Deixar a escola, a casa dos pais, a cidade, a empresa ou um relacionamento são atitudes cotidianas e inerentes ao desenvolvimento humano. Embora sejam comuns, isso não as torna menos complexas. A tomada de decisão é uma tarefa difícil e, muitas vezes, dolorosa. Um exemplo recente foi o anúncio da saída do camisa 10 do Inter, Andrés D?Alessandro, que surpreendeu colorados e gremistas. Depois de mais de sete anos de dedicação ao clube, o meia argentino decidiu voltar para casa e disputar a Libertadores da América pelo time que o lançou, o River Plate. Sem segurar o choro durante a coletiva de imprensa que confirmou sua saída, o craque declarou:
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– É verdade, estou saindo do clube, por um desejo meu. Não é fácil. Ainda não acredito na minha saída, acho que vai cair a ficha hoje à noite.
Independentemente de paixões futebolísticas, muita gente deve ter se identificado com o momento vivido por D?Alessandro: aquele que faz a pessoa parar e repensar a sua trajetória. É nessa hora que é preciso colocar a história e as expectativas na balança para pesar se é ou não a hora de sair.
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Deixar para trás algo ou mesmo alguém requer muito mais do que coragem. Para enfrentar a decisão numa boa e com menos risco de se arrepender, especialistas fazem coro ao dizer que o autoconhecimento é a peça fundamental para que essa engrenagem funcione. Eles são enfáticos ao recomendar que, antes de dar um basta em algum aspecto que não vai bem, é preciso analisar a situação sob diversos espectros e ter consciência de que uma escolha pode refletir na vida de outras pessoas, em sentimentos e até no bolso.
Quando é melhor sair
Apesar de sutis, muitas vezes as pessoas emitem sinais que permitem perceber quando algo não vai bem. São alterações no comportamento, nos sentimentos e, inclusive, reações psicossomáticas – aquelas que têm fundo emocional, mas mexem na condição física. Seja no trabalho, nos relacionamentos ou no uso das redes sociais, esses indicativos devem servir de alerta para que o indivíduo possa parar, repensar e considerar a possibilidade de mudanças. Saiba como identificá-los e como buscar orientação para bater o martelo com convicção.
EMPREGO
Sua produtividade no trabalho anda em baixa? Você conta os minutos para ir embora desde a hora em que põe os pés na empresa? A impaciência com os colegas faz parte do seu dia a dia? Se essas questões lhe soam familiares, talvez seja o momento de cogitar a possibilidade de sair do emprego.
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– A pessoa acaba demonstrando esses sinais de desgaste, e os outros percebem.
Às vezes, no ambiente organizacional, conta muito mais o que as pessoas percebem de você do que o trabalho que você realiza. Quando esse tipo de comportamento começa a aparecer, é preciso parar e avaliar – recomenda a psicóloga Ana Carolina da Silva, coordenadora do Escritório de Carreiras da PUCRS.
Falta de entusiasmo, estagnação e procrastinação são outros indícios de que é preciso pisar no freio e repensar a carreira. Sintomas físicos como febre, dores de cabeça e de barriga frequentes e outras reações psicossomáticas também devem ser considerados como alerta, afirma o presidente do Instituto Brasileiro de Coaching (IBC), José Roberto Marques.
Felicidade em primeiro plano
O perfil dos empregados contemporâneos mudou. Atualmente, as cifras recebidas ao final do mês nem sempre são determinantes para seguir ou não em uma empresa. As motivações internas encabeçam a lista de prioridades da chamada geração Y.
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– Nas gerações dos nossos pais, o emprego tinha como objetivo sustentar a família. Hoje, as pessoas querem ser felizes e buscam isso no ambiente de trabalho – aponta Ana Carolina.
– A causa raiz sempre é estar feliz com o que eu estou fazendo, comigo mesmo e com a minha família. Quando isso não está acontecendo, eu tenho esse movimento de saída. O dinheiro é uma parte, e posso garantir que não é a maior. Pode ser por um tempo, mas depois isso se vai – completa Marques.
