A cena do crime estava isolada. Carros da polícia, ambulâncias, socorristas, alguns curiosos e a imprensa brigavam por espaço na pequena rua de Saudades. O cenário é sempre muito parecido em todas as ocorrências de violência ou crime. Só que, de cara, esse parecia ser um caso diferente.
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O letreiro sobre a edificação identificava o local. Era uma escola, a creche Pró-Infância Aquarela. O delegado foi a primeira autoridade a falar de forma oficial. Nas primeiras frases da entrevista, veio a confirmação: três crianças e uma professora estavam mortas. Uma agente educativa e outra criança, gravemente feridas, estavam no hospital. Poucas horas antes, já tínhamos recebido informações no celular, as mensagens sobre o ataque a uma escola circulavam na rede.
Nós jornalistas odiamos fake news, mas nesse caso, a torcida era por uma história falsa. Não acreditei. E confesso, até agora, ainda me pego sonhando com outro final para essa história. Só que, infelizmente, a realidade foi cruel. Minutos depois da primeira entrevista, a confirmação de mais uma morte e uma cidade inteira em luto.
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Desde o momento em que iniciei a cobertura do caso, ao vivo, durante o Jornal do Almoço, até o momento em que parei para compartilhar esse relato, há uma lacuna em minha memória. É difícil escrever sobre isso… Sei as informações sobre o caso. Ouvi os familiares, os policiais, as testemunhas e me recordo de cada conversa, cada desabafo, cada olhar de tristeza e desespero. Fui jornalista, apurei e divulguei informações, mas também larguei o microfone e fui ouvinte, vizinha, parente, amiga. Mesmo com toda a intensidade dos dias, não consigo olhar para trás, acessar a memória recente e explicar em detalhes como foi o trabalho na cidade. Mas foi exatamente isso que me propus a fazer quando comecei a escrever esse texto.
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Ao ouvir a famosa canção, que leva o nome da creche, descobri um motivo para esse apagão. No fundo, ainda quero tornar esse caso irreal. A música escrita pelo cantor Toquinho, diz o seguinte: “E o futuro é uma astronave que tentamos pilotar. Não tem tempo nem piedade, nem tem hora de chegar. Sem pedir licença muda nossa vida, depois convida a rir ou chorar. Nessa estrada não nos cabe conhecer ou ver o que virá. O fim dela ninguém sabe bem ao certo onde vai dar. Vamos todos numa linda passarela. De uma aquarela que um dia, enfim, descolorirá”.
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A minha memória segue o meu coração e se agarra ao ilusório. Se agarra a esperança de voltar no tempo e desenhar um novo futuro. Colorir um destino com final feliz. Naquele momento, quando cheguei a Saudades, eu quis ter o controle do futuro, quis não ser convidada a chorar. Eu ainda quero. Não consigo explicar os últimos dias, porque eu queria poder mudá-los.
Hoje, só consigo dizer, que mesmo sem ter conhecido a Keli, a Mirla, a Anna Bela, o Murilo e a Sarah, eu estou com Saudades!
*Por Fernanda Moro, Repórter da NSC TV