Quem mora ou já morou em uma rua sem pavimentação conhece os transtornos diários causados pela falta de urbanidade. A casa nunca está limpa: se o tempo está seco o pó entra sem pedir passagem; quando chove a lama simplesmente toma conta de tudo. É comum carregar um calçado reserva na mochila e tirar o pó dos móveis pelo menos duas vezes ao dia. Quando a rua é no morro complica um pouco mais – dependendo da situação o carro só sobe de ré. O caminhão de lixo não passa, o ônibus não chega, tudo é mais difícil.

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Em setembro de 2013 o governo municipal anunciou que as cinco primeiras ruas da lista do Programa Pavimenta Ação – o antigo Mutirão – teriam as obras iniciadas. Nestes locais os moradores já pagaram sua parte pelo serviço, 40% do valor total, há cerca de dois anos. Mas as obras não começaram, apesar de uma série de justificativas, nenhuma convenceu os cidadãos.

A lista, disponível no site da prefeitura de Blumenau (blumenau.sc.gov.br), tem hoje 125 ruas cadastradas no programa e 41 que já atingiram a meta de pagamento. De acordo com o secretário de Obras, Paulo França, 23 vias serão pavimentadas em 2014. A reportagem do Santa esteve nas cinco ruas que deveriam ter começado a receber a pavimentação em 2013, mas só encontrou terra, sujeira e indignação.

A primeira da lista

A rua Francisco Albo, no bairro Escola Agrícola, é a primeira na lista do Programa Pavimenta Ação. A cozinheira Adelaide Schaefer, 61 anos, conta que a família terminou de quitar a pavimentação há três anos. O pagamento do valor de reponsabilidade dos moradores já completou o segundo aniversário dia 15 de fevereiro, mas o que se vê na rua é apenas barro e pedras.

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O acesso é difícil e os moradores da parte mais alta precisam subir a rua com os carros em marcha a ré ou correm o risco de ficar no meio do caminho. Além do dinheiro pago pela pavimentação de lajotas e que ainda não foi usado, os moradores precisam arcar com outros tipos de prejuízo:

– Quando chove é pura lama, quando tem sol é a poeira, e quando colocam o macadame é muita pedra, pula tudo nos carros, estraga a parte de baixo. Meu filho até já disse que queria levar os consertos pra cobrar da prefeitura. Sem contar a sujeira. Não adianta nem tentar limpar pátio, garagem, porque é só chegar alguém que já fica tudo sujo de novo – conta Adelaide.

À espera do asfalto

A rua Marilene Figueredo Loch é como uma ilha: um pequeno pedaço de terra cercado de pavimentação por todos os lados. O asfalto e as lajotas de cimento chegaram a todas as vias do entorno, mas no trecho onde os donos de 15 terrenos quitaram sua parte da pavimentação em maio de 2012 só o que se vê é barro _ porque choveu _ e pedras. Quando o sol aparece é a poeira que invade as casas, mesmo sem ser convidada.

A via que fica na Itoupava Central é a quarta na lista do Programa Pavimenta Ação. Membro da comissão responsável pela rua, Odair da Cruz mora na parte mais danificada da via, uma subida onde, dependendo da situação da estrada, os carros só passam de marcha a ré. Ele já perdeu as contas de quantas vezes procurou a Secretaria de Obras para saber quando a pavimentação começaria e até renovou as esperanças quando a prefeitura anunciou as obras no fim de 2013, mas já não sabe a quem recorrer:

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– Está difícil mesmo. Eu esperava que até o início do ano tivessem alguma resposta, mas até agora nada. Fui na Secretaria de Obras em novembro, mas o secretário disse que não ia sair mais. Primeiro disseram que ia sair as cinco (ruas) e depois que iam colocar mais ruas e tinha que esperar. Parece