O dever dos pais é proteger os filhos contra todos os perigos, inclusive vacinar contra doenças. Parece fácil, mas em uma família de quatro filhos a tarefa demanda dedicação e organização. É o caso de Rejane Duarte Comelli, 37, que precisa coordenar pelo menos 76 vacinas em casa, incluindo apenas as 19 doenças para as quais o SUS disponibiliza imunização. O calendário oficial de vacinação ainda inclui doses que precisam ser pagas.
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Os três primeiros filhos de Rejane foram adotados. Hoje eles têm oito, 14, 17 e 19 anos e todos estão com carteira de vacinação em dia.
— Quando meu marido e eu conseguimos a guarda deles, a Maria Eduarda que hoje está com 14 anos era recém nascida, o Simon que está com 17 tinha só três e a Sara cinco. A gente não sabia se eles tinham recebido vacinas. Foi uma corrida contra o tempo para dar todas as doses e quando chegava na hora todos choravam — conta.
Rejane diz que apesar da dificuldade de coordenar os três irmãos sempre ensinou que a “picadinha” era necessária para garantir o futuro. A mãe revela que fazia até algumas negociações, como por exemplo, a promessa de um gibi para quem não chorasse.
Entretanto, os dados do Sistema de Informações do Programa Nacional de Imunizações (SIPNI) indicam que nem todos compartilham da preocupação da Rejane. Isso porque apenas a vacina da Hepatite B atingiu 95% do público alvo até o momento em SC, o restante está abaixo dessa meta estabelecida como mínimo pelo Ministério da Saúde. O percentual vale para praticamente todas as doses, com exceção da BCG e Rotavírus que é de 90%.
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Uma das preocupações atuais é com dose da tetra viral, capaz de imunizar contra o sarampo, caxumba, rubéola e catapora. A cobertura neste período é de 77,66%, ela é indicada para crianças a partir de 15 meses de idade. Esse dado é especialmente preocupante pois o Brasil vive um surto de sarampo em São Paulo e Santa Catarina possui 15 casos importados da doença, todos de pessoas com histórico de residência e/ou deslocamento no período de exposição para SP.
O médico infectologista da Diretoria de Vigilância Epidemiológica (Dive/SC), Luis Escada, explica que a queda nos índices vacinais é preocupante. Ele ressalta que as vacinas foram responsáveis por mudar a expectativa de vida das pessoas.
— Quem não toma vacina traz um risco a sociedade. É egoísta. Manter a carteira de imunização em dia é um ato de cidadania — comenta Luis.

Quem não vacinar pode ser penalizado
O artigo 14 do Estatuto da Criança e do Adolescente prevê como obrigatória a vacinação das crianças nos casos recomendados pelas autoridades sanitárias. Em julho deste ano, este artigo foi utilizado pelo Tribunal de Justiça de Santa Catarina como embasamento para a decisão de obrigar um casal que mora em Rio do Sul a vacinarem os filhos.
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O advogado e diretor da comissão de saúde da OAB, Wilson Kroner Campos, explica que os pais que se recusam a vacinar os filhos podem ser responsabilizados legalmente no plano civil, com perda eventual da guarda e criminalmente se for o caso. Ele cita o abandono de incapaz, artigo 133, cujas penas vão de detenção de seis meses e em caso de morte reclusão de quatro a 12 a 15 anos. Há ainda a previsão do artigo 136, que aborda a questão dos maus-tratos, onde o texto descreve essa situação como “expor o perigo a vida ou a saúde da pessoa sobre sua autoridade guarda ou segurança”.
— Quando não há essa vacinação a criança fica exposta a um perigo, portanto existem sim repercussões penais.
No caso dos maus ratos a pena é de detenção de dois meses, mas se houver lesão corporal grave por exemplo, como a paralisação da função de um membro pode levar a pena de reclusão de 1 a 4 anos e se resultar em morte de 4 a 12, com aumento de 1 terço da pena se a criança for menor que 14 anos — diz Campos
Há 10 anos a lei estadual no 14.949 prevê como obrigatória a apresentação da carteira de vacinação atualizada para realização da matrícula na rede pública e privada de ensino do Estado de Santa Catarina. A legislação específica que a apresentação do documento é obrigatória até a nona série do ensino fundamental.
