Toda noite, quando vai dormir, Pedro Paulo Amorim deita numa daquelas cama box que parecem abraçar a pessoa. Antes, curte a televisão de LED 3D de 52 polegadas. O mestre de obras diz que tem muito mais conforto do que sequer chegou a sonhar na juventude. O nível de vida é compatível com o salário de R$ 5 mil, mas impensável para um filho de carroceiro, neto de agricultor e que deixou a escola aos 10 anos para ajudar o pai a puxar cargas de terra em Florianópolis.

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E o homem que nem terminou o primário virou mestre. No canteiro de obras em São José, 65 funcionários se reportam ao Mestre Pedrão, nome escrito no capacete branco. Como os detentores deste título, ele recebe o suficiente para se enquadrar na classe B. A ascensão de Pedro não é um movimento isolado. Enquanto o Brasil caminha para ser país da classe C, Santa Catarina está na direção de uma maioria classe B.

Pesquisa do IPC Maps mostra que 40,6% dos domicílios catarinenses estão neste nível, índice atrás só do Distrito Federal. A renda média familiar desta classe B é de R$ 4.267,53 mensais. A melhora é consequência da estabilidade econômica, garantia de emprego e aumento de crédito, afirma Marcos Pazzini, diretor do IPC Maps. O instituto mede a classe social pela escolaridade do chefe da família e os bens de consumo: televisão, máquina de lavar, geladeira, freezer, etc.

Não ter medo de perder o emprego e a facilidade para pegar dinheiro emprestado levam à ascensão social por incentivar a compra destes produtos. Pazzini explica que estas condições são iguais em todo o Brasil, mas Santa Catarina se sobressai por ter uma população mais escolarizada, agronegócio forte e parque industrial desenvolvido.

Mestre Pedrão nasceu em Ituporanga e se criou na Grande Florianópolis. A mudança ocorreu porque o pai não via futuro em puxar barro para as olarias. Só que o endereço novo não significou oportunidades. O sustento permaneceu vinculado à carroça, que agora puxava terra.

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O então menino Pedro entrou no ramo aos 10 anos, quando a asma e a bronquite fizeram o serviço ficar pesado demais para o pai, Antônio João Amorim. Nestas condições, se tornar pedreiro quando completou a maioridade pode ser considerado evolução. Mas ele ainda era peão quando perdeu o pai e passou a sustentar cinco irmãos mais novos.

Passados 31 anos, o homem embaixo do capacete branco coordena a construção de 436 apartamentos no maior empreendimento que a AM Construções já fez. A ascensão rendeu um prédio de três andares em São José e, como todo pai sonha, mestre Pedrão deu uma vida mais fácil aos filhos. A melhora no padrão de vida também gerou confortos a ele próprio. Prova disso é a casa na Praia de Fora, em Palhoça. Nas duas casas, um dos programas preferidos é assistir aos telões de mais de 50 polegadas.

O diretor do IPC Maps diz que as condições econômicas permitem que histórias como a de mestre Pedrão se repitam até o final da década. A principal condição é que os aumentos de salários acima da inflação continuem, afirma Eduardo Terra, vice-presidente do Instituto Brasileiro de Executivos de Varejo e Mercado de Consumo (Ibevar).

Mas o diretor do IPC Maps ressalta que a ascensão social para a classe B em SC continuará, mas em menor velocidade do que a observada nos últimos anos. O motivo é que há menos espaço para melhorar. Pedrão também parece ter pouco a avançar, mas já fez muito mais que sonhava. Em abril, passou 15 dias na Europa. Passou por Holanda, Inglaterra e França fazendo todo o roteiro turístico tradicional e impensado uma década atrás.

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Mais serviços e produtos no novo cardápio

Sempre que o Brasil melhora de vida, alguns produtos se tornam símbolos do novo padrão. O iogurte virou celebridade nos carrinhos de supermercado quando o plano real derrubou a inflação em 1994. Agora, que caminha para ser um Estado classe B, SC vive algo semelhante, informa o Instituto Brasileiro de Executivos de Varejo e Mercado de Consumo (Ibevar).

Ao cruzar a fronteira da classe C com a classe B, as pessoas investem principalmente em planos de saúde e educação, afirma Eduardo Terra, vice-presidente do Ibevar. Também há grande impacto no setor de serviços, porque o aumento da renda familiar está atrelado à mulher trabalhar. Com isto, tarefas que décadas atrás eram atribuições femininas são feitas fora de casa. Hoje, não se vê mais dona de casa pintando as próprias unhas, arrumando o cabelo, fazendo a barra das calças.

