Exatamente um ano atrás, Santa Catarina lidava com um fenômeno inesperado: o ciclone bomba. Acostumado a enfrentar enchentes, deslizamentos e até tornados, o Estado viu de perto outro fenômeno passar e deixar rastros de desastre. Ao todo, 14 pessoas morreram, 112 ficaram feridos, 11,5 mil desalojados ou desabrigados e mais de 2,3 milhões de catarinenses diretamente afetados. O vento e as nuvens assustadoras ainda geram traumas àqueles que o enfrentaram de perto.

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Mas e agora, 12 meses depois, estamos preparados para enfrentar um ciclone bomba novamente? A resposta, para alguns especialistas, é não.

Na visão do professor de geociências da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Lindberg Nascimento Júnior, a cultura brasileira em como lidar com desastres faz com que o Estado não tenha uma preparação adequada em casos de novas ocorrências de fenômenos como o de um ano atrás.

— Se a gente está preparado para um fenômeno parecido? Acho que não. Em um ano aprendemos muito pouco. Nós não temos lidado com o preparo anterior ao evento, mas sempre com uma política de reação. Não se tem uma prática de prevenir desastres, apesar da gente ter conhecimento — conta.

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Centenas de cidades catarinenses registraram estragos após a passagem do fenômeno
Centenas de cidades catarinenses registraram estragos após a passagem do fenômeno (Foto: Diorgenes Pandini/Diário Catarinense)

Lindberg também salienta que investir na proteção de infraestruturas e na educação também são maneiras de evitar tragédias como a de junho de 2020. Um dos exemplos que ele dá é o que acontece no Japão, que procura adaptar suas estruturas para serem resistentes a passagens de terremotos, que são comuns na região.

— Podemos minimizar os efeitos e os impactos protegendo a população, as infraestruturas e dando segurança. Como sociedade precisaria pensar em como se proteger com a variada possibilidade e suscetibilidade de passar por esses eventos. Ou seja, se a gente está na trajetória [dos ciclones], precisamos nos adaptar a esse processo — enfatiza.

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Por isso, segundo o doutor em Meteorologia e professor da Universidade Regional de Blumenau (Furb), Dirceu Severo, uma das formas de evitar catástrofes é investir na previsão e na tecnologia para monitorar esse tipo de fenômeno, uma vez que é quase impossível evitar um desastre natural.

— A única forma de minimizar os estragos é o monitoramento e a informação com antecedência. Não é algo raro [o ciclone], só a intensidade que é muito variável. Aqueles com maior intensidade são mais incomuns e depende muito de como ele se formou e como começou a se desenvolver. A pergunta não é se vai acontecer, porque vai. Mas sim quando vai acontecer — salienta.

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Além de casas, empresas e outras estruturas também ficaram destruídas
Além de casas, empresas e outras estruturas também ficaram destruídas (Foto: Vinícola Villaggio Grando/Divulgação)

Lições à Defesa Civil

Aquele dia não deixou apenas lembranças para as vítimas, mas também lições para os órgãos catarinenses de monitoramento. Segundo Frederico Rudorff, coordenador de Monitoramento e Alerta da Defesa Civil, um dos pontos de atenção identificados após a passagem das rajadas de vento, é que os modelos disponíveis para monitoramento não conseguiram identificar o nível de instabilidade que esse fenômeno trouxe para o Estado.

O coordenador também afirma que Santa Catarina não tem uma rede de sondagem atmosférica boa o bastante para evitar esses desastres.

— Nós ainda precisamos investir em modelagem meteorológicas e em estações mais completas, com modelos de alta resolução. Mas estamos trabalhando para isso. Outro ponto é a mobilização e a preparação, que também estamos tentando torná-la mais intensa. Não conseguimos evitar, mas podemos nos preparar melhor para proteger vidas — pontua.

— Cada evento é um aprendizado, a gente vai se reinventando e descobrindo coisas novas, mas sempre temos que nos atualizar para saber usar essas ferramentas. Inclusive, estamos preparando uma ferramenta que ajude na previsão dessas tempestades — salienta Laura Rodrigues, meteorologista da Epagri.

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Destelhamento de casas, postes e árvores caídos, foram só alguns dos danos causados pela passagem do ciclone
Destelhamento de casas, postes e árvores caídos, foram só alguns dos danos causados pela passagem do ciclone (Foto: Defesa Civil/Divulgação)

Já a Defesa Civil afirma atuar para melhorar os alertas de desastres junto à população, principalmente com o apoio da internet.

— Nós intensificamos os vídeos nas redes sociais e a comunicação com a imprensa. Sempre que chega no nível de atenção, estamos lidando com essa mobilização mais intensificada com toda a estrutura da defesa e a população como um todo — salienta Rudorff.

Mas, um ano depois, a estrutura de Santa Catarina para a previsão de desastres continua a mesma. 

Questionado se há previsão de melhorar esse sistema, Frederico afirmou que há investimentos, como a instalação de um quarto radar meteorológico em Joinville, que deve ser instalado no ano que vem na cidade. Além disso, ele diz que há pesquisas em andamento para melhorias no sistema de monitoramento de desastres. Mas todas essas iniciativas são para o longo prazo e sem previsão de conclusão.

Maior tragédia com ventos de Santa Catarina

A passagem do ciclone bomba é considerada a maior tragédia com ventos da história de Santa Catarina e integra a lista dos inúmeros desastres climáticos que o Estado sofreu nos últimos 50 anos. Em 1974, quase 200 pessoas morreram e mais de 65 mil ficaram desabrigadas ou desalojadas após um longo período de chuvas que encheu o Rio Tubarão e atingiu municípios da região Sul.

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Dez anos depois, foi a vez do Vale do Itajaí. As fortes chuvas que atingiram a região em julho de 1983 provocaram o aumento do nível do Rio Itajaí-Açu e, com isso, uma enchente que atingiu cidades como Blumenau e Rio do Sul. Ao todo, 49 morreram e mais de 197 mil pessoas ficaram desabrigadas em 90 municípios catarinenses.

Ciclones em SC: como e onde se proteger de vendavais

Se pensar em um passado mais recente, uma das tragédias que continuam na memória dos catarinenses é a que ocorreu em 2008, com 135 mortos, 51.297 pessoas desalojadas e 27.410 desabrigadas — a maior parte no Vale. O pior cenário foi em Ilhota, onde o deslizamento do Morro do Baú deixou quase 50 mortos, sendo o epicentro da tragédia daquele ano.

Em relação à passagem de ventos, Santa Catarina também viveu outra tragédia em 2004 com a passagem do Furacão Catarina em março. Ao todo, mais de 27,5 mil pessoas ficaram desalojadas, 36 mil casas danificadas, além de 518 feridos e 11 mortos. Os prejuízos chegaram na marca de R$ 1 bilhão, sendo que 14 cidades decretaram estado de calamidade pública.

Ou seja: Santa Catarina sempre esteve na rota dos desastres climáticos. Mas ainda falta muito para que estejamos, de fato, preparados para lidar com essas tragédias.

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Os números do ciclone bomba em SC

-192 desabrigados;

-11.558 desalojados;

-112 feridos;

-2,3 milhões afetados;

-91.507 imóveis danificados;

-305 imóveis destruídos.

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