As forças da natureza fizeram de Santa Catarina o terceiro Estado do país mais impactado por danos materiais e prejuízos financeiros em um intervalo de duas décadas. Despesas provocadas por desastres naturais nas cidades catarinenses somaram R$ 17,6 bilhões entre 1995 e 2014. Entram nesse cálculo desde eventos extremos, como furacão, tempestades e inundações, até situações de seca e estiagem. (Veja dados no quadro abaixo)

Continua depois da publicidade

Só a indústria catarinense, a mais abalada do país por conta dos desastres, perdeu cerca de R$ 1 bilhão no período. O setor de serviços de SC também concentrou o maior prejuízo entre todos os Estados no segmento, com danos de R$ 1,5 bilhão. Os catarinenses ainda foram os que mais tiveram casas danificadas pelos fenômenos naturais: pelo menos 402 mil habitações sofreram algum tipo de dano em função dos desastres.

As informações estão reunidas no Relatório de Danos Materiais e Prejuízos Decorrentes de Desastres Naturais no Brasil, um levantamento elaborado pelo Centro de Estudos e Pesquisas em Engenharia e Defesa Civil (Ceped) da UFSC, com o apoio do Banco Mundial. A publicação, recém-divulgada pelo Ceped, considera informações relatadas pelos municípios aos Estados e à União — desastres ocorridos nos últimos dois anos ainda não constam no estudo.

Pesquisador do Ceped e organizador do relatório, o especialista em gestão de riscos de desastres Rafael Schadeck explica que a variedade de eventos frequentementes observados em Santa Catarina impulsiona a posição do Estado no cenário nacional. Registros de tornados, vendavais e granizo, por exemplo, são recorrentes e costumam fazer estragos moderados.

Mas os eventos mais convencionais, diz o especialista, geram números expressivos quando somados aos chamados “pontos fora da curva”, como o Furacão Catarina em 2004, o único já registrado na costa brasileira. Somente naquele ano, quase 100 mil casas foram danificadas. Também em 2004, Santa Catarina foi afetada por uma forte estiagem, que se estendeu até o ano seguinte, comprometendo os resultados na agricultura.

Continua depois da publicidade

Em 2008, outro período com desastres de proporções muito acima da média, mais de 80 mil casas foram danificadas no Estado. O ano foi marcado por uma tragédia com mortes, deslizamentos e inundações em novembro. Á época, prejuízos estimados em R$ 4,7 bilhões pelo Banco Mundial. Destes, R$ 1,4 bilhão apenas no setor habitacional. Joinville, Lages, Itajaí, Blumenau e Criciúma tiveram a maior quantidade de registros.

As inundações no Vale do Itajaí, em 2011, e no Vale do Itapocu, em 2014, além das ocorrências de granizo e de tempestades nas regiões Oeste e Serrana, em 2014, também são lembrados como eventos que provocaram picos entre as duas décadas analisadas.

—Tínhamos o objetivo de chamar atenção não apenas para os grandes eventos, mas para o somatório de todos eles. Santa Catarina tem 295 municípios que, em algum momento, apresentaram danos nesses 20 anos. Somos um Estado bem preparado, mas risco zero não existe. Há um perfil de perigo natural bastante significativo — aponta Schadeck.

Eventos relacionados ao excesso de chuva foram os mais frequentes em Santa Catarina no período analisado. Só as enxurradas somaram 907 ocorrências. Especialmente no Oeste, foram 823 casos de estiagem ou seca. Isto fez da agricultura do Estado a quarta mais prejudicada do Brasil durante os anos avaliados.

Continua depois da publicidade

Detalhamento dos dados influencia na colocação

O setor privado foi o mais afetado pelos desastres naturais, com custos de R$ 11,3 bilhões em 20 anos. Já o poder público catarinense teve prejuízos na casa de R$ 1 bilhão, entre instalações públicas de saúde, ensino, de prestação de serviços e de uso comunitário. A maior fatia impactou nos cofres públicos em 2014, quando o montante perdido chegou a R$ 203 milhões.

Embora não justifique a posição destacada de Santa Catarina no relatório, o organizador do levantamento entende que o detalhamento dos dados locais contribui para que os números de SC sejam mais precisos do que os de parte dos outros Estados.

—A pesquisa é retroativa, tem início na análise de anos atrás. Há algumas lacunas porque não se tinha o mesmo sistema de informação que existe hoje. Mas Santa Catarina sempre esteve um pouco à frente na organização dos relatórios, o que acaba por incrementar as quantidades de eventos registradas aqui – aponta Schadeck.

Localização e relevo atraem fenômenos

O que contribui para Santa Catarina ser cenário de tantos eventos naturais é a localização do Estado no globo terrestre, além das características do relevo catarinense. A explicação é do gerente do Centro de Informações de Recursos Ambientais e de Hidrometeorologia de SC (Epagri/Ciram), Hamilton Justino Vieira.

Continua depois da publicidade

A posição, segundo o especialista, é de latitude média, uma coordenada geográfica onde a ocorrência de fenômenos extremos é frequente e intensa. O relevo do Estado também é acidentado. Há altitudes de 200 metros no Extremo-Oeste, de até 1,8 mil metros em São Joaquim, e uma faixa litorânea extensa no nível do mar.