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O advogado comenta que as escolas têm também o dever de proteger as crianças da proliferação de doenças.
— As escolas e creches podem negar a matrícula, mas eu diria que o recomendado seria em um primeiro momento seria fazer a matrícula e condicionar a sua efetivação a apresentação da carteira de vacinação regularizada — diz Kroner.
Entretanto o representante da OAB também destaca o papel do Estado como provedor de um serviço de qualidade, garantindo o acesso a imunização para todos.
— A Constituição Federal no artigo 227 é clara em dizer que o Estado deve manter o posto com as vacinas em dia, com carga suficiente para atender a demanda e com horários de funcionamento que cubram períodos possíveis para que as pessoas possam se imunizar. Se for comprovado que isso não ocorre em uma ação de indenização, eles podem responder por alguma lesão causada a criança — conclui o advogado.
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O que diz o poder público
Governo federal
O Ministério da Saúde promove duas campanhas anuais de vacinação, junto com Secretarias de Saúde de Estados, municípios e Distrito Federal. São as campanhas da gripe, realizada no primeiro semestre, antecedendo o período mais frio do ano, e de atualização da caderneta de vacinação. Além disso, a cada quatro anos, todas as crianças menores de cinco são também alvo da campanha de vacinação contra o sarampo.
Estado
O governo do Estado tem suas atividades de vacinação coordenadas pela diretoria de Vigilância Epidemiológica (Dives/SC) que segue as diretrizes do Ministério da Saúde. Entre elas, na quinta-feira (22) adotou uma nova iniciativa contra o sarampo, aplicando a chamada “dose zero” em todas as crianças com idade entre seis e 11 meses de idade. A Dive indica que todos mantenham a carteira de vacinação em dia e em caso de perda do documento ou incerteza sobre a imunização a recomendação é procurar o posto de saúde mais próximo.
Município
Florianópolis concentra 10 dos 15 casos registrados de sarampo no Estado, sobre o assunto informou que a vacinação está entre as prioridades dos centros de saúde, onde as equipes serão orientadas a manterem as salas de vacinação abertas durante todo o horário de funcionamento dos postos. Informou ainda que paralelo a isso, segue o trabalho de bloqueio imunológico realizado pela Vigilância Epidemiológica, que tem ido aos lugares onde há casos suspeitos e realizado a vacinação das pessoas que possam ter tido contato com indivíduo contaminado.
Entrevista: "Todas as vacinas têm eficácia comprovada"
David Everson Uip é considerado um dos maiores especialistas em doenças infecciosas do Brasil. Ele falou sobre a importância da vacinação.
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Como profissional da área da saúde a que o senhor acha que se deve a rejeição da população a vacinas? Há algum fator que pode ter contribuído de maneira mais expressiva para o crescimento deste movimento?
As notícias falsas ou fake news tiveram um papel fundamental para propagar essa ideia. Hoje a população busca conhecimento na internet e se depara com uma série de informações e passa a acreditar nisso, apesar de todas evidências científicas. É algo incompreensível, pois não é apenas o público geral, também temos médicos e profissionais da saúde que acreditam nisto. É inexplicável.

Como o senhor avalia a cobertura proporcionada pelo Calendário Nacional de Imunização do Sistema Único Saúde?
O Sistema Único de Saúde (SUS) oferta 19 vacinas para mais de 20 doenças e é um dos mais completos do mundo. Acredito que um dos poucos pontos para melhoria é a inclusão da vacina conjugada contra meningite (ACWY) e contra Meningite B. Entretanto, em relação ao calendário é fundamental que a população entenda que ele foi criado para manter todos protegidos, não apenas um indivíduo. É antidemocrático não se vacinar.
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Boa parte da argumentação do movimento anti-vacina está torno da eficácia delas. É possível realmente apontar motivos para isso?
Não, todas as vacinas têm eficácia comprovada cientificamente acima de 95% para todas as doenças e são essenciais para a população. A exceção a esse percentual é a BCG, que imuniza contra tuberculose, a margem de proteção dela é bastante elevada para o público infantil: acima de 90%, porém pode variar contra a tuberculose pulmonar, mais frequente em adolescentes e em adultos tem variado de 0% até 100%, com grande diferença entre países. Por isso, o reforço desta imunização não é mais obrigatório.