Em pouco menos de 30 dias, passa a valer em todo o território brasileiro a nova Lei do Cadastro Positivo, que vai incluir de forma automática informações de movimentações financeiras de consumidores e empresas em um banco de dados nacional. Anteriormente, a participação no sistema era voluntária. O projeto teve autoria de um catarinense, o então senador Dalirio Beber (PSDB). A proposta foi protocolada em 2017 e aprovada pelo Congresso Nacional em março deste ano. No mês seguinte, o presidente Jair Bolsonaro (PSL) sancionou e transformou o projeto em lei.
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Mas o que é, afinal, o Cadastro Positivo? É um banco de dados que reúne informações como empréstimos, financiamentos e crediários que estão em nome de consumidores com CPF e empresas com CNPJ de todo o país. Os itens comprados ou financiados não são descritos neste cadastro: apenas os valores das parcelas e quando elas foram quitadas. Contas de água, gás, luz e telefone fixo também estarão lá.
O serviço é prestado por empresas especializadas, as chamadas birôs de crédito, como o Serasa, Boa Vista e SPC Brasil, por exemplo. De acordo com o ex-senador e autor da proposta, Dalirio Beber, as birôs são autorizadas e fiscalizadas pelo Banco Central. Elas podem ser penalizadas se usarem as informações de maneira ilegal.
– O objetivo é que as instituições financeiras consigam fazer uma análise e beneficiar quem, ao longo de sua vida, produziu um histórico positivo, com pagamentos em suas datas respectivas, e oferecer, principalmente, melhores taxas de juros a estes bons pagadores – avalia Beber.
O Cadastro Positivo existe desde 2011, mas só cerca de 6 milhões de pessoas estavam cadastradas de forma voluntária, na expectativa de conseguirem melhores taxas e créditos. Em oito anos, não surtiu o efeito esperado, explica Beber. Com o projeto aprovado, a projeção é que as instituições financeiras tenham acesso a cerca de 130 milhões de cadastros.
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O Banco Mundial espera que a nova lei reduza em até 45% a inadimplência no país, que atualmente atinge mais de 60 milhões de pessoas.
Pontuação definirá bom ou mau pagador
As informações que serão cadastradas automaticamente, explica o SPC Brasil, serão utilizadas para compor um score de crédito, ou seja, uma nota que será determinada a partir da análise estatística dos hábitos de pagamento, do relacionamento com o mercado, e dos dados cadastrais do consumidor. Essa pontuação vai de 1 a 1 mil. Quanto mais perto do 1, menos confiável será considerado o consumidor.
De acordo com a Associação Nacional de Bureaus de Crédito (ANBC), o objetivo é diminuir burocracias em consultas e tornar a obtenção de créditos mais fácil ao bom pagador. A ideia é que ele também tenha a chance de negociar juros e taxas mais baixas em suas compras.
Para o presidente da comissão de Direito do Consumidor da Ordem dos Advogados (OAB) de Santa Catarina, Geyson Gonçalves, a ideia de um cadastro que beneficie o bom pagador "é interessante". Mas ele lembra que o cadastro automático não garante ao consumidor que, mesmo pagando as contas em dia, tenha a garantia que vá conseguir menores juros em compras e financiamentos. A decisão ainda será da instituição ou empresa que ele procurar. A diferença agora é que o consumidor pode comprovar que, além de não ser inadimplente, é confiável.
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– A nova lei que encaminha as informações de forma automática está muito mais voltada para o interesse das instituições financeiras. Vai ficar mais barato para elas, porque elas já terão as informações em mãos – observa o advogado.
Gonçalves lembra que é necessário acompanhar o andamento da lei, para ver se o objetivo principal, que é beneficiar o bom pagador, será realmente cumprido.
– A ideia é que facilite para o bom pagador. A lei não existe para prejudicar o mau pagador. Os juros não vão aumentar ainda mais para estas pessoas ou empresas – explica.
*Com informações da Agência Brasil.
Perguntas e respostas
O que muda com o Cadastro Positivo?
As empresas vão passar a considerar as contas pagas em dia quando forem avaliar compra a prazo, empréstimo ou financiamento. Isso pode ajudar quem não tem referências bancárias ou holerite, por exemplo, a contar com acesso ao crédito mais facilitado.
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Quem vai fazer uso das informações do Cadastro Positivo?
Comércio, bancos, financeiras e prestadores de serviços em geral poderão ter acesso a informações mais precisas para definir condições comerciais e preços mais ajustados às necessidades e ao perfil de cada consumidor.
Se estou negativado, posso ter meu Cadastro Positivo?
