*Por Amanda Hess

Todas as noites, às 19h, meu bairro – o Brooklyn – ganha vida com o capricho calculado de um relógio cuco. Começa com um único vizinho batendo palmas; em breve, dezenas se juntam, abrindo as portas da frente ou se pendurando nas janelas para celebrar e gritar "wooooo".

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Talvez vinte segundos depois do início, um homem surge do apartamento do jardim em frente ao meu e começa a bater em uma panela com uma colher, e uma mulher aparece no alpendre da casa vizinha com seu spaniel latindo prestativamente ao seu lado. Muitas vezes, há um convidado especial: algumas noites atrás, um entregador passando de bicicleta assobiou bem alto com os lábios. Tudo termina em cinco minutos.

O "Clapping" (aplauso, em tradução literal) se espalhou pela cidade de Nova York em uma sexta-feira à noite no fim de março. Seguindo gestos similares da Itália, da Índia e da Espanha, a iteração de Nova York foi propagada por uma empresa de marketing estratégico e circulou pelas mídias sociais para agradecer aos trabalhadores nas linhas de frente do surto de coronavírus. Foi originalmente apresentado como um evento único e, em seguida, pediu-se aos moradores que o repetissem uma vez por semana. Mas agora o fazemos todas as noites.

O "Clapping" certamente foi ouvido por médicos, enfermeiros e paramédicos, trabalhadores da UPS e entregadores da Instacart e muitos outros nova-iorquinos que estão se arriscando para proteger sua cidade. Moro a apenas alguns quarteirões da sufocada UTI do Brooklyn Hospital Center e, em uma terça-feira recente, bombeiros se alinharam ao lado de fora para saudar a equipe.

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Porém, quanto mais o ritual é repetido, mais parece que ele também é para o resto de nós. Costumávamos sair de casa para ir a shows, ao cinema ou a peças de teatro e aplaudir as performances. Agora, o aplauso é a performance. É a nossa programação agendada regularmente, ao vivo e em carne e osso, quando basicamente nada mais é.

Agradecer aos profissionais de saúde pode ser o objetivo desse ato, mas suas delícias vão muito além. O "Clapping" é uma explosão coletiva. É um lembrete de que, embora estejamos isolados, não estamos sozinhos. Ele é composto por centenas de pequenas improvisações que, por conta disso, resultam em uma cacofonia confortavelmente previsível, personalizada para a rua onde você mora.

Em alguns bairros, o "Clapping" se manifesta de forma esparsa e, em outros, ecoa entre prédios altos, produzindo paredes de som. Algumas noites atrás, em Stuyvesant Town, o "Clapping" foi marcado por instrumentos de sopro; no Lower East Side, alguém colocou Sinatra cantando "New York, New York". Mas ouvi dizer que em alguns quarteirões ninguém bate palmas.

É um clichê descrever uma performance como uma "afirmação da vida", mas, nesse caso, a descrição parece verdadeira. Gosto dela por razões menores, no entanto. Como muitos nova-iorquinos, não conheço a maioria dos meus vizinhos e me vi usando esses poucos minutos durante as noites para reunir pistas sobre a vida doméstica deles. Noto quem emerge das enormes casas de fachada de pedra com vários andares e quem emerge de prédios de apartamentos. Uma noite, o homem com a panela estava acompanhado de outra pessoa que batia seus próprios utensílios de cozinha. Em outra noite, o spaniel não apareceu e fiquei exageradamente decepcionado. Será que o cão já tinha outro compromisso?

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Há quem opte por se abster do "Clapping" e quem ativamente faça campanha contra. A comentarista britânica de direita Katie Hopkins, que está passando sua quarentena resmungando para sua webcam em frente a um pôster da bandeira americana, classificou os aplausos na Inglaterra como um hobby bobo. Chamou o evento de "aplaudir o céu", que, acidentalmente, é um nome lindo. Outros argumentam que o "Clapping" é um gesto vazio, que não faz nada pelos trabalhadores que estão mais expostos ao risco. E, no entanto, mesmo para os críticos, o "Clapping" é um tipo de presente; dá a eles uma performance para criticar.

É verdade que, na internet, o ritual pode parecer apenas um show de autossatisfação. No Twitter, assisti ao enjoativo espetáculo corporativo da Salesforce Tower, em San Francisco, que começou com um vídeo de palmas. A hashtag #ClapBecauseWeCare distorce a experiência para se ajustar aos contornos de uma campanha de conscientização das mídias sociais; exagera no objetivo do evento e faz com que tudo pareça um pouco presunçoso. Como o distanciamento social fez com que todas as nossas interações humanas migrassem para a internet, o "Clapping" revelou os limites dessa mídia. As experiências publicadas na internet correm o risco de ser rapidamente minadas por sua utilidade na plataforma, reduzidas a meras portadoras de informação capazes de acumular comentários e debates.

Entendo por que as pessoas se sentem encorajadas a compartilhar vídeos do "Clapping", já que esse seja talvez o evento mais emocionante – e menos desagradável – que uma Nova York em quarentena consegue documentar em um dia qualquer. Mas assistir ao "Clapping" de outros bairros parece ser inutilmente remoto, como ouvir uma conversa em um idioma que você não entende. Você precisa estar lá – e só pode estar lá se já estiver lá.

As pessoas que participam do "Clapping" podem ter ficado sabendo dele por meio de uma postagem no Facebook ou de uma mensagem escrita na calçada do parque do bairro. Mas ele continua existindo porque o ouvimos e queremos continuar ouvindo. Em certos dias, é o único som externo que ouço vindo de fora que não é uma sirene de ambulância.

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Toda noite, à medida que a hora do "Clapping" se aproxima, meu corpo fica em alerta com a antecipação. Vamos bater palmas hoje à noite de novo? Até agora, a resposta tem sido sim. A cada dia, parece mais provável que somente paremos quando o vírus sumir. Até lá, não tenho outro lugar para estar.

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