Prostituição, trabalho escravo, comércio de órgãos e adoção ilegal de crianças são alguns exemplos do chamado tráfico humano. Terceira atividade ilícita mais rentável do mundo, atrás apenas do tráfico de drogas e de armas, mobiliza mais de US$ 30 milhões por ano, segundo dados da Organização das Nações Unidas (ONU). No Brasil, apesar de não haver estatísticas claras sobre o problema, Santa Catarina se destaca como sendo o berço entre os anos 80 e 90 da exportação de bebês.
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Atualmente, mais de 3 mil pessoas estão registradas como desaparecidas no Estado, sendo que não há como saber quantas delas são vítimas do tráfico. Com o crime latente e inúmeras famílias afetadas, a Campanha da Fraternidade de 2014, da Igreja Católica do Brasil, que foca na discussão do tráfico humano, é recebida com entusiasmo pelos catarinenses.
O lançamento na Arquidiocese de Florianópolis aconteceu ontem em celebração eucarística na Catedral Metropolitana. Pela manhã, o arcebispo Dom Wilson Tadeu Jönck recebeu a imprensa e teve sua fala acompanhada pelo Major Marcus Roberto Claudino, que coordena o Programa S.O.S Desaparecidos, e por representantes do Grupo de Apoio aos Familiares dos Desaparecidos (GAFAD).
O Major explica que nem todos os desaparecidos são traficados, mas todo traficado é desaparecido. Em Santa Catarina, 42,6% dos desaparecidos são crianças e adolescentes. A maioria fugiu de casa, motivada também por maus tratos. Para ele, envolvidos nesse tipo de conflito são mais vulneráveis a aceitar propostas de aliciadores, para exploração sexual ou trabalho escravo, por exemplo.
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– Por isso, essa é uma oportunidade única para discutir o problema tão profundamente e com um público tão grande. Sairão parcerias e essa atitude da igreja é um passo histórico para fomentar mudanças. Santa Catarina ainda tem problemas sérios ligados a essa questão – revela.
As crianças do Sul do país ainda são as mais visadas no tráfico de bebês. O valor de venda chega a U$35 mil, enquanto que as do Nordeste são comercializadas a U$15 mil. As características da colonização europeia, como a pele clara, valorizam a adoção ilegal no Estado. Também há inúmeras denúncias de trabalho escravo e infantil em plantações de erva mate e cebola.
Com apenas alguns exemplos, o Major destaca a presença oculta desse tipo de crime e afirma que a legislação ainda é precária. Além disso, ele lembra que não há estatísticas claras e unificadas no Brasil que possam determinar a situação do problema. Cada Estado registra um boletim de ocorrência e as pessoas, muitas vezes, são localizadas até 20 anos depois do registro do desaparecimento.
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Entrevista:
Dom Wilson Tadeu Jönck
Arcebispo da Arquidiocese de Florianópolis
Diário Catarinense – Por que foi escolhido o tema do tráfico humano para a Campanha da Fraternidade deste ano?
Dom Wilson Tadeu Jönck – O tráfico humano está acontecendo em um tempo em que se imagina que as pessoas deveriam ser respeitadas. Elas são usadas, enganadas ou à força, e acabam tendo que mudar de lugar muitas vezes para o lucro de alguns. Vemos isso no aliciamento para a prostituição, quando as pessoas trabalham em condições próximas à de escravidão, sem carteira de trabalho e em condições precárias de alojamento, no comércio de órgãos e no fenômeno dos desaparecidos. Muitas pessoas se deixam levar por promessas e acabam aliciadas. É uma prática comum.
DC – Quais são os objetivos da campanha?
Dom Wilson – Primeiro é que as pessoas tomem consciência de que isso existe. E nisso os meios de comunicação nos ajudam a divulgar. Depois é que todos se deem conta de que isso acontece ao nosso lado. A solução do crime é responsabilidade do poder público, mas a igreja colabora, incentiva as pessoas a denunciarem para ajudar, além de receber as vítimas desses crimes para ajudar a saírem dessa situação.
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DC – As Campanhas promovidas pela igreja dão o resultado esperado?
Dom Wilson – Dão muito retorno. Elas não acontecem e resolvem o problema, mas despertam a consciência e a reflexão. São situações problemáticas que não se fala como se não existissem. Procuramos solucionar e temos conseguido retornos positivos. Com as campanhas conseguimos levantar dados estatísticos para saber como está a realidade e ajudamos a superar. Buscamos caminhos para ver o que é possível ser feito.