A feijoa, o mirtilo, a azeitona e o lúpulo. Respectivamente, um fruto que é nativo da Serra catarinense, mas produzido e exportado pela Colômbia e pela Nova Zelândia – países onde nunca existiu de forma natural -, uma frutinha que chega a custar mais de R$ 10 em uma bandeja de 100g no supermercado, um produto quase onipresente em nossa gastronomia, inteiro, em rodelas ou como óleo, e uma flor que é um dos produtos mais utilizados pela indústria de bebidas do país e do mundo.
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São quatro culturas que dependem de um clima temperado, que altere dias relativamente quentes com outros frios, o mesmo encontrado nas regiões da Serra e do Meio Oeste de Santa Catarina. Ao mesmo tempo, são oportunidades que o Estado ainda não aproveita e, em alguns casos, nem existem esforços oficiais para conseguir desenvolver. Existem, no entanto, alguns pioneiros que mostram a viabilidade desses produtos por aqui.
– Estamos pensando em criar um programa de novas atividades, para que o poder público participe do risco, em que hoje nós participamos apenas na pesquisa. A ideia é trazer novas culturas, como nós já trouxemos o mirtilo. Às vezes falta o fomento para estruturar a produção e o mercado – conta o secretário-adjunto da secretaria estadual de agricultura, Airton Spies.
Pioneiro estrangeiro em uma cultura nativa
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“Seu” Shu Otani leva a mão à nuca toda vez que busca na memória alguma informação do passado, mas guarda viva a recordação da primeira vez que sentiu o aroma da goiaba serrana. Imigrante japonês, o agricultor de São Joaquim, na Serra, ganhou o fruto de presente de um vizinho em 1987 e se apaixonou pelo cheiro e gosto do alimento.
– Levei para casa e esqueci na cozinha. Uns dias depois cheguei e senti um aroma maravilhoso. Falei com meu amigo e busquei umas mudas para testar no jardim.
Quase trinta anos depois, é um dos poucos que o cultiva em todo o país. A fruta não é o principal sustento do nipo-brasileiro, que vive da plantação de maças, mas ganha um carinho especial. Ele mostra o meio hectare de área que cultiva sozinho na sua propriedade relembrando cada detalhe da sua história com o alimento. A área aumentou e diminuiu diversas vezes neste período, só o que não minguou foi o encantamento de ‘Seu’ Otani com fruto:
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– Japonês não gosta de coisa muito doce, a goiaba tem o sabor perfeito, agrada muito. Quando tem colheita, a gente separa umas e leva para casa.
A feijoa, também chamada de goiaba serrana, é uma planta típica de locais frios e precisa de oscilações bruscas de temperatura para melhorar o sabor e o aroma. Como se trata de uma planta perene, dispensa o replantio e atinge sua capacidade de produção total a partir do quarto ou quinto ano.
E pesquisas lá pela Nova Zelândia, onde o fruto brasileiro se popularizou, mostraram que é na verdade uma “superfruta”, denominação dada a alimentos que possuem vários efeitos benéficos à saúde. Além de rica em vitamina C e de ter propriedades anti-inflamatórias, ela tem também antioxidantes, substância que ajuda a retardar o envelhecimento.
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– É uma alternativa para plantios em áreas menores ou como um plantio complementar. É uma oportunidade e a gente vê como ela está sendo reconhecida fora daqui no mundo – conta a engenheira agrônoma da Epagri de São Joaquim, Marlise Nara Ciotta.
Talvez seja uma oportunidade para um de seus principais incentivadores. Hoje, a manutenção dos pés de goiaba não dá lucro ao agricultor, que aos poucos transfere o trabalho no campo ao filho. O custo, em torno de R$ 25 mil, e o retorno financeiro quase se igualam. Ele reclama na falta de incentivo à pesquisa, mas não perde o senso de humor:
– Faço, como se diz, por hobby, e por teimosia (risos). Hoje me divirto com meu jardim, deixo meu filho trabalhar, mas não sei se ele vai continuar com isso (a plantação de goiabas).
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Foi Otani quem forneceu as primeiras mudas para as pesquisas da Epagri com a Feijoa, no início das pesquisas há mais de uma década. Agora, pela primeira vez, o órgão estadual vai fazer 2000 mudas da planta para vender e tentar disseminar a cultura na região.
Complemento ao plantio da maçã
Com a cor azulada que lembra, de longe, um cacho de uvas, o mirtilo ressurgiu aos agricultores de São Joaquim em 2004 como opção para manter os funcionários das plantações de maça fora dos períodos de raleio, a seleção da fruta no pé, e colheita. Meses em que, normalmente, as áreas não precisam de cuidados.
O agricultor Marco Massayuki Yamaguchi, 44 anos, conta que a sugestão para o cultivo do fruto partiu da Epagri:
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– Na época em que não precisamos lidar com as maças, fica difícil de manter o pessoal. Com o mirtilo, conseguimos pagá-los e segurá-los conosco.
Filho de imigrantes japoneses, ele faz questão de esclarecer que os benefícios param por aí. A dificuldade de armazenamento e manutenção impedem o aumento da área em Santa Catarina.
– Não há uma forma de mantê-los comestíveis depois de uma semana de plantio. Diferente da maça, não foi desenvolvido um processo que nos permita isso – reafirma Yamaguchi.
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Assim, o alimento tem que ser vendido logo depois da colheita como fruta para consumo ou suco para produção de bebidas. O preço varia de acordo com cada tipo de comercialização, cerca de R$ 3,00 o suco, R$ 7,00 o fruto, mas ficam longe de tornarem o cultivo rentável diante das dificuldades de transporte e de acesso aos maiores mercados.