Embora a insatisfação no trabalho atinja 72% dos brasileiros, conforme pesquisa realizada pela International Stress Management Association (Isma-BR), deixar para trás uma carreira não é uma decisão fácil. Preparar-se para esse momento é o mais indicado pelos especialistas. Para começar uma transição, é preciso que a área financeira esteja equilibrada, o que garante o pagamento das despesas pelo período em que se busca uma recolocação no mercado.
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– Se a pessoa quer a mudança, mais indicado é que comece a se organizar para juntar dinheiro e poder pagar as contas por pelo menos seis meses – indica Ana Carolina.
Entender as próprias aspirações e expectativas em relação ao emprego é fundamental para começar a trilhar um novo caminho dentro da profissão.
– É um processo muito interno, de autoconhecimento – diz a psicóloga Daniella Caletti, que trabalha com orientação de carreira e coaching de executivos.
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PROFISSÃO
Foram necessários 10 anos para que Kellen Munhoz, 33 anos, se desse conta de que deveria reavaliar o seu ramo de atuação. Depois de desistir de cursar Psicologia ao não passar no vestibular, decidiu ingressar em um curso técnico para se profissionalizar. Aos 19 anos, concluiu o curso de processamento de dados e ingressou no mercado de trabalho. A primeira chance veio com um cargo de auxiliar financeiro.
– Começaram a aparecer algumas oportunidades e fui aproveitando. Iniciei a faculdade de Administração, mas tranquei. Com 20 anos, arrisquei com um negócio próprio e, depois, retornei para a área financeira. Voltei como auxiliar, depois passei a analista e coordenadora – relembra.
Com as portas se abrindo, Kellen decidiu investir na área. Fez um curso de tecnólogo e especialização em gestão financeira. O esforço foi recompensado com o cargo de gerente financeira de um grupo de empresas. Nessa época, tentava conciliar as 14 horas diárias de trabalho com os filhos e a família.
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– Consegui evoluir muito, mas não estava contente e nem me realizando – diz.
A saída encontrada foi mudar de empresa em busca de motivações, e sequer a redução no salário foi empecilho. Passados dois anos e meio, Kellen procurou uma consultoria especializada para tentar uma recolocação no mercado. Foi quando a busca pela realização passou a ter um novo sentido.
– Durante esse processo, me aprofundei bastante na questão do autoconhecimento. Comecei a relembrar daquela vontade de trabalhar com e para pessoas, não com números. Descobri que era isso que eu queria fazer – relata.
Antes de deixar a carreira consolidada para trás, Kellen compartilhou a decisão com a família. Com o apoio do marido e dos filhos, planejou a mudança, apertou os gastos e investiu na nova área.
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– Não está sendo fácil até agora, mas é realizador – comemora.
Hoje, ela trabalha em parceria com a consultora que a orientou nesse processo de mudança de profissão e cursa Psicologia na Fadergs. Ela mesma coordena a sua agenda, que inclui trabalhar aos sábados e feriados, o que não parece incomodar:
– Nem sinto passar. Me vejo muito nas pessoas que eu tenho ajudado.
Procure ajuda especializada
Deparar com dúvidas sobre a vida profissional, assim como aconteceu com Kellen, é comum. A sugestão da psicóloga Ana Carolina da Silva é sempre buscar uma orientação especializada antes de mudar:
– Às vezes, as profissões fazem parte de uma fantasia. A gente não conhece bem a realidade.
Outra dica é procurar o máximo de informações sobre a nova carreira pretendida antes de tomar uma decisão. É importante conversar com quem trabalha na área, saber como são as rotinas, a remuneração e como está o mercado. Passar um dia acompanhando o profissional para ver de perto como é a prática também pode ajudar.
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Daniella Caletti alerta, ainda, que é preciso entender as causas da insatisfação:
– É preciso ter conhecimento interno e externo. É a profissão ou você que não está bem? Foi a profissão que te desmotivou ou foi algo em você? De onde vem o desconforto para fazer uma mudança?