— Esse relevo, essa localização do nosso Estado faz com que ocorram esses fenômenos de uma maneira mais frequente e intensa — resume o gerente da Epagri/Ciram.

Outro motivo apontado por Vieira é mais fácil de entender: com a urbanização massiva do litoral catarinense nas últimas décadas, as ocorrências registradas na faixa litorânea do Estado, por consequência, passaram a atingir mais pessoas. Ou seja, se não houvesse tantas pessoas concentradas nas mesmas áreas, o impacto dos acontecimentos seria menos expressivo.

Prevenção e aperfeiçoamento

O que mudou da década de 1990 para os dias atuais, acrescenta Hamilton Justino Vieira, é a rede de informações disponíveis no Estado. Nesse intervalo, Santa Catarina criou um núcleo de meteorologia e hoje conta com cursos de formação na área na UFSC e no Instituto Federal Santa Catarina (IFSC). O banco de dados da Epagri, destaca Vieira, recebe informações de 230 estações meteorológicas, o que considera um dos mais completos do país.

Continua depois da publicidade

A expectativa do gerente da estatal catarinense é de que as novas tecnologias proporcionem formas ainda mais seguras de previsão e de prevenção no futuro. Mas as mudanças, reforça, precisam ir além.

—Outra questão deve ser abordada nesse sentido, como os planos diretores dos municípios. Onde a ação humana deve ser permitida, onde devemos construir nossas casas, que tipo de arquitetura é aconselhada, qual engenharia. São questões a evoluir nos próximos anos — avalia.

Tragédia deixa lições e ações de prevenção estão em andamento

A sequência de eventos registrados em Santa Catarina em 2008, quando enxurradas, deslizamentos e inundações provocaram o pior desastre natural da história do Estado, também deixou lições. Uma delas foi a retomada de estudos voltados à região do Vale do Itajaí, considerada uma das áreas mais vulneráveis em SC.

Pesquisas iniciadas na década de 1980 pela Agência de Cooperação Japonesa (Jica) ganharam as atenções da Defesa Civil do Estado, que foi elevada ao patamar de secretaria de governo somente em 2011. Amparada nos estudos da agência, a secretaria anunciou nove pacotes de obras voltadas à bacia do rio Itajaí-Açú em 2013.

Continua depois da publicidade

Entre ações já concluídas estão as ampliações das barragens de Ituporanga e Taió, além da instalação do radar meteorológico de Lontras. Construções de outras barragens estão em andamento. O secretário-adjunto da Defesa Civil, Fabiano de Souza, diz que há estudos em avaliação para que ações semelhantes se repitam em outras regiões de Santa Catarina.

A documentação está na fase de formulação dos termos de referência, que são obrigatórios antes do lançamento das licitações. São obras estruturantes, diz Souza, planejadas para minimizar os desastres.

—Por mais importantes que sejam as obras, estaremos falando sempre de minimização de desastres. O homem não tem controle sobre as forças da natureza. É necessário que ocorram outras medidas em paralelo às ações estruturantes — aponta.

O secretário-adjunto se refere à comunicação e ao monitoramento das condições adversas. Hoje, o Estado ainda não tem radares meteorológicos para cobrir sozinho todo o território catarinense – o equipamento em Lontras abrange 77% de SC. Como o radar do Oeste está na fase final de implantação e o radar móvel do Sul está em fase de produção, a expectativa é de que ambos entrem em operação até junho.

Continua depois da publicidade

Sem ponto fixo, o aparelho na região Sul terá cobertura de 52 municípios. Já o equipamento instalado em Chapecó, além de garantir a cobertura das demais áreas de SC, poderá monitorar o Sudoeste do Paraná, o Noroeste do Rio Grande do Sul e parte da Argentina.

—Teremos a visão de todos os eventos que vêm dessas regiões antes de entrarem em Santa Catarina para nos anteciparmos — reforça Fabiano de Souza.

Novo sistema de comunicação previsto para 2017

A relação entre a Defesa Civil do Estado e os órgãos municipais também deve mudar dentro de alguns meses. Hoje, os principais contatos são feitos por telefone, e-mails ou por intermédio dos coordenadores regionais. O plano é de que, a partir do segundo semestre, um novo sistema de comunicação e a ativação do Centro Integrado de Gestão de Risco e Desastres concentre as principais informações voltadas à prevenção e à resposta aos desastres. O prédio está em construção no bairro Capoeiras, em Florianópolis.

A estrutura deverá reunir representantes de diferentes instituições do Estado, contando com serviços de monitoramento e alerta, meteorologia, hidrometeorologia, geologia, mapeamento de áreas de risco, planos emergenciais, entre outras ações.

Continua depois da publicidade

Outra medida, voltada ao cidadão, pode ajudar a minimizar os impactos dos desastres ambientais já nas próximas semanas: desde quarta-feira, moradores de 20 cidades catarinenses podem se cadastrar para receber alertas de desastres da Defesa Civil via SMS no celular. É possível cadastrar mais de um endereço informando os CEPs desejados em mensagem para o número 40199. Não há custo.

O novo serviço entra em teste a partir de terça-feira e segue por quatro meses. Depois, deve ser ampliado para todo o país.