Sim. Com o Cadastro Positivo, suas contas pagas em dias também serão consideradas, e as empresas terão condições de avaliar seu histórico de pagamentos. O consumidor vai notar a diferença quando for negociar uma compra a prazo, um empréstimo ou um financiamento.
Haverá algum tipo de prejuízo, em termos de obtenção de crédito, para quem não participar do Cadastro Positivo?
Se eventualmente solicitar a exclusão do Cadastro Positivo, as empresas que vão conceder crédito terão acesso a menos informações sobre você como existência ou não de dívidas negativadas. Como resultado, aumenta a possibilidade dessa empresa conceder crédito com maiores taxas de juros, pois somente terá acesso às contas que você deixou de pagar.
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As informações serão utilizadas para outras atividades?
Não. As informações do Cadastro Positivo são destinadas exclusivamente para análise de crédito e de negócios. Não é permitindo o uso dos seus dados para marketing ou outra atividade.
Quais informações podem e não podem ser utilizadas para “pontuar” o consumidor?
Pode: serviços de proteção ao crédito poderão utilizar dados de suas contas pessoais, como água, luz, gás, internet e aluguel, além de todas as compras feitas à prazo. Informações sobre seus familiares, dependentes ou de primeiro grau (pais, mães, filhos e filhas), também podem ser utilizadas para classificar os consumidores como potenciais bons ou maus pagadores.
Não pode: É vedado o uso de dados pessoais conhecidos como “sensíveis” e que façam distinção de gênero, raça e classe social, como por exemplo, a região em que você mora. Contudo, há uma grande zona cinzenta, pois as empresas avaliadoras de crédito buscam informações indiretas sobre os consumidores para enquadrá-los em um perfil sócio-econômico específico, o que pode gerar critérios distorcidos que prejudiquem os que forem enquadrados em “grupos de risco”.
Por que estar no novo Cadastro Positivo não é necessariamente bom?
Ao entrar no cadastro positivo, você passará a ser avaliado por essas instituições de diversas formas, e mesmo estando em dia com suas contas, poderá ser mal avaliado pelos operadores de crédito, podendo inclusive ter empréstimos negados – ou aceito com juros muito elevados – por ter uma pontuação baixa dada por esses operadores de crédito. Além disso, estar no cadastro positivo significa dar o seu aval para essas empresas buscarem todo tipo de informação sobre sua vida.
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Atrasos em contas comuns podem reduzir minha pontuação?
Sim. Atrasos em contas de luz, água, internet e telefonia levarão sua pontuação para baixo, fazendo com que você passa ser considerado um mau pagador. Mesmo que a cobrança pelos fornecedores dos serviços seja indevida, a débito será informado às empresas avaliadoras de crédito.
Posso não entrar no Cadastro Positivo?
A nova lei determina que o ingresso no é automático, mas dá ao consumidor o direito de solicitar a retirada e/ou inclusão do nome a qualquer tempo. O cancelamento e a reabertura de cadastro somente serão processados mediante solicitação gratuita do cadastrado ao gestor, por meio telefônico, físico e eletrônico, e a solicitação deve ser processada em até dois dias.
Posso ter acesso aos meus dados?
Sim. O consumidor possui o chamado direito à explicação, que é o direito de saber quais dados foram utilizados e como os mesmos foram manejados. As empresas de avaliação de crédito possuem 10 dias para atender de forma gratuita aos pedidos de explicação dos consumidores, incluindo as informações sobre ele existentes no banco de dados, inclusive seu histórico e sua nota ou pontuação de crédito. A solicitação pode ser realizada por meio telefônico ou eletrônico, e as instituições devem oferecer formas simplificadas para que o consumidor possa fazer essa solicitação.
Posso solicitar a revisão dessas informações?
Sim. Caso julgue que as informações estão incorretas ou que foram utilizadas de forma a prejudicá-lo, você pode solicitar a impugnação, ou seja, refutar qualquer informação sobre você que esteja erroneamente anotada em banco de dados e ter, em até 10 dias sua correção ou seu cancelamento em todos os bancos de dados que compartilharam essa informação.
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Para quem recorrer caso me sinta lesado?
Você poderá recorrer aos órgãos de proteção e defesa do consumidor, como o Procon, que podem aplicar medidas corretivas e determinar às empresas de avaliação de crédito excluir do cadastro informações incorretas, no prazo de 10 dias, bem como de cancelar os cadastros de pessoas que solicitaram o cancelamento.
Fontes: Associação Nacional de Bureaus de Crédito (ANBC) e Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec).