As comemorações do Dia do Trabalho ocorrem em um momento em que inflama o discurso de uma ala de economistas de que o pleno emprego é o vilão da inflação. Diante da escassez de trabalhadores, as empresas estariam arcando com salários mais altos para recrutar funcionários, criando um ciclo de repasse de custos que chega ao bolso do consumidor.

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Conforme esses economistas, em geral defensores de uma economia com pouca intervenção governamental, os reajustes coletivos têm alimentado a roda da alta dos preços – prevendo um dragão mais agressivo, os empregados pedem reajustes acima da inflação passada, e as empresas repassam esses custos ao consumidor.

A vacina seria aumentar as taxas de juros e restringir a oferta de crédito para resfriar a economia. Como consequência final, o desemprego aumentaria. A boca do dragão se abriu um pouco mais em março, quando o índice usado como referência no regime de metas, o IPCA, chegou a 6,59% em 12 meses, acima do limite de 6,5%.

– Quando você tem uma inflação que ameaça a economia, pode se buscar a redução do emprego. Mas é uma medida dura, que dificilmente o governo pagaria o preço político para adotar – afirma José Pastore, sociólogo e especialista em relações do trabalho da USP.

A tese enfrenta duras críticas – às quais se alinha a opinião da presidente Dilma Rousseff. Em Porto Alegre, no dia 12 de abril, Dilma chamou de “equivocados” os economistas que defendem o aumento do desemprego como controle da inflação – detalhe é que um dos defensores da tese, Yoshiaki Nakano, é conselheiro econômico da presidente.

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– Tem muita gente que fica dizendo por aí que nós temos que reduzir o emprego. Muita também não é, é pouca, mas faz barulho. Essa gente está equivocada – disse Dilma.

A bandeira do emprego e da renda é uma das principais de Dilma, assim como foi de seu antecessor, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Em razão do aquecimento da economia interna, a desocupação no Brasil vem em queda nos últimos quatro anos. No final do ano passado, fechou em 5,5% conforme o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE). Em março deste ano, ficou em 5,7%.

Especialista em mercado de trabalho e professor da Unicamp, Anselmo Luis dos Santos alerta que este número não indica uma escassez de trabalhadores, pois considera também empregados em situação informal, que podem ser recrutados formalmente pelas empresas se houver necessidade de reforçar suas linhas de produção. Conforme Anselmo, o levantamento do IBGE engloba as regiões metropolitanas, desconsiderando o desemprego no interior dos Estados.

– O Brasil ainda tem seis milhões de desempregados e um salário mínimo que é um terço do argentino, por exemplo. O que ocorre é que agora os salários, que passaram quase três décadas sem crescimento real, passaram a subir, despertando a reação de empresários e do mercado financeiro, que também quer um juro mais alto – afirma o especialista.

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Quem quer diminuir as vagas

O perfil: economistas identificados com a linha ortodoxa neoclássica, que defendem a estabilidade da moeda e a baixa intervenção do governo na economia

José Pastore, sociólogo e especialista em relações do trabalho, professor aposentado da Faculdade de Economia e Administração da USP

“Existe a opção de aumentar a produção para que a oferta fique abundante ou aumentar a produtividade para baixar o custo do trabalho. Mas essas duas opções, em geral, são lentas. Então, a primeira alternativa seria buscar a redução do emprego. Isso reduz a pressão sobre o consumo e a inflação. No Brasil, os salários e benefícios estão crescentes, mas não são acompanhados pela produtividade. O trabalhador brasileiro produz 20% do americano, por exemplo. Seria uma medida amarga, mas, se a inflação continuar subindo, o governo terá de frear o emprego para não deixar corroer o poder de compra.”

Alexandre Schwartsman, consultor econômico, ex-diretor do Banco Central e ex-economista-chefe do Grupo Santander Brasil

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“O mercado de trabalho está muito apertado, com aumento salarial muito superior à produtividade. Setores que podem repassar esse custo, como o de serviços, têm feito isso, e então a inflação fica persistentemente alta. O governo poderia aliviar a pressão da inflação reduzindo o gasto público, mas não vai fazer isso. A saída é por política monetária (como as taxas de juros). A inflação (em 12 meses) chegou a 6,59% em março mesmo com uma série de desonerações pontuais do governo, e a inflação está acima da meta. E o estímulo à alta de preços não decorre apenas de um choque de ofertas dos alimentos, há um índice de difusão alto.”

Quem combate a proposta

O perfil: economistas alinhados às escolas heterodoxas, para os quais o governo deve utilizar seus mecanismos econômicos para perseguir a igualdade social

Luiz Gonzaga Belluzzo, professor do Instituto de Economia da Unicamp e conselheiro informal da presidente Dilma Rousseff

“O governo tem de equilibrar sua política monetária para não deixar a inflação sair do controle, mas tem que ir devagar, tentando reformar a economia e retirar os resquícios da alta inflação, como os indexadores de financiamentos e renegociações contratuais. A curto prazo, não irá conseguir jogar a inflação no centro da meta, a não ser que cause desemprego, mas o efeito seria muito forte. A questão da inflação no Brasil envolve corrigir os desvios. A política de metas de inflação tem como fundamento a ideia de que é possível coordenar as expectativas de trabalhadores e empresários, de que o Banco Central irá reagir se excederem em suas demandas. Na Alemanha, por exemplo, empresários e trabalhadores fazem a renegociação independente de juros e meta da inflação.”

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Luiz Augusto Estrella Faria, especialista em mercado de trabalho e pesquisador da Fundação de Economia e Estatística

“Aumentar o desemprego é sempre a pior opção, pois tem custo social alto. A inflação tem sido causada por alguns choques de oferta em razão de safra agrícola e pelo setor de serviços, que jogou os preços para cima ao perceber aumento do consumo. A alta nos custos das empresas é resultado de reajuste das matérias-primas e os salários, mas a alta dos salários é um bom sinal para a economia. Quando se fala em produtividade estagnada, é preciso lembrar que isso também ocorre por falta de investimento dos empresários em máquinas e tecnologia. Se for achar um culpado pela inflação e as expectativas de que a alta de preços prosseguirá não é o trabalhador, mas o empresário que está jogando o preço para cima.”