Paul Slovic é professor de psicologia da Universidade de Oregon e presidente da Decision Research, organização que ajuda indivíduos e governos a entender os riscos da vida moderna e a forma de lidar com eles.
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Natural de Boston, nos Estados Unidos, Slovic é considerado um dos maiores nomes da psicologia do risco no mundo. Seu livro A Percepção do Risco analisa como estas situações têm impacto sobre nossas decisões, medos e confiança. Ele acompanhou, como o resto do mundo, as notícias sobre a tragédia de Santa Maria, e falou por Skype, com exclusividade para o Diário Catarinense, sobre como a sociedade brasileira pode aproveitar este momento para promover reformas na legislação referente à segurança em casas noturnas.
Diário Catarinense – O senhor é considerado uma das maiores autoridades em traumas sociais causados por tragédias como a de Santa Maria. Qual impacto o senhor acredita que haverá na população da cidade?
Paul Slovic – Em um primeiro momento, acredito que muitos vão ter como sinônimos, subconscientemente, festa e perigo. Haverá uma possível retração na atividade social de muitos e, além disso, a maioria das pessoas vai ficar muito mais atenta nos lugares fechados que frequentarem às questões de segurança. Como onde fica a saída, se a ela é grande o suficiente – de acordo com um cálculo automático que nossas mentes fazem, levando em consideração o número aproximado de gente presente no ambiente versus tamanho da porta, por exemplo. O maior impacto será nos habitantes da cidade. Mas o impacto também será em todos os brasileiros, pois os jovens que morreram na tragédia eram brasileiros. A intensidade vai variar, dependendo de muitos fatores. As mães do país ficarão mais fortemente afetadas, pois foram filhos jovens que morreram no incêndio. Os jovens em si serão também mais fortemente afetados, pelo mesmo mecanismo.
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DC – Mas o senhor defende a teoria de que, mesmo depois de acontecimentos traumáticos, o efeito se esvai com o tempo, e as pessoas não aprendem com a experiência…
Slovic – Até aprendem, mas o que absorvem, em um primeiro momento, vai perdendo a força, aos poucos, como tudo na vida. Nem mesmo a mais séria tragédia tem força para manter a mesma gama de sensações e resoluções sobre como evitar sua repetição, com o passar do tempo. O problema é que, fora os familiares e amigos mais íntimos das vítimas, o resto das pessoas pode perder a sensação que tiveram inicialmente – de que um acontecimento desses nunca vai cicatrizar – enfraquecida em uma questão de semanas.
DC – Por isso o senhor argumenta que quaisquer medidas regulamentadoras para tentar evitar a repetição de situação parecida sejam tomadas imediatamente após o choque do que aconteceu?
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Slovic – Sim. Pois, apesar de muitos acharem que é melhor passar semanas analisando os motivos que levaram ao acontecido para que uma análise cuidadosa ajude a que decisões acertadas sejam tomadas, na verdade o aconselhável é colocar em prática imediatamente, com a possibilidade de ajustes mais adiante, tudo que se achar necessário. Isso porque sensações são muito mais marcantes, muito mais decisivas, do que análises, do que o uso da lógica. As sensações acabam se tornando análises condensadas. Análises à jato. Por isso podemos confiar nelas. É como quando a gente tem uma sensação de que alguém não está sendo sincero. Ela vem de um cálculo subconsciente que leva em conta todas as experiências passadas com pessoas que não foram sinceras.
DC – Então é verdade a máxima de que a primeira impressão é a que fica?
Slovic – Sem dúvida. No fundo, depois que sedimentamos a primeira impressão – que pode até ser moldada por impressões subsequentes -, geralmente aplicamos a simpatia ou antipatia às informações que vierem mais tarde. Assim, um político que, por algum motivo, cativa uma pessoa em um primeiro momento, pode ter seus pequenos desvios de conduta mais ou menos desculpados pelos seus admiradores, já que a tendência vai ser de relativizar seu erro. Por isso a impressão inicial da população brasileira de que uma tragédia desse tipo (em Santa Maria) pode ser evitada com uma regulamentação e fiscalização mais responsável de casas noturnas deve ser aproveitada para reforçar as medidas de segurança de todos os lugares que comportem grandes números de pessoas.
DC – Há a possibilidade de as autoridades prometerem reformas agora, no calor da tragédia, e não colocarem elas em prática mais tarde?
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Slovic – Grande possibilidade. Por causa disto, elas devem ser cobradas agora, não se deve deixar pra depois. Ou, como acontece em qualquer lugar do mundo, políticos vão construir memoriais para poderem ser vistos em eventos de homenagem a cada aniversário da tragédia, mas podem não fazer mudanças trabalhosas em estruturas de administração municipal, fiscalização, emissão de alvarás, etc.
DC – As pessoas não ficam menos impactadas com eventos chocantes posteriores, depois de terem vivenciado uma tragédia?
Slovic – Depende. Há situações em que o impacto diminuiu. Mas os ataques de 11 de Setembro deixaram marcas duradouras. Acredito que Santa Maria pode ser o 11 de Setembro de vocês (do Brasil). Profissionais que lidam com dor ou risco vão perdendo a sensibilidade a estes eventos, aos poucos, em intensidades diversas, pois cada um de nós tem um sistema de nervos diferente. Ou seja, alguns têm as conexões nervosas mais ativas e, portanto, sensíveis, enquanto outros têm menos.
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DC – Quer dizer que a dor emocional também tem um elemento físico? Não é apenas uma questão psicológica?
Slovic – Sim, mesmo a dor emocional tem intensidade diferente de acordo com o sistema nervoso, que é ativado pela mente, mas daí provoca sensações que são sentidas pelo desencadear de reações químicas do corpo. Se se sente dor, é porque ela é física. É o próprio cérebro que dá o comando de sentir dor. Ele traduz uma leitura de alguma coisa, como a morte de alguém ou mesmo a visão de outra pessoa sentindo dor, para nosso corpo. E cada um tem uma rede de nervos conectada de forma única. Por isso, alguns são capazes de, por exemplo, se tornarem médicos ou veterinários, sem sentir a dor do paciente.

