Das canoas vieram as pranchas. Eram pesadas, de madeira, nada parecidas com as que vemos hoje debaixo dos braços dos surfistas. Quando polinésios e peruanos inventaram o esporte, muito mais relacionado na época com a espiritualidade, jamais imaginavam que haveria um tempo em que viraria febre pelas praias do mundo. O Brasil ainda vivia sob domínio português.

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Saltando no tempo, para 1912, um nadador havaiano, sem querer, passou o recado à todos. Campeão olímpico em Estocolmo, Duke Kahanamoku, disse nas entrevistas que treinava no mar, mas não nadando e sim, sobre a prancha. Surgia aí o que conhecemos como surfe. Espalhava-se a notícia e já nos anos de 1940, com a popularização na costa da Califórnia e na Austrália, a prática de deslizar sobre as ondas alcançou o mundo. A brincadeira era divertida e não distinguia classe social. As décadas seguintes foram de aperfeiçoamento dos materiais utilizados.

Os dourados anos 1970

Trinta e poucos anos se passaram até que o nível do surfe se aproximasse mais do que estamos acostumados a ver hoje em dia. Com a revolução "paz e amor" e a consciência humana mais elevada dos anos 1970 veio o interesse maior pela cultura de praia, ajudando a difundir o esporte pelos quatro cantos do mundo. Não era mais algo desconhecido. Criminalizado por alguns que insistiam em chamar de vagabundos os que passavam os dias no mar, entretanto não podia ser ignorado o fato de que a tendência do aumento de pessoas nessas condições era inevitável. Surfe relaxa.

Nestes anos o Brasil passou a fazer parte da rota surfista de vez. Cariocas e caiçaras do litoral norte de São Paulo, inicialmente, tinham em seus quintais as melhores condições para levar adiante a brincadeira, até que grupos mais audaciosos vindos do Rio de Janeiro, São Paulo e Rio Grande do Sul se depararam, em viagens, com as mais de cem praias propícias para dropar as ondas no litoral catarinense. Nos "anos rebeldes", Santa Catarina era quase intocada e a cada curva de estrada de terra que se avistasse o mar a sensação, para os amantes do surfe, era de ter encontrado o paraíso ainda em vida. Qualquer um destes cenários tinha uma particularidade em comum: ondas perfeitas e sem "crowd".

SC ecoa para o Brasil surfista

Ao final dos anos de 1970 o litoral catarinense tinha muitos sotaques. Oriundos de outros estados, surfistas de alma haviam se mudado para cá em busca da tão sonhada qualidade de vida e da proximidade com o mar. E que mar! Os locais, então, começaram a se sentir invadidos, dando início ao que conhecemos por localismo, ato de repudiar quem não é nascido e criado em determinada praia. No entanto, já não era mais possível conter a migração por este motivo. A notícia de que Santa Catarina tinha boas condições de ondas em qualquer época do ano já havia percorrido quilômetros país afora. Qualquer época do ano devido ao recorte litorâneo, acidentado, proporcionando boas ondas em quaisquer ventos e ondulações, dependendo da posição da praia em relação ao mar e às montanhas.

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Já nos anos 1980, locais até então virgens, como Guarda do Embaú, algumas praias de Garopaba, Imbituba e Farol de Santa Marta se acostumavam com o turismo causado pelas pranchas. Florianópolis sediou, em 1986, o primeiro campeonato mundial de surfe do estado, abrindo de vez a praia da Joaquina ao globo. O esporte virou parte do cotidiano do catarinense com força total.

Reforçando esta tese, o manezinho Arnaldo Bittencourt conta que cresceu vendo familiares surfarem. Ganhou a primeira prancha do pai e da avó quando tinha sete anos, mas passou a ir com frequência à praia quanto completou treze.

— Morávamos na Lagoa. Eu e meus amigos chegávamos da escola e, antes de almoçar, eu corria com as tarefas pra depois de comer ir para a praia. A gente pegava carona para a Joaquina. Nós crescemos ali e nas férias eu ia para a casa do meu avô, no Farol de Santa Marta, e passava o verão todo em cima da prancha — acrescenta ele, aos trinta e seis, surfando sempre que o tempo de folga lhe permite.

— O surfe é tudo, é uma forma de estar em contato com a natureza e se você consegue conciliá-lo com o trabalho é melhor ainda. Hoje todo mundo quer surfar, há brasileiros campeões mundiais, o que ajudou a fazer com que as pessoas tenham vontade. Santa Catarina é o melhor estado pra isso. Acho que nenhum outro tem essa regularidade, qualidade e variedade de ondas. É só chegar devagar nos lugares, com respeito, que há espaço — completa o supervisor de marketing.

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O fotógrafo paulista Marcio David, radicado em Florianópolis há vinte anos, tempo que dedica sua vida essencialmente ao surfe, seja no trabalho ou para o relaxamento e diversão, foi trazido para a capital catarinense pela vontade de estar junto ao mar. Já havia feito viagens à Guarda do Embaú e lembra que foi ali que a vida começou a tomar um novo rumo e que a paixão pelo litoral catarinense ia além dos dias destinados aos passeios.

— Quando fiz uma trip com meus amigos para a Guarda tive a oportunidade de conhecer, também, Florianópolis e vi que a ilha tinha o que eu buscava em qualidade de vida, em sair do meio urbano excessivo de São Paulo e, claro, a qualidade das ondas — diz David, ou Mes, como é conhecido.

Com vasta experiência no litoral de Santa Catarina, Marcio aponta praias como Prainha, em São Francisco do Sul, Brava, em Itajaí, cita Navegantes, Moçambique e Joaquina, em Florianópolis, Guarda do Embaú, em Palhoça, Silveira, em Garopaba, praia da Vila, em Imbituba e praia do Cardoso, no Farol de Santa Marta, como locais que gosta de fotografar, cada um com suas peculiaridades.

— O estado catarinense é riquíssimo em surfe e proporciona cenas únicas, pelas ondas e geografia. É um dos melhores estados, senão o melhor estado do Brasil para a prática do surfe. Temos todas as condições em qualquer dia — completa o fotógrafo, que já percorreu Austrália, Indonésia e Havaí, entre outros points de surfe mundiais a trabalho.

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