Quedas de altura, acidentes com veículos, explosões e outros incidentes somados no intervalo de uma década colocam Santa Catarina entre as posições mais altas de um ranking indesejado: o Estado tem a quarta maior concentração de mortes por acidentes de trabalho no país.
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Foram registradas 2.471 ocorrências fatais com trabalhadores catarinenses entre 2005 e 2014, segundo o levantamento mais atual do Ministério de Saúde. São duas vidas perdidas a cada três dias. Entram na conta profissionais com carteira assinada e trabalhadores informais — pelo menos seis em cada dez vítimas não tinham vínculo formal com os empregadores.
Joinville tem a maior fatia de acidentes com morte no período (184), seguida de Itajaí (95), Criciúma (78) e Blumenau (77). Mais da metade dos registros envolve algum meio de transporte. Engrossam essa estatística casos como o do morador de Criciúma Gabriel Teodoro Raimundo Jesuíno, de 28 anos, que operava um veículo em uma mina na cidade de Treviso, no Sul do Estado, até se acidentar em julho do ano passado.
Uma segunda máquina, de dimensões maiores, teria sido acionada para religar o veículo de Gabriel, voltado ao transporte de materiais do almoxarifado. Em meio à movimentação, Gabriel foi atingido pelo veículo que operava e ficou gravemente ferido. Ele morreu após mais de uma semana no hospital.
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As circunstâncias da morte do jovem, consideradas ainda não esclarecidas pela mãe dele, retratam o drama de quem viu alguém sair de casa para o trabalho e nunca mais voltar.
— Ele morava comigo, tinha namorada, fazia planos. Mas, infelizmente, aconteceu isso. Era quem colocava comida em casa — desabafa Cleusa Teodoro Raimundo, 52 anos, mãe de Gabriel. Além da saudade, Cleusa hoje convive com um orçamento mais apertado sem o apoio do filho. Por problemas de saúde, ela não tem condições de trabalhar.
Cleusa recebeu os valores da rescisão trabalhista e do seguro de vida do filho após o acidente. Hoje, resta a ela apenas uma pensão de pouco mais de R$ 1 mil. A mãe ainda busca na Justiça o direito à indenização e respostas difíceis de alcançar.
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—Nunca nos ligaram para avisar nada. Eu sempre dizia: “meu filho, sai de lá, sai daquela mina, pelo amor de Deus”. Mas ele dizia que não tinha como sair sem antes arrumar outro trabalho — lamenta.
Coordenadora executiva do Fórum Saúde e Segurança do Trabalhador em Santa Catarina, a procuradora do Trabalho Márcia Kamei López Aliaga aponta que a fiscalização das condições trabalhistas no Estado deixa a desejar. Há déficit de servidores em todas as regiões.
Além da dificuldade de monitorar os trabalhadores legalizados, a procuradora alerta que a situação é mais crítica em relação ao emprego informal.
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— A proteção, nesses casos, depende do próprio trabalhador. Se ele já é informal, não vai investir para desenvolver o trabalho de forma segura porque já tem outros custos — diz.
A terceirização dos serviços também traz preocupação. Na avaliação da representante do Ministério Público do Trabalho, a tendência é de que as empresas prestadoras de serviço façam menos investimentos na segurança de seus funcionários do que as empresas contratantes. Isto porque, quanto maior for o investimento, maior será o custo final do serviço prestado.
—A terceirização, obviamente, vai refletir em um menor padrão de segurança — critica.
Márcia destaca ainda que, além de minimizar os acidentes fatais, também é preciso avançar no reposicionamento dos trabalhadores acidentados ao mercado de trabalho.
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—É mais um viés que não é trabalhado devidamente em nosso Estado e no país. A pessoa poderia ser tratada, reabilitada e reinserida no sistema produtivo, resgatando a dignidade do trabalhador —reforça.
Custo de R$ 10 bilhões ao ano
Se já representam um desafio à saúde pública, os acidentes de trabalho também pesam no equilíbrio dos cofres públicos. Segundo estimativa da Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT), o Brasil gasta R$ 10 bilhões por ano com indenizações e tratamentos decorrentes de acidentes de trabalho.
—É uma cifra astronômica, que poderia ser investida em ações de prevenção, de forma muito mais eficiente — defende o desembargador do Tribunal Regional do Trabalho (TRT-SC) e gestor do Programa Trabalho Seguro em SC, Roberto Guglielmetto.
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Como forma prática de ampliar as atribuições da Justiça, diz Guglielmetto, o programa tem buscado incentivar medidas preventivas junto ao poder público e à iniciativa privada. Entre as ações, o desembargador destaca a orientação para que municípios só contratem empresas que desenvolvam a capacitação dos empregados quanto à segurança no trabalho. Itajaí e Chapecó já têm exigências nesse sentido em suas legislações.
—Outra iniciativa é no sentido de promover a inserção no calendário escolar de um dia destinado a apresentar, de maneira lúdica, a necessidade da prevenção acidentária — destaca.
Na avaliação do desembargador, é comum que os próprios empregadores não tenham conhecimento de todas as normas voltadas à saúde do trabalhador, principalmente nas empresas de menor porte. A saída, reforça Guglielmetto, é buscar a supervisão de profissionais especializados em segurança no trabalho.
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—Não basta só comprar e fornecer os equipamentos de proteção, mas também fiscalizar o uso de forma adequada. É um trabalho permanente, rotineiro — completa.