenheiro civil André Hadlich, pesquisador vinculado ao LabTrans.

O Pelt anterior havia sido lançado em 2013, depois de 20 meses de trabalhos conduzidos por pesquisadores da UFSC, com financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Estado de Santa Catarina (Fapesc).

Continua depois da publicidade

O documento identificava os fluxos das cadeias produtivas de Santa Catarina e o impacto que teriam sobre elas 128 obras em discussão no estado, sendo 117 rodoviárias e outras 11 ferroviárias. Entre elas, o estudo propunha priorizar empreendimentos dos chamados vetores Norte, Vale do Itajaí e Meio-Oeste.

Isso incluía, entre outras obras, as duplicações da BR-280 entre Jaraguá do Sul e São Francisco do Sul, da BR-470 de Navegantes a Rio do Sul, da BR-153 de Água Doce a Concórdia, a ampliação da BR-282 de Maravilha a Campos Novos com faixas adicionais, e as construções do anel rodoferroviário do porto de São Francisco do Sul e da via expressa portuária de Itajaí. Nenhuma delas foi concluída.

O plano também sugeria priorizar a construção da Ferrovia Norte-Sul de Pato Branco (PR) a Ijuí (RS), atravessando Santa Catarina com interposto em Chapecó, o que nunca avançou. O estudo ainda propunha, entre outros projetos multimodais, a criação de um observatório logístico, que faria uma avaliação contínua do planejamento de transportes no estado, outra ideia que não saiu do papel.

Busca por investidores privados em ferrovias

A Fiesc, que fazia coro a um novo Pelt já nos últimos anos e monitora o andamento de obras de infraestrutura no estado, defende ainda a abertura de projetos à iniciativa privada, por meio do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) e de concessões, para se evitar a frustração de cortes orçamentários repetida em anos anteriores e a disputa com outras agendas que exigem verbas públicas.

Continua depois da publicidade

A entidade se apega ao exemplo do Paraná, que executa um programa de concessão de rodovias, e atribui o fôlego econômico do vizinho ao seu planejamento logístico. No ano passado, ele atualizou seu Pelt, seis anos depois da versão anterior, passando de 97 para 140 obras prioritárias elencadas.

Nesse intervalo entre os dois estudos, o estado chegou a passar da quinta para a quarta posição no ranking de maior participação no Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro, em 2020, quando teve seu percentual histórico, de 6,412% (equivalente a R$ 487,93 bilhões, em valores da época). No ano seguinte, voltou à colocação anterior, ultrapassado de volta pelo Rio Grande do Sul.

O governador do Paraná, Ratinho Júnior (PSD), tem adotado o discurso de transformar o estado em uma central logística da América do Sul. O vizinho ainda conseguiu emplacar no Novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), da gestão Lula (PT), o projeto da Nova Ferroeste, uma ferrovia que vai ligar Maracaju (MS) ao porto de Paranaguá, no litoral paranaense, com ramais para Foz do Iguaçu (PR) e Chapecó. Será o segundo maior corredor de grãos do país, para abastecer a agroindústria do Sul.

Santa Catarina tem no Novo PAC obras para a Bacia de Evolução e o Canal da Babitonga, para ampliar a capacidade de acesso aos complexos portuários de Itajaí e São Francisco do Sul, respectivamente. O programa federal ainda prevê em favor do estado a realização de estudos para estender a Ferrovia Norte-Sul, hoje encerrada em Estrela D’Oeste (SP), até Chapecó por meio de concessão, modalidade favorecida pelo novo Marco Legal das Ferrovias.

Continua depois da publicidade

— O Paraná tem um programa de concessão com aquele modelo híbrido, que considera rodovias federais e estaduais. A malha rodoviária é muito melhor que a nossa. Nós estamos longe disso. O Paraná teve planejamento, fez um trabalho de intermodalidade, e nós, não. Nós ficamos aqui dependentes do recurso da União, e não estou aqui falando de Lula nem de Bolsonaro. Nos últimos dez anos, a história é a mesma: só 50% do orçamento previsto é executado, sendo que o previsto representa 15% da demanda real — diz Egidio Martorano, gerente para assuntos de transporte e logística da Fiesc.

O governador Jorginho se mostrou contrário, em ocasiões anteriores, ao menos a eventuais concessões de rodovias estaduais. Elas têm contado atualmente com aportes públicos do programa Estrada Boa, com previsão de investir R$ 2,16 bilhões em até três anos. Do total, 1,5 bilhão será financiado pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e outros R$ 665 milhões irão vir de fontes próprias.

Já no que se refere a eventuais investimentos em ferrovias, a gestão estadual indica abertura à inciativa privada, inclusive de fora do país. Em setembro, os projetos em discussão pelo GT da Secretaria de Portos, Aeroportos e Ferrovias catarinense foram apresentados a uma construtora chinesa especializada no ramo. A viagem do governador Jorginho Mello ao Oriente Médio, que acabou adiada em duas ocasiões, terá o mesmo propósito, de atrair potenciais investidores à logística de Santa Catarina.

— Estamos tocando R$ 30 milhões em projetos, porque, sem eles, não há discussão. Quando eu vejo missões internacionais, não adianta o governo do Estado sair daqui para visitar outros países levando em mãos apenas um vídeo que mostra o quanto Santa Catarina é bonita. Nós temos que levar cardápio, opções de investimento. E as melhores que vamos levar agora é no caminho das ferrovias — diz o secretário Beto Martins, que espera ver frutos disso ao menos até a próxima década.

Continua depois da publicidade

Conheça as piores rodovias de Santa Catarina

Publicidade

Além de muita informação relevante, o NSC Total e os outros veículos líderes de audiência da NSC são uma excelente ferramenta de comunicação para as marcas que querem crescer e conquistar mais clientes. Acompanhe as novidades e saiba como alavancar as suas vendas em Negócios SC.

Leia mais

Reportagem especial mostra realidade das rodovias de SC ao percorrer 2.339 quilômetros