CASAMENTO
Ainda mais complicado do que optar por sair de uma empresa ou de uma profissão
é decidir deixar um relacionamento, seja casamento, namoro ou amizade.
A complexidade dessas relações torna a decisão ainda mais dolorosa.
– Um casamento, e mesmo um namoro, é muito mais do que um acordo operacional entre duas pessoas. Envolve outras dimensões de necessidades emocionais, espirituais, não só da dupla, mas também das suas famílias e de seus grupos de amigos. É algo muito delicado e muito complexo – explica a psiquiatra Olga Garcia Falceto, coordenadora do Instituto da Família.
A médica afirma que a insatisfação é um dos primeiros sinais de que o relacionamento deve ser repensado. Embora nem sempre o descontentamento fique claro, é possível identificá-lo em pequenas mudanças de comportamento como comer demais, dormir pouco ou excessivamente, comprar muito ou inventar desculpas para fugir do enfrentamento com a relação. Outro sintoma dos relacionamentos doentes são as brigas constantes.
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– Os atritos sinalizam que algo está muito mal. No entanto, não significam o começo do fim. Em geral, o começo do fim é quando as brigas param e as pessoas se desinteressam uma pela outra, quando se desvitaliza a relação – diz Olga.
Além da indiferença, passar por longos períodos de sofrimento, promover tentativas de mudança e não obter sucesso também sugerem a hora de sair do relacionamento.
Segundo o doutor em psicologia e especialista em relacionamentos amorosos Ailton Amélio, as principais causas de separações no mundo são o sofrimento, o esvaziamento – quando a pessoa não representa mais nada para o outro – e a traição.
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No livro Casamentos – Por que Alguns Dão Certo e Outros Não?, de John Gottman – conhecido mundialmente por seus 40 anos de pesquisas sobre casamentos e divórcios -, o autor diz: “Se há uma lição que aprendi com meus anos de pesquisa é que um casamento duradouro resulta da capacidade de o casal solucionar os conflitos que são inevitáveis em qualquer relação”. Essa capacidade é o que Olga chama de discutir a relação, as famosas DRs:
– Os casais não desenvolvem a capacidade de discutir a relação.
Ao deparar com sinais de abalo, antes de colocar um ponto final, é bom conversar com pessoas próximas para buscar auxílio. Para Olga, o ideal é pedir apoio de amigos ou de pessoas mais velhas do círculo de convivência, evitando falar com pai e mãe – que tendem a tomar partido.
Na falta de alguém de confiança, a opção é procurar ajuda de um psicólogo ou terapeuta de casal, profissionais que estão capacitados a avaliar se é possível ou não refazer os pactos da relação. Se a terapia indicar que a melhor saída é o fim, é preciso preparar filhos, familiares, amigos e reorganizar o patrimônio, o que significa, invariavelmente, montar duas casas.
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Passada a tensão da decisão e da separação em si, ainda é preciso reformular as atividades cotidianas sem a presença do parceiro, reaprender a viver sozinho e vivenciar o luto.
– Na busca de um rápido alívio, muitas vezes as pessoas procuram substituir o sofrimento por algum objeto ou alguém, a fim de atenuar sua dor. Mas o luto é saudável e precisa ser vivido – alerta a doutora em psicologia Angela Helena Marin, especialista em terapia de casal e família.
Lidar com a sensação de fracasso também é algo comum nessa fase.
– Às vezes, não é um fracasso. Foi um grande sucesso até ali e, a partir daquele momento, já não satisfaz as necessidades de desenvolvimento de cada um daqueles adultos – ressalta Olga.
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“Eu senti uma indiferença”
Foi ao perceber que a sua relação com o marido já não satisfazia mais as necessidades de ambos que Andrea de Cassia, 36 anos, decidiu terminar o casamento que já durava 17 anos. A mudança de comportamento foi impulsionada pelo seu ingresso na faculdade, quando percebeu que a vida não se limitava à rotina doméstica de cuidados exclusivos com os filhos.
