Que as queimadas na região da Amazônia e no Brasil estão causando danos irreparáveis no ecossistema, isso não é novidade, é realidade. No entanto, não estamos preparados para o que está por vir: doenças com ciclo silvestre — como febre amarela, zika vírus, malária, leishmaniose —, começarão a invadir o ciclo urbano. Uma inversão de papéis, afinal de contas, nós, seres humanos, por milhares de anos desmatamos, poluímos, e nos apropriamos do que não é nosso: o meio ambiente. Um dia, a nossa conta viria, e ela, enfim, chegou.
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Com a revolução tecnológica na área de saúde, principalmente com o incremento da inteligência artificial, esperava-se que as doenças infecciosas transmissíveis, fossem mais rapidamente controladas, devido ao diagnóstico mais preciso, tratamentos dirigidos com mais precisão, e rapidez no atendimento. Gradativamente, então, as doenças infecciosas seriam substituídas por doenças crônicas como diabetes, hipertensão arterial, completando a chamada transição epidemiológica. Mas não contávamos com este percalço dos impactos que as queimadas fariam no ecossistema. Fomos previamente alertados? Sim, diversas vezes. Mas continuamos com o mesmo paradigma de confiar apenas no que se vê, e não no que se prevê — ainda mais de for por cientistas.
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“Doença emergente” é o surgimento ou a identificação de um novo problema de saúde ou uma nova doença, ou um novo agente infeccioso como, por exemplo, mais recentemente, a febre hemorrágica pelo vírus Ebola. Na década de 1980, isso ocorreu com a descoberta de casos de Aids, ou a encefalite espongiforme (doença da vaca louca). Denominamos também de “doenças emergentes”, grupos de doenças que só afetavam animais, mas que devido à interação nossa com o meio ambiente — como o desmatamento desenfreado que estamos vendo, e as queimadas de nossa vegetação — acabam afetando os humanos.
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Vamos aos exemplos: a Febre do Nilo Ocidental, iniciou seu ciclo com a transmissão do morcego para um mamífero, e dele para o ser humano. O hantavírus é transmitido de ratos silvestres para nós humanos. Já o vírus da influenza aviária H5N, ocorre pelo contato de nós humanos com as aves. A comunidade internacional, inclusive está em alerta para o risco potencial de uma nova “Pandemia de Gripe” em populações humanas.
Já as “doenças reemergentes” são doenças já conhecidas e controladas, que mudaram seu comportamento epidemiológico, mas que voltaram a representar ameaça à saúde humana. Aqui posso citar a dengue, que certamente é a doença na atualidade de maior impacto de saúde pública, além da a hepatite A, chikungunya, febre Oropouche, poliomielite, sarampo, febre amarela e malária. Parece até as sete pragas do Egito, não é mesmo?
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Se no passado as doenças infectocontagiosas eram associadas às más condições socioeconômicas e ao saneamento básico deficiente, agora, com o surgimento ou recrudescimento de novas e velhas doenças, novos padrões de ocorrência também emergem, fruto da interação entre seus agentes. As queimadas desenfreadas em nosso país, estão modificando o comportamento do ecossistema e das doenças infecciosas que até então só aconteciam no meio silvestre e, agora, farão parte de notícias desastrosas e surtos em determinadas localidades.
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Sim, é culpa nossa.
Por Sabrina Sabino, médica infectologista, formada em Medicina pela PUCRS, mestre em Ciências Médicas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e professora de Doenças Infecciosas na Universidade Regional de Blumenau.