A mudança de hábito leva a sociedade a algo conhecido como modelo americano. Eduardo ressalta que não existe mais o chefe de família que executa consertos domésticos. As tarefas do casal são terceirizadas. Isto explica o florescimento de salões de beleza, lavanderias, serviços de delivery e até o surgimento do marido de aluguel _ profissional que troca mangueira do gás, chuveiro, instala antena de TV, etc.

O vice-presidente do Ibevar reforça que o aumento do orçamento está ligado à maior dedicação ao trabalho e ao menor tempo para as tarefas diárias. Por este motivo, as famílias investem em eletrodomésticos que facilitam o dia a dia como máquinas de lavarlouça e roupas.

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O diretor do IPC Maps, Marcos Pazzini, conta que ao se tornar mais classe B, o Estado vê o aumento da diversidade de produtos comprados, porque com o ganho na renda os itens de primeira necessidade _ alimentação, transportes, vestuário e calçados _ abocanham menor parte do salário. O que está sendo visto em SC é um novo patamar de vida que engloba viagens, lazer, carros, academia e aulas de idiomas.

Desafios para as empresas

A mudança em andamento no perfil de consumo catarinense se traduz em oportunidades e desafios para as empresas, afirma Otto Nogami, professor de economia do Instituto Insper. Ele declara que o êxito passa por identificar o que o mercado deseja e se adaptar a estas novas necessidades.

O passo inicial é descobrir o conteúdo das mudanças, tarefa que deve tomar algum tempo porque exige pesquisas para saber qual será o comportamento das pessoas que evoluíram para a classe B. Certo é que será estabelecido, uma atualização do mix de produtos que o público quer e o novo patamar de preços que aceita desembolsar.

O professor do Insper ressalta que são abertas oportunidades para empreendedores. Acrescenta que os grande grupos que têm sede em SC precisam se moldar aos novos panoramas. Ele cita Blumenau, que tem uma expressiva indústria têxtil que enfrenta concorrência internacional. Nogami aponta a maior de todas, a Hering, como exemplo de adaptação. Fabricante de camisetas, ela reposicionou a marca e hoje há lojas próprias em shoppings para atender ao público de maior poder de compra, ou seja, a classe B.

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Aprender é prioridade

A nova classe B quer aprender. A pesquisa do IPC Maps mostra que, neste ano, R$ 983,4 milhões devem ser gastos com matrículas e mensalidades em aulas de todos os tipos pelos catarinenses que integram este grupo. Com mais dinheiro, as famílias investem em educação, dando condições de os filhos disputarem bons empregos. Assim, a próxima geração mantém o nível de renda e perpetua a ascensão social, afirma o economista Claudio de Moura Castro, que foi diretor-geral da Capes, órgão de incentivo ao ensino superior do governo federal.

Ele diz que o investimento é um excelente negócio porque mais educação leva a melhor renda. Taynara Kammers da Silva, 20 anos, segue este conselho e todo mês desembolsa R$ 1,2 mil com ensino superior. Ela está terminando o curso de Cosmetologia Estética e já emendou uma pós-graduação em Estética Facial e Corporal. Desta maneira, passa 107 horas em sala de aula a cada mês. Quando estiver com os diplomas embaixo do braço, pretende fazer Nutrição e Enfermagem.

Taynara espera que, no longo prazo, esta dedicação se materialize em um bom emprego e uma boa reputação no mercado. Se tudo acontecer como prevê, a garota que saiu de Angelina aos 17 anos para estudar terá sua clínica de estética ou vai trabalhar com um cirurgião.

Pesquisa da FGV mostra que Taynara está certa, porque cada ano de estudo significa salário até 15% maior. Moura Castro conta que as famílias perceberam que a escolaridade funciona como um filtro e os bons empregos exigem qualificação. Por este motivo, a maior preocupação dos pais é garantir que os filhos frequentem boas escolas.

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A procura por profissionais com mais escolaridade ocorre porque a lógica empresarial reserva as melhores remunerações àqueles com maior produtividade, o que está ligado a educação. Num cenário com muita mão de obra qualificada, o pior que pode acontecer a uma pessoa é não ter ensino. Neste caso, ela será a última opção de contratação e a primeira a ser dispensada nos momentos de crise.