Durante a tarde desta quinta-feira, mais de 500 participantes se reunirão no Hotel Embaixador, no centro da Capital, para debater sobre algumas polêmicas levantadas a partir da tragédia em Santa Maria.
Continua depois da publicidade
Temas como a modernização da segurança contra incêndios e as formas de atender vítimas de desastres semelhantes serão abordadas por especialistas. O 5º Seminário de Segurança contra Incêndios e Atendimento a Desastres contará com palestrantes nacionais e internacionais.
Entre eles, o psicólogo norte-americano Gilbert Reyes, consultor do Centro de Terrorismo e Desastres dos Estados Unidos, membro do Comitê de Resposta a Desastres da Associação Americana de Psicologia na Divisão de Psicologia do Trauma e editor da Enciclopédia da Psicologia de Desastres. Reyes participou do atendimento às vítimas e familiares do incêndio e desabamento das Torres do World Trade Center, em 11 de setembro de 2001, e em desastres como o furacão Katrina e o terremoto no Haiti.
Zero Hora conversou com o psicólogo na tarde de terça-feira. Confira trechos da entrevista:
Zero Hora – O senhor está acostumado a lidar com grandes tragédias. Alguma questão em particular lhe chamou a atenção em relação ao que aconteceu em Santa Maria?
Continua depois da publicidade
Gilbert Reyes – Desde que cheguei aqui, conversei com pessoas que normalmente falariam em tragédias que afetam toda uma comunidade, como profissionais da saúde, voluntários e bombeiros. Entretanto, essa é a primeira vez que vejo pessoas de outras áreas, como engenheiros civis, interessadas em entender as consequências emocionais e psicológicas do desastre. Isso é muito impressionante e me dá muita esperança.
ZH – Existe um padrão na forma como as comunidades reagem frente à grandes tragédias?
Reyes – Após os desastres, normalmente as comunidades atingidas passam por quatro etapas. A primeira delas é o período heroico, quando ocorrem os salvamentos, as ajudas emergenciais, quando pessoas arriscam suas vidas pelas outras. A seguir, vem uma fase que chamamos de lua de mel. Durante esse período, sentimentos como generosidade, união e compaixão crescem dentro das comunidades. As pessoas se ajudam, tratam bem umas às outras. Mas logo nasce também um sentimento de injustiça, na qual a busca por culpados se inicia. As pessoas passam a clamar por Justiça e a querer punir os responsáveis. Essa é a terceira etapa, e muitas vezes o desapontamento é grande. A quarta e última fase é o “novo normal”, ou seja, o período de adaptação à nova realidade. Já aprendemos há muito tempo que, quando você se recusa a se adaptar, você é deixado para trás.
ZH – Quais as principais diferenças entre os traumas individuais e os coletivos, como foi o caso da tragédia na boate Kiss?
Reyes – Traumas individuais são mais solitários, as pessoas se sentem mais isoladas. No caso de traumas coletivos, existe um lado bom e um lado ruim. Quando fazemos parte de um desastre coletivo, nos sentimos mais acolhidos, pois sabemos que outras pessoas estão sentindo o mesmo, que elas estão sofrendo o mesmo. Isso é muito observado em situações como ataques terroristas, guerras e terremotos. O lado bom é exatamente essa sensação de pertencimento a algo, de não estar só. Entretanto, o trauma coletivo pode nos ao cultivo de sentimentos negativos, como a raiva e injustiça. É preciso ter cuidado para não se alimentar da tristeza dos outros. Nesses casos, é necessário um esforço coletivo para estabelecer um balanço entre os sentimentos.
Continua depois da publicidade
ZH – Quais são os sintomas mais comuns em pessoas que enfrentam tragédias como a de Santa Maria?
Reyes – Os sintomas têm muito a ver com o que cada um viveu, com a experiência que cada um passou e como cada um reagiu a ela. Normalmente, em eventos como esse, as pessoas acabam desenvolvendo estresse pós-traumático e depressão, e os sintomas podem se misturar. Costumo dividir em sintomas do corpo, da emoção e da mente. Os sintomas físicos se manifestam na perda ou ganho de apetite, problemas estomacais, dores de cabeça, sono desregulado, entre outros. De forma generalizada, as pessoas sentem uma forte sensação de fatiga, ou seja, falta de força até mesmo para sair da cama. No âmbito das emoções, vemos que as pessoas têm dificuldade em manifestar sentimentos positivos. Os aspectos negativos da realidade predominam, e as pessoas ficam presas ao que sentiram durante o desastre. Os sintomas da mente se manifestam pela impossibilidade de ver esperança nas coisas, pela sensação de impotência, de não poder ajudar ou ser ajudado.
ZH – Muitas pessoas que não perderam parentes ou amigos na tragédia de Santa Maria estão tendo que conviver com aqueles que foram diretamente afetados pelo desastre. O que eles devem fazer quando identificam esse tipo de sintomas nos outros?
Reyes – É importante ressaltar que todos foram afetados pela tragédia, não somente aqueles que perderam diretamente um parente ou amigo. Foi um desastre que atingiu toda a comunidade, o Estado, o país e o mundo. Quando recebi a notícia em Santa Barbara (EUA), realmente fiquei abalado. É uma situação que nos faz repensar sobre a vida e sobre como devemos agir para ajudar os outros. Primeiro, as pessoas têm que parar para refletir como a tragédia as atingiu, se elas conseguem elaborar o que viveram ou se precisam de ajuda. Eu acredito que as pessoas que desenvolvem depressão, estresse ou outras doenças devem buscar tratamento específico, com especialistas em traumas.
Continua depois da publicidade
ZH – Como a cidade pode se recuperar? O que vai permanecer para sempre em Santa Maria?
Reyes – A cidade tem que se recompor, lidar com isso da forma mais honrável possível. É muito comum ouvirmos de sobreviventes, alguns meses depois dos desastres, que eles se sentem desapontados e traídos pelas autoridades, e esse é um sentimento que permanece. Ouvimos isso em entrevistas depois do 11 de setembro, do furacão Katrina, entre outros. As pessoas afirmam que se sentiram abandonadas pelo governo. Isso é uma das questões que fica para sempre, a forma como a comunidade reage frente à tragédia, ou seja, se as pessoas se uniram e agiram de forma humanitária ou se desapontaram umas às outras. Além da memória dos que se foram, o senso se Justiça é muito presente nessas situações.
Caso kiss:
Confira aqui o relatório do inquérito disponibilizado pela Polícia Civil
VÍDEO: polícia apresenta imagens que embasaram indiciamento criminal