– As pessoas começaram a me ver de outra forma. Encontrei na rua algumas coisas que eu não tinha em casa, e que eram simples. Aquilo ali me fez parar para pensar: “Poxa, eu sou capaz de muito mais” – conta.
Apesar de ter apoiado Andrea e até ter financiado seus estudos, o marido percebeu a mudança no comportamento da mulher e passou a não aceitar a situação, o que desencadeou uma série de brigas.
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– Empurrei o casamento por dois anos para não sair da zona de conforto. Tudo isso passou pela minha cabeça: vou me arrepender, a solidão, os meus filhos, o financeiro, a vida que se constrói. Mas percebi que daquela forma não estava feliz – diz ela.
A decisão do fim foi tomada há dois anos, e partiu depois de Andrea não conseguir mais esboçar nenhum sentimento em relação ao então marido:
– Isso que mexeu muito comigo: olhar para uma pessoa e não conseguir sentir nada. Mesmo sendo pai dos meus filhos, senti uma indiferença.
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Depois do término, Andrea ainda teve de reaprender a viver sozinha e reorganizar a vida. Passou por uma depressão, recuperou-se, e hoje se vê como outra pessoa, muito mais consciente da suas capacidades e da sua força. Ao olhar para trás, não enxerga arrependimento por ter demorado para sair da relação:
– Foi o tempo certo. Consegui avaliar várias coisas, pesar se iria valer a pena ou se deveria tentar de novo.
Amizades também podem esfriar
Abrir mão de uma amizade é tão ou mais complexo do que deixar um namoro ou casamento. Caracterizada basicamente pelo sentimento de reciprocidade, uma amizade tende a ser abalada quando só um oferece e só um recebe.
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– É um contrato não escrito cujas cláusulas não são explicitadas – diz o psicólogo Ailton Amélio.
Para Olga, quando houver este desequilíbrio entre o que se dá e o que se recebe em troca, é hora de esfriar a relação.
– Se você não convida mais a pessoa para fazer alguma coisa, não a procura nas redes sociais, demonstra que não está mais interessado na companhia dela – exemplifica.
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REDES SOCIAIS
Conectada. Assim é a vida atual e é quase inevitável sair dela. É por isso que deixar uma rede social nem sempre é a melhor saída como forma de resolver os problemas.
– A gente não defende que uma pessoa saia das redes sociais. Temos acompanhado casos de pessoas que deletam o Facebook, mas não conseguem desligar do WhatsApp, por exemplo – comenta a psicóloga Aline Restano, membro do Grupo de Estudos sobre Adições Tecnológicas (Geat).
Segundo a especialista, se a pessoa percebe que o uso das redes sociais está provocando algum prejuízo ou sente-se em descontrole e pensa em desligar-se da rede, isso pode sinalizar um problema maior, que deve ser tratado com atendimento psicoterápico.
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A psicóloga do Núcleo de Pesquisas da Psicologia em Informática da PUCSP Luciana Ruffo concorda que a saída é uma medida paliativa para algo muito maior:
– Até posso sair, mas isso também impediria de olhar para a minha vida. Nem mesmo no caso de a pessoa se sentir diminuída diante de tanta felicidade postada nas timelines é o bastante para dar um basta na tecnologia.
– É comprovado que, quanto mais tempo a pessoa fica nas redes sociais, mais ela acha que a vida dos outros é melhor do que a dela. Portanto, interessa mais saber porque alguém está tantas horas em uma rede social do que simplesmente excluir esse comportamento. O ideal é buscar entender o que está desvalorizado na sua vida e porque está tão difícil investir nos relacionamentos reais – pondera Aline.
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Sinais como prejuízo no trabalho, na família, relacionar todas as experiências àquilo que foi visto na rede podem sugerir um excesso do uso. Novamente, deletar a conta não é o mais indicado, conforme Luciana:
– Isso vai controlar o comportamento, mas vai estourar em algum outro lugar. Tecnologia é como alguém que tem compulsão por comida, é preciso aprender a usar e não abandonar. O recomendado é encontrar o uso mais saudável.