Foto: Marco Favero
Segundo o pesquisador da Embrapa Luís Eduardo Antunes, o Brasil tem uma área muito pequena de mirtilo. O Rio Grande do Sul ainda é referência, principalmente no município de Vacaria. O Brasil e Santa Catarina vivem um momento contrário ao de dois vizinhos do país. Chile e Argentina já desenvolveram esse cultivo de forma comercial, inclusive com exportação do fruto.
No Brasil, há, sim, potencial, mas o país depende muito de mão-de-obra, o que é um problema atualmente. Em Santa Catarina, ele avalia que o cultivo é disperso e ainda não tem importância econômica.
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Nas lojas de produtos naturais, ele está presente em quase todas – normalmente desidratado. Quem compra está em busca de suas características antioxidantes, do potencial que o fruto tem em reduzir a glicemia e da ação de prevenção ao câncer, pela presença as substâncias ácido elágico e polifenóis.
Azeite de qualidade extravirgem, mas ainda sem produção comercial
A área plantada de oliveiras no Estado ainda é insignificante quando comparada com outras duas culturas mais tradicionais da agricultura, como a soja e o milho, explica o engenheiro agrônomo Eduardo Brugnara. Mas a produção local tem vantagens que podem contribuir com seu desenvolvimento. Azeitonas produzidas aqui em Santa Catarina renderam, em testes feitos pela Epagri, azeite que se adequa a padrões internacionais dentro da qualidade “extravirgem”, a melhor de todas.
– Tem a vantagem de uma área pequena conseguir uma receita alta de produção. Mas quem quiser produzir azeite vai precisar se unir em cooperativas ou encontrar uma agroindústria que compre a produção – destaca Brugnara, pelo custo dos equipamentos necessários para espremer o óleo do fruto.
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E a o plantio, que se deu bem nas regiões Meio-oeste e Oeste do Estado em testes preliminares, pode ser realizado em áreas de inclinação média – onde não é adequado plantar grãos. Há oito plantios comerciais mapeados pela Epagri nas duas regiões. E o órgão está com nove áreas em teste para verificar volume de produção e qualidade em áreas espalhadas pelo território catarinense.
Foto: Dorli Mario Da Croce / Arquivo pessoal
Por enquanto, a melhor adaptação parece ser no município de Caçador. Os resultados vem da propriedade do senhor Tranquilo Scolaro, na Linha São Francisco. Ele planta como principal produto da fazenda a uva, mas mantém uma área com oliveiras.
No país como um todo, são cultivados apenas cerca de 500 hectares de oliveiras, parte no Rio Grande do Sul e o restante em São Paulo e Minas Gerais. Mas já há produção comercial em escalas nesses locais.
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Um dos maiores mercado do mundo sem nenhuma produção própria
O Brasil é o terceiro maior produtor de cerveja do mundo. E, na fabricação desta bebida tão consumida no país, entra o lúpulo. Apesar de ser um grande consumidor, o país não produziu praticamente nada das 110 mil toneladas produzidas anualmente no mundo, metade disso apenas na Alemanha e nos Estados Unidos.
As regiões no mundo que produzem essa flor – sim, ele é a floração da planta e não um fruto – também produzem maçã, uva e mirtilo. Ou seja, Santa Catarina tem as condições adequadas para isso, mas ainda não ocorreram testes para tentar a introdução da cultura no Estado.
Nem a Epagri, que faz pesquisas agrícolas para o Estado, e nem a Embrapa, que faz esses estudos para o país, tem iniciativas para adaptar a cultura ao Brasil. Há apenas tentativas isoladas por produtores do Rio Grande do Sul e de São Paulo.
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Foto: Rodrigo Veraldi / Arquivo pessoal
É o caso do agrônomo Rodrigo Veraldi Ismael, que começou fazer testes em seu sítio em São Bento do Sapucaí, São Paulo. Há 10 anos, ele separou um lote de sementes e avaliou um lote de plantas em estufa. Dois anos depois, separou duas variedades e descartou o resto em um local da propriedade onde deposita os resíduos de jardinagem e dos viveiros.
– Ao avaliar as plantas que havia selecionado em campo percebi que não estavam indo bem por conta de doenças ocasionadas pelas chuvas do verão. Já desanimado, concluindo que o lúpulo não sobreviveria em condições de campo, encontrei ao caminhar por perto do “bota fora” uma planta sobrevivente daquele lote descartado. Estava em excelente estado, sem doenças e produzindo em abundância debaixo de uma chuva de 15 dias _ conta Veraldi.
Agora ele está com dois mil pés plantados, em mudas daquela mesmo exemplar, e um contrato de exclusividade para produzir amostras para a cervejaria Baden Baden, do município próximo de Campos do Jordão.
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Houve um tentativa, por parte de uma empresa privada, de plantar lúpulo na Serra catarinense em 2011. Neste ano, a mesma empresa, chamada Biotec, faz uma nova tentativa para viabilizar a produção em São Joaquim. Guilhermo Zapelini, diretor da companhia, promete que deve existir uma fazenda modelo até o final do ano, apesar de ainda não possuir nenhum terreno para tal.
Além de na fabricação da cerveja, o lúpulo é usado em várias fórmulas farmacêuticas como calmante e anticonvulsivante, e possui propriedades antibacterianas. Mercado há. E as experiências, realizadas sem apoio oficial, provam que impossível não é.