A população carcerária de Santa Catarina cresce em um ritmo aproximado de oito presos por dia. Isto significa que a entrada de detentos no sistema prisional é maior do que a saída. Só entre os últimos meses de janeiro a abril, as cadeias catarinenses receberam quase 900 presos a mais do que saíram. A movimentação ilustra como o Estado chegou ao patamar atual de 20 mil detentos, com déficit de 4 mil vagas, cenário considerado crítico por quem atua no meio prisional. Superlotados, mais de 90% dos estabelecimentos penais hoje são alvo de alguma forma de interdição judicial, como proibição de receber presos acima da capacidade máxima.

Continua depois da publicidade

Sem condições de abrir vagas no mesmo volume da demanda, o Estado também esbarra na dificuldade de construir unidades planejadas para os municípios de Imaruí, São José e Tijucas porque as prefeituras resistem em autorizar as obras. Uma medida que poderia aliviar a lotação das celas, no entanto, ainda é pouco utilizada: há apenas 371 tornozeleiras eletrônicas ativas em SC, enquanto outros 616 aparelhos estão disponíveis, mas sem uso.

No Rio Grande do Sul, por exemplo, há 1,6 mil presos sob monitoramento. O Paraná tem 6,5 mil detentos com tornozeleira e quer ampliar o recurso. Como a administração prisional em Santa Catarina faz apenas o trabalho de monitoramento, cabe aos juízes de execução penal autorizar a utilização dos equipamentos caso a caso. Não existe um entendimento único entre os magistrados, o que limita a utilização das tornozeleiras em maior escala.

Leia também: como funciona o monitoramento com tornozeleiras em Santa Catarina

O secretário do Estado da Justiça e Cidadania, Leandro Lima, destaca que a atual gestão já formalizou ao Tribunal de Justiça o apelo para que as tornozeleiras sejam usadas em maior número. Além de minimizar a superlotação, o secretário defende que o dispositivo ajuda a evitar o contato entre presos de menor risco com criminosos de alta periculosidade.

Continua depois da publicidade

—O mais importante é penalizar esse preso e não colocá-lo em contato com a massa carcerária. Se ele cometer crime uma segunda vez, deve perder a chance. Mas, pelo menos na primeira vez, já colocá-lo no sistema prisional por crimes de menor potencial ofensivo não é estratégico — avalia Lima.

O secretário destaca que, se houvesse maior demanda, o Estado teria condições de colocar até 2 mil tornozeleiras em uso. A defensora pública-geral do Estado, Ana Carolina Dihl Cavalin, considera a baixa adesão às tornozeleiras resultado de uma postura conservadora em relação às prisões.

—Há um excesso de prisões que poderiam ser revistas. Situações, inclusive, de mulheres encarceradas, com filhos, em que poderia ser aplicada a prisão domiciliar com o uso de tornozeleiras — expõe.

Só entre as mulheres, a Defensoria Pública avalia que mais de 200 presas catarinenses atendem ao perfil para deixar a cadeia mediante monitoramento. O custo de manter um preso encarcerado, reforça a defensora, também deve ser considerado em benefício do monitoramento eletrônico. Enquanto um detento mantido numa unidade do Estado pode custar até R$ 3 mil por mês, a despesa com monitoramento não chega a 10% desse valor.

Continua depois da publicidade

Utilização dobrou em quatro meses, diz Tribunal de Justiça

Se depender do Grupo de Monitoramento e Fiscalização (GMF) do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, que cuida da fiscalização do sistema carcerário no Estado, a utilização de todas as tornozeleiras disponíveis é uma questão de tempo. Mas o supervisor do grupo, desembargador Leopoldo Augusto Brüggemann, aponta limitações no acesso aos dispositivos.

Hoje, só 49 das 111 comarcas catarinenses têm condições de autorizar o monitoramento. Segundo o magistrado, há questões de logística, infraestrutura, privação de sinal e falta de pessoal que impedem a implantação em todas as cidades. Ele também observa que, mesmo onde o uso já é viável, as autorizações são individuais e dependem da interpretação de cada magistrado.

Como a regulamentação das tornozeleiras ocorreu há menos de dois anos no Estado, Brüggemann reconhece que ainda há desconfiança entre os juízes. Na opinião do desembargador, a posição no mapa faz de Santa Catarina uma “ponte” para o tráfico entre os Estados vizinhos, o que demanda maior rigor dos juízes de SC.

—O juiz de Santa Catarina tem esse perfil, não é tão liberal como outros. É mais linha dura porque aqui somos rota de passagem — diz.

Continua depois da publicidade

Por outro lado, o GMF indica que o uso das tornozeleiras dobrou desde o começo do ano. Existiam apenas 187 dispositivos ativos em dezembro, exclusivamente para presos provisórios. A compra de outros 800 equipamentos ainda dezembro, voltados a detentos provisórios e condenados, permitiu a ampliação para os atuais 371 monitorados.

Brüggeman também observa que as decisões contrárias ao uso de tornozeleira, proferidas pelos juízes das comarcas, têm sido reavaliadas com mais flexibilidade pelo Tribunal de Justiça quando os recursos chegam à segunda instância. Na prática, a tese é de que as confirmações em instância superior podem reforçar um entendimento favorável às tornozeleiras.

—Passa a ser o caminho a ser trilhado. Essa cultura vai ser modificada com as nossas deliberações — diz Brüggeman.

Continua depois da publicidade