Foco do noticiário da última semana por conta da morte do policial militar Vinícius Gonçalves e de operações policiais, o Morro do Horácio teve sua rotina alterada. Enquanto operações no pé e no alto do morro buscam bandidos, armas e drogas, o tráfico está acuado, escondido em outras comunidades. No meio do fogo cruzado a poucos minutos da Casa D’Agronômica, onde mora o governador do Estado, vivem crianças, idosos, homens e mulheres que precisam tocar suas vidas.

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Seria um erro resumir o Horácio a violência. No alto da Rua Antônio Carlos Ferreira, a geral do bairro, fica a ONG Gente Nossa, uma entidade que desde 2004 ajuda as crianças a sonharem através de atividades lúdicas. Durante a tarde, se ouve de longe a algazarra, que invade a entrevista com o professor e pedagogo Wilson Ribas, 55 anos.

— A gente trabalha com fortalecimento de vínculos das crianças com as famílias, com a escola e com eles mesmos. A gente faz o intermédio dessas relações, para dar uma estabilidade maior às crianças. Constantemente a gente procura levá-los a outros lugares da cidade, como cinema, museus, para mostrar outras oportunidades. Não existe limite para o sonho de uma criança, basta que se dê as ferramentas — salienta o pedagogo.

São ao todo 80 crianças e adolescentes atendidas com aulas de educação física, dança, informática, artesanato e o apoio pedagógico. Na hora de ir embora, Kauã, de 8 anos, e o Michael, 6, incomodam Wilson para ficar, mas ganham um pirulito e, satisfeitos, combinam o próximo encontro.

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A união da comunidade está representada pela Associação dos Moradores do bairro. A entidade está prestando assessoria jurídica para toda a comunidade nos casos de problemas com a polícia. Mas o trabalho com as crianças é o mais forte. Em julho, a festa junina do Horácio reuniu cerca de 600 pessoas na Escola Osvaldo Galupo, a principal representação do poder público no local.

Tio Zé: boteco, futebol e a luta pela moradia

O tráfico é o problema atual mais forte no Morro do Horário, mas na década de 1980, a batalha era para regularizar as casas. Hoje calçada, a rua geral era de chão batido, e a maioria das residências, de madeira. O maior medo era que o Estado expulsasse os moradores.

Todos que hoje possuem escritura são gratos ao senhor José Pires de Moraes, que fez 76 anos no último domingo. É fácil encontrá-lo no topo do Morro do Horácio: é só perguntar pelo Tio Zé. Ele foi o segundo presidente da Associação de Moradores, em 1989, e sua principal bandeira era garantir a posse dos moradores às suas casas.

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— Aqui já era uma comunidade, mas não tinha área definida. Cada um tinha um pedaço. Eu sabia que a área era da Penitenciária. Aí eu fui na Cohab. Me disseram que o que dava direito à terra era casa de alvenaria, então mandei todo mundo erguer suas casas. Tinha reunião toda semana na Secretaria de Justiça — lembra.

No começo dos anos 1990, houve muitos protestos de moradores pela moradia, e Estado e União finalmente iniciaram a doação dos terrenos.

Um dos moradores mais antigos do morro, o sonho de Tio Zé era abrir um boteco. Foi com essa intenção que ele resolveu ficar no Horácio e não retornar para sua cidade natal, Curitibanos, no meio-oeste de Santa Catarina.

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— Comecei com uma caixa de cerveja, uma caixa de refrigerante e uma caixa para vinho, bem simples, e uma mesa grande de sinuca — recorda.

De dentro do bar veio a ideia de um time de futebol, o Juventude, que depois virou Juventus. Hoje nem o boteco nem o time existem mais, mas Tio Zé recorda com alegria os melhores momentos que viveu no Horácio.

— Na época nós saíamos pra fora da Ilha com dois ônibus grandes com 80 pessoas cada um. Ficava limpa a comunidade — brinca

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Irene de Moraes, esposa do Tio Zé, conta que o bar estava dando muito confusão, e hoje, mesmo com mais de 70 anos, o casal trabalha com reciclagem. O bar deu lugar a um depósito de entulho. Mas o balcão ainda segue lá, e na parede estão pendurados os troféus do time, já tomados pela poeira.

Mesmo com todos os problemas atuais do Morro do Horácio, Tio Zé diz que não tem do que reclamar. A casa está sempre cheia, são nove netos e cinco bisnetos. E quanto aos desafios da Associação, ele diz:

— Agora bem dizer não tem mais o que fazer. Aqui no Morro já está tudo encaminhado — comemora.

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