Estamos em estado de alerta. Nos últimos meses, os casos de febre Oropouche têm aumentado significativamente no Brasil, despertando preocupações não apenas pela sua rápida disseminação, mas também pelos potenciais impactos na saúde materno-infantil. De acordo com Ministério da Saúde, eram 7.044 casos da doença confirmados no Brasil até o início do segundo semestre. 

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Além disso, foram confirmadas as primeiras mortes por febre Oropouche no mundo. Como infectologista, sinto-me na responsabilidade de abordar este tema com a profundidade e preocupação que ele merece, principalmente pela alarmante possibilidade de transmissão vertical, e a devida atenção em relação de microcefalia — isso sem contar os próprios óbitos.

Primeiro é importante entender o que é a febre Oropouche.

A doença é uma arbovirose causada por um vírus (Orthobunyavirus oropoucheense), transmitido pela picada do mosquito (Culicoides paraenses), conhecido como pólvora ou maruim. Os sintomas da doença são parecidos com a dengue e chikungunya, e incluem: febre de início súbito, dor de cabeça, dor muscular e articular.

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Um dado importante do quadro evolutivo da doença é que 60% dos pacientes podem apresentar após uma a duas semanas do início do quadro, os mesmos sintomas relatados, o que a difere da dengue e chikungunya, por exemplo.  A doença é, geralmente, benigna e sem gravidade, mas tivemos infelizmente, os primeiros casos de morte no mundo aqui no Brasil detectados. O que agora mais me preocupa são as gestantes, e as consequências da exposição ao vírus oropouche para o feto.

Transmissão vertical

A transmissão vertical, ocorre pela passagem do vírus da mãe para o feto durante a gestação. Em junho de 2024, o departamento de arbovirologia e febres hemorrágicas do Instituto Evandro Chagas realizou uma análise retrospectiva de amostras de sangue e líquor, (líquido que reveste cérebro e medula) coletadas para investigação de arboviroses neuroinvasivas.

Nesse estudo foi detectada a presença de anticorpos IgM de oropouche em recém-nascidos com microcefalia. Esta é uma evidência de que ocorre transmissão vertical do oropouche, embora ainda sejam necessárias mais pesquisas para estabelecer uma relação definitiva. No entanto, a possibilidade de tal associação é suficiente para acender um sinal de alerta na comunidade científica, visto os impactos em saúde pública que este fato nos trás. 

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A microcefalia é uma condição neurológica em que o tamanho da cabeça do bebê é significativamente menor do que o esperado para a sua idade. Tivemos no Brasil uma epidemia de zika vírus em 2015, onde foi identificado a relação de causa entre o zika e a microcefalia em gestantes que foram infectadas pelo vírus. Agora, com o aumento dos casos de febre Oropouche, surge a preocupação de que, este, também possa estar relacionado a malformações congênitas, incluindo a microcefalia, atrasos no desenvolvimento, deficiência intelectual, dificuldades motoras e de equilíbrio, além de comprometimento visual, auditivo e da fala. 

Agora, o que podemos fazer neste momento? O primeiro passo é permitir que a comunidade científica trabalhe. Este é o primeiro ponto. A pesquisa ajuda a monitorar a disseminação do vírus e a desenvolver métodos eficazes de controle de vetores, para prevenção de surtos.

Por segundo, é necessário preparo das equipes de saúde em vigência de uma possível associação de casos de infecções congênitas pelo vírus oropouche e suas consequências no sistema de saúde. E ainda é necessário melhor entendimento da doença para iniciar a testagem o mais precoce possível para evitarmos mais mortes devido a este vírus.

Diante deste cenário, a febre Oropouche representa uma nova ameaça à saúde pública, especialmente no contexto de morte, transmissão vertical e possíveis casos de microcefalia. É incontestável que abordemos esta questão com a seriedade e urgência que ela demanda, utilizando todos os recursos disponíveis para proteger as gestantes e os recém-nascidos.  A comunidade científica precisa ser ouvida e apoiada, pois sim, podemos estar diante de mais um colapso na saúde materno-infantil. 

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Por Sabrina Sabino, médica infectologista, formada em Medicina pela PUCRS, mestre em Ciências Médicas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e professora de Doenças Infecciosas na Universidade Regional de Blumenau.