Muitas vezes é difícil pedir ajuda. Ainda mais duro é buscar apoio quando se tem marcas deixadas pela violência, sejam elas visíveis ou não. Mas, depois de sofrer uma agressão, imaginar-se entrando em um prédio de tons acinzentados e cheio de desconhecidos, sem saber se vai encontrar o apoio que busca, pode ser sufocante.

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Foi esse conjunto de fatores, somado ao “balde d’água fria” no primeiro pedido de socorro em uma delegacia, que fizeram com que Jandira Mara dos Santos, 46 anos, aguentasse a violência sofrida por mais de 11 anos, até procurar a polícia pela segunda vez.

Também são essas as razões, muitas vezes, que desencorajam as vítimas de violência doméstica a se dirigirem até uma delegacia, para dar início aos procedimentos legais que vão afastar o agressor do âmago familiar. E, embora não pareça, esse é o passo fundamental para que um ciclo seja encerrado.

— É um trabalho muito difícil. Temos uma quantidade muito grande de vítimas em Santa Catarina e nem todas as vezes elas confiam no sistema, assim como muitas mulheres não acreditam nelas mesmas — diz a delegada de Polícia Civil, Patrícia Zimmermann.

A fim de mudar esse padrão de insegurança, alternativas são buscadas pelo Estado, a começar pela instituição que faz o primeiro contato com a vítima. Há aproximadamente dois anos, a 6ª Delegacia de Proteção à Criança, ao Adolescente, à Mulher e ao Idoso da Capital (Dpcami) também mudou sua cara: agora, tem “aspecto de casa”.

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Pouco antes, Joinville já havia adequado o ambiente onde as mulheres são atendidas. Para Blumenau também há previsão de mudanças: o atendimento deve ser oferecido em um novo prédio, que atenda às necessidades da Polícia Civil. O que se pretende com essas alterações, segundo a coordenadora das Dpcamis, é que as pessoas se sintam acolhidas enquanto estão nos prédios.

Uma delegacia com aspecto de casa

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As salas de atendimento tem objetos e frases receptivos e encorajadores (Foto: Tiago Ghizoni/Diário Catarinense)

O ambiente calmo e colorido dá às boas-vindas para quem chega. Ao cruzar a porta de entrada, acompanhadas de insegurança, as mulheres recebem a primeira orientação da atendente.

— Temos duas situações: aquela mulher que já vem com a decisão formada: “quero romper o ciclo de violência, fazer o boletim de ocorrência e pedir a medida protetiva de urgência”. E tem aquela que ainda está em dúvida, que não sabe o que fazer ou está com medo — diz a delegada Patrícia Zimmermann.

Convicta sobre o que quer, a vítima será encaminhada para o registro do fato. Indecisa, será orientada a aguardar por uma psicóloga plantonista. Enquanto espera, ainda no hall de entrada, a mulher é convidada à uma reflexão: florescer. Ao lado de outras palavras, o incentivo divide espaço com figuras coloridas, grafitadas nas paredes.

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São 62 profissionais da área para atender as 31 Dpcamis de Santa Catarina.

É um ambiente mais leve, sem ruído, sem tumulto. A Polícia Civil procura desconstruir aquele padrão de investigação de crime comum. Muitas vezes a delegacia tem mais aspecto de casa, porque está aqui para acolher Patrícia Zimmermann
Desenhos logo no hal de entrada para tornar o momento da denúncia mais leve
Desenhos logo no hal de entrada para tornar o momento da denúncia mais leve (Foto: Tiago Ghizoni/Diário Catarinense)

Assim que o boletim de ocorrência é confeccionado, a vítima passa para outra etapa: é o momento de prestar depoimento, esclarecer os fatos para a polícia e de saber, detalhadamente, quais são os procedimentos do inquérito e as medidas de proteção garantidas por lei.

— Não é só o preenchimento de um formulário. Muitas vezes essa mulher chora, para, pensa e fica em silêncio. Então a gente precisa ter esse diferencial na sala acolhedora.

Segundo a delegada, essa é a etapa mais importante, “realizada por uma agente feminina, preferencialmente, que só trabalha com os depoimentos e as medidas protetivas”. Essa profissional é capacitada para o atendimento preferencial e, por natureza, uma pessoa mais tranquila.

— Não posso tomar esse depoimento de qualquer forma, porque se trabalha com a narrativa da vítima e não pode pressioná-la — completa.

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Se a mulher tiver filhos, pode optar em deixar as crianças na sala ao lado, aos olhos da recepcionista, onde há uma área com brinquedos. Se optar em mantê-los junto, a sala também conta com alguns brinquedos, assim como a sala de atendimento psicológico.

Depois de aproximadamente 40 minutos, a mulher é encaminhada para um abrigo, até o momento em que a Justiça determina o afastamento do agressor, ou volta para casa – se o acusado não residir no mesmo endereço. As crianças também são encaminhadas para a casa de acolhimento, junto com a mãe.

O melhor amparo

Delegado Gustavo Kremer,da 6ª DP
Delegado Gustavo Kremer,da 6ª DP (Foto: Tiago Ghizoni/Diário Catarinense)

Há dois anos na 6ª DP, o delegado Gustavo Kremer é um dos profissionais que coordena as investigações contra os agressores, que muitas vezes acabam presos. Segundo ele, a Dpcami é o melhor local para se procurar amparo no Estado:

Aqui se encontra receptividade, amparo e bom atendimento, porque queremos que a vítima retorne quantas vezes for necessário, até que o ciclo de violência seja definitivamente rompido Gustavo Kremer

Confira imagens da Dpcami da Capital

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(Foto: Tiago Ghizoni/DC)
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(Foto: Tiago Ghizoni/DC)

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