O trabalho que começou a ser feito nesta segunda-feira pelo Departamento de Criminalística na boate Kiss servirá para ajudar a esclarecer se houve imprudência, negligência ou imperícia dos donos da casa noturna ou de autoridades responsáveis por aprovar e fiscalizar o cumprimento do plano de prevenção e combate a incêndio. A perícia também deverá analisar a hipótese baseada no relato de testemunhas de que teria sido utilizado um artefato pirotécnico conhecido como sputnik, que teria sido o agente causador do incêndio (veja gráfico abaixo).
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No gráfico abaixo, entenda como funciona o sputnik:
Fonte: Sergio Cavalli, empresário e proprietário da empresa Multifogos, de Caxias do Sul
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– Nesse caso específico, os peritos deverão trabalhar com dois enfoques: verificar se a casa atendia às exigências legais e determinar, através de um trabalho técnico, bastante minucioso, em que circunstâncias o fogo começou, quais as causas, qual o provável agente ignitor das chamas, de que forma o fogo se propagou internamente. Essas e outras questões deverão ser respondidas pelos peritos – explica o perito criminal Álvaro Bitencourt, presidente da Acrigs-Sindicato dos Peritos Oficiais da Área Criminal do Estado.
Confira a seguir pontos que podem ser esclarecidos pelos especialistas:
Como é feito o trabalho da perícia?
O perito realiza um estudo minucioso do local, coleta vestígios, faz medições e croquis e registra tudo em fotos e anotações, que servirão para a elaboração do laudo pericial.
Que vestígios podem ser encontrados?
A análise do esfumaçamento do local, por exemplo, pode indicar onde teria começado a combustão. O padrão de queima das estruturas de madeira pode indicar o caminho de propagação das chamas. A posição do início do fogo no teto, como relatado por testemunhas, pode relacionar a posição do músico no momento que teria disparado o Sputnik. Um local de incêndio deve ficar isolado até a realização da perícia, pois há vestígios que podem desaparecer ou serem adulterados se manuseados antes da chegada dos peritos.
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Documentos como alvarás da prefeitura e dos bombeiros sobre prevenção de incêndio são usados na perícia?
Sim. Os documentos ajudam na busca de vestígios e de informações do local, já que a planta indica onde estão tubulações e a rede elétrica. Já o alvará de funcionamento informa que estruturas a casa tem, e o alvará dos bombeiros mostra que equipamentos de segurança o local deveria ter. Leis ou normas da ABNT também são contempladas.
OUTRAS QUESTÕES DA INVESTIGAÇÃO
Por que os bombeiros autorizaram o funcionamento da casa noturna?
O Corpo de Bombeiros de Santa Maria afirma ter liberado a abertura da boate Kiss ao público porque o estabelecimento preencheria os requisitos mínimos de segurança na questão de prevenção de incêndio. O que consta no plano de prevenção e combate a incêndio que a casa teve aprovado e que havia vencido em agosto não foi divulgado pelos bombeiros _ o material está com a Polícia Civil, de acordo com informação da corporação. A polícia vai apurar se houve falhas na liberação da casa.
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Quem libera efeitos pirotécnicos em shows em lugares fechados?
A realização desse tipo de show é desaconselhado em locais fechados. Em Porto Alegre, os bombeiros não costumam liberar. Se o dono da boate quiser, terá de produzir um projeto de queima que dependerá de aprovação dos bombeiros. O processo terá de conter informações como um croqui, certificado de que há pessoas no local com treinamento de prevenção a incêndio e responsabilidade técnica assinada por engenheiro atestando que o estabelecimento está apto a receber aquele tipo de efeito.
Os seguranças estavam treinados?
Os bombeiros dizem que a casa cumpria os requisitos mínimos exigidos em lei, e o treinamento de funcionários para atuar em caso de incêndio é uma das exigências. O inquérito da Polícia Civil deve esclarecer se havia comprovação de que funcionários haviam sido treinados.
Por que só os proprietários da Kiss e artistas foram presos?
A polícia ainda não concluiu a investigação. O principal motivo de terem sido presos provisoriamente foi o temor de que provas pudessem ser adulteradas pelos envolvidos no caso.
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Em gráfico, entenda a sequência de eventos que originou o fogo

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Nove pontos que devem permear as investigações sobre o incêndio
A tragédia
O incêndio na boate Kiss, no centro de Santa Maria, começou entre 2h e 3h da madrugada de domingo, quando a banda Gurizada Fandangueira, uma das atrações da noite, teria usado efeitos pirotécnicos durante a apresentação. O fogo teria iniciado na espuma do isolamento acústico, no teto da casa noturna.
Sem conseguir sair do estabelecimento, mais de 200 jovens morreram e outros 100 ficaram feridos. Sobreviventes dizem que seguranças pediram comanda para liberar a saída, e portas teriam sido bloqueadas por alguns minutos por funcionários.
A tragédia, que teve repercussão internacional, é considera a maior da história do Rio Grande do Sul e o maior número de mortos nos últimos 50 anos no Brasil.
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Veja onde aconteceu

A boate
Localizada na Rua Andradas, no centro da cidade da Região Central, a boate Kiss costumava sediar festas e shows para o público universitário da região. A casa noturna é distribuída em três ambientes – além da área principal, onde ficava o palco, tinha uma pista de dança e uma área vip. De acordo com o comando da Brigada Militar, a danceteria estava com o plano de prevenção de incêndios vencido desde agosto de 2012.
Clique na imagem abaixo para ver a boate antes e depois do incêndio
A festa
Chamada de “Agromerados”, a festa voltada para estudantes da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) começou às 23h de sábado. O evento era de acadêmicos dos cursos de Agronomia, Medicina Veterinária, Tecnologia de Alimentos, Zootecnia, Tecnologia em Agronegócio e Pedagogia. Segundo informações do site da casa noturna, os ingressos custavam R$ 15 e as atrações eram as bandas “Gurizadas Fandangueira”, “Pimenta e seus Comparsas”, além dos DJs Bolinha, Sandro Cidade e Juliano Paim.

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