Conheça um grupo que medita na universidade

O próprio ato de sentar, respirar e libertar os pensamentos já ganha contornos científicos. Quando uma pessoa medita regularmente, segundo os estudiosos, ela provoca algumas mudanças em estruturas cerebrais importantes, como o córtex (área usada para atividades como o pensamento abstrato e a instrospecção), e o hipocampo, fundamental para a memória – que pode aumentar de volume e densidade com a prática.

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Além disso, a meditação mexe com um eixo do sistema neurológico responsável pela nossa resposta a situações de estresse, ajudando-o a regular a liberação de substâncias que, em excesso, podem ser tóxicas ao organismo – o que costuma deixar o praticante mais tranquilo. Apesar de toda essa atividade, a meditação precisou sair dos templos religiosos onde muita gente tomou conhecimento de sua existência para entrar na literatura científica.

(Foto: Pixabay / Public Domain)

Mindfulness ganha espaço

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Atualmente, o mindfulness, ou atenção plena, que utiliza diferentes técnicas de meditação, é o tipo mais estudado e o mais utilizado nos hospitais. Esse modelo de meditação tem um caráter mais, digamos, laico. Sem vínculo a uma filosofia ou religião específica, ela torna a prática acessível a um número maior de pessoas.

– Não existe certo ou errado, mas o mindfulness deixa a prática mais abrangente. Nesse contexto médico, a meditação não é usada para consertar um problema, como a psicoterapia ou o uso de medicamentos. Ela vem para ajudar as pessoas a lidarem melhor com o conflito – diz o coordenador do Centro Brasileiro de Mindfulness e Promoção da Saúde, Marcelo Demarzo.

Segundo Demarzo, o objetivo do uso do mindfulness como terapia complementar não é, por exemplo, diminuir a intensidade de uma dor – embora haja registros de casos em que isso ocorreu. A ideia é melhorar outros pontos do paciente que estão relacionados àquele quadro, como a culpa e a catastrofização (ato de esperar pelo pior, que aumenta o nível de ansiedade), entre outros. Em resumo, é melhorar a saúde mental de quem passa por um problema físico.

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Hospitais abrem as portas

No Brasil, pelo menos seis hospitais – cinco deles em São Paulo e dois deles vinculados a universidades –, utilizam ou recomendam técnicas de meditação a pacientes. Um deles é o Albert Einstein, onde a meditação faz parte de um núcleo de terapias integrativas, do núcleo de oncologia e hematologia da instituição. As terapias integrativas – que incluem, além de técnicas de mindfulness e relaxamento, movimentos de yoga – podem ser utilizadas por qualquer paciente, mas só estão incluídas nos tratamentos oncológicos. Nesses casos, as pessoas internadas recebem, de duas a três vezes por semana, a visita de terapeutas que ajudam a guiar uma prática meditativa.

– Na literatura médica, já sabemos que o uso dessas terapias pode oferecer 50% de melhora em quadros como ansiedade, dor, náuseas e vômitos. Muitos pacientes dormem durante a prática. Mas, para nós, isso também é um fator importante, porque às vezes tudo que ele precisa é um momento de desprendimento. O estresse cria um ambiente favorável para metástases e agravamento de quadros – explica Denise Tiemi Noguchi, especialista em oncologia pediátrica.

O hospital paulista trabalha com a terapia complementar desde 2012. Até agora, quase 10 mil pacientes já receberam esse tipo de atendimento. O principal avanço, segundo a oncologista, é a melhora do bem-estar dos pacientes que topam praticar a meditação.

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Já no Hospital do Câncer do Mãe de Deus, em Porto Alegre, a meditação não ocorre dentro das dependências do hospital. Mas, segundo o oncologista Stephen Stephani, que coordena as atividades, a prática é recomendada a alguns pacientes em casos pontuais.

– Ainda é uma minoria que a utiliza, normalmente pessoas que já tinham tido algum contato com a prática. Há algum tempo, sabíamos que poderia ser útil nos tratamentos, mas tem ficado mais evidente nos últimos dois anos. A partir de algumas semanas, pode ajudar na diminuição da fadiga, na melhora de sintomas depressivos e também no desempenho clínico do paciente – conta.

Conforme Stephani, a meditação não altera a estratégia terapêutica traçada para os pacientes – como as sessões de quimio e radioterapia. Ele acredita que o principal ganho é ajudar as pessoas a lidarem melhor com suas emoções e diminuir o estresse, fatores que podem vir a modificar o desfecho de alguns quadros. A meditação como terapia complementar pode não operar milagres, mas também não põe nada a perder, já que o método é quase sem contraindicações: somente pacientes com esquizofrenia, quadros de ansiedade ou depressão severos devem evitar a prática, especialmente por conta própria. O ideal é discutir com um terapeuta a viabilidade e o melhor momento para começar.

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Contra o cigarro

Que deixar de fumar não é fácil, muita gente já descobriu por conta própria. O que os pesquisadores estudam, atualmente, é como a meditação pode ser uma aliada para evitar as frequentes recaídas de quem encara a luta contra o tabaco.

Em fase de conclusão, uma pesquisa do Centro Brasileiro de Pesquisa e Formação em Prevenção de Recaídas Baseado em Mindfulness (MBRP), vinculado à Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), convidou um grupo de tabagistas a incluírem na sua rotina práticas de mindfulness, enquanto outro tentava parar de fumar sem meditar. Os primeiros indícios são animadores: quem iniciou a prática, no geral, teve mais facilidade para se manter na decisão de abandonar o vício.

– Estamos percebendo mudanças boas. O mindfulness ajuda a empoderar a pessoa, porque quem pratica aprende a lidar com o desconforto, começa a perceber as coisas que realmente precisa e quais são os gatilhos que a fazem voltar ao vício – explica a psicóloga Víviam Vargas de Barros.

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A tendência é de que o estudo vá ao encontro do que já foi constatado em pesquisas no Exterior. Uma parceria da Universidade de Tecnologia do Texas com a Universidade do Oregon, que fez um teste parecido com 27 fumantes, mostrou que, mesmo aqueles que não pretendiam abandonar o vício, mas incluíram o mindfulness na rotina, diminuíram o número de cigarros.

O grupo brasileiro, composto por nove pesquisadores, também tem pesquisas em andamento com usuários de outras substâncias, como benzodiazepínicos, e poliusuários (que utilizam álcool e outras substâncias), além de terem pesquisas sobre o uso de mindfulness por familiares de dependentes químicos. A ideia é que, no futuro, a prática – que quase não tem gastos – possa ser disseminada no sistema de saúde pública.

Com ajuda do smartphone

Claudio Senna Venzke (no centro), coordena um grupo de meditação na Unisinos
Claudio Senna Venzke (no centro), coordena um grupo de meditação na Unisinos (Foto: Júlio Cordeiro / Agencia RBS)

Ele não dá sossego para quase ninguém, mas há quem use o smartphone, acredite, para relaxar. Multiplicados nos últimos anos, aplicativos que ajudam a meditar estão cada vez mais populares – alguns dos mais conhecidos já passaram de 1 milhão de downloads – e podem, de fato, ser uma ferramenta eficaz para quem quer aprender a prática, mas não sabe por onde começar.

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– Esses aplicativos são interessantes como um auxílio, porque a técnica da meditação, de modo geral, é simples – avalia o professor Claudio Senna Venzke, coordenador do grupo de meditação da Unisinos.

De um jeito ou de outro, normalmente em inglês, os apps sugerem pausas diárias a partir de um minuto (alguns já começam com programas mais longos, de 10 minutos) e guiam o usuário durante a prática. Como a base da meditação inclui algumas técnicas de respiração e a difícil missão de libertar seus pensamentos, o que a ¿voz¿ dos apps faz é ajudar a reservar aquele momento do dia para a pausa e dar algumas coordenadas. Alguns ainda utilizam recursos como sons e imagens para o relaxamento guiado. As vertentes são as mais diversas.

Há opções gratuitas e pagas – mesmo essas versões costumam ter módulos grátis. Enquanto, em geral, fica a cargo do usuário ¿calar¿ o celular na hora da meditação, alguns apps têm a opção de desativar automaticamente as notificações durante a prática. Se as facilidades servem de estímulo para quem se interessa pelo tema baixar os aplicativos, por outro lado, apenas tê-los instalados no smartphone não é garantia de uso. E persistir, quando o assunto é meditação, é fundamental para sentir os benefícios da prática a longo prazo. – O mais importante é a regularidade com que se pratica – destaca Venzke.

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Meditação para conter a insônia

Vontade de começar não faltava, mas foi só depois de saber, por uma amiga, que podia meditar com o auxílio de um aplicativo de smartphone – e não em grupos, opção que o deixava pouco à vontade – que o designer Victor Dutra, 30 anos, resolveu dar o primeiro passo. Meses atrás, tão logo instalou o programa no celular, sentou-se de pernas cruzadas, com as mãos sobre as pernas e deu o play. Veio a primeira decepção.

– Sempre recomendam essa posição, mas, para mim, não funciona. Tentei da primeira vez e achei desconfortável – conta.

Só depois de migrar para um poltrona, onde posicionou-se confortavelmente, conseguiu prestar atenção nas orientações do aplicativo Headspace, que guia práticas de 10 minutos em inglês. Os primeiros não foram tão fáceis: qualquer pequena interferência externa parecia roubar-lhe a atenção. Mas Victor resolveu tentar ir mais longe. Ao final das 10 sessões gratuitas, já tinha incorporado a prática na rotina, todas as noites, antes de dormir.

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Os sons ao redor já não tiravam tanto sua atenção. E o principal: a insônia que lhe permitia cerca de quatro horas de sono por noite cedeu ao relaxamento alcançado durante a meditação.

– Me ajudou muito, porque eu ficava com pensamento ativo antes do sono. Hoje, consigo dormir sete, oito horas. Acho que foi um reflexo da meditação – comemora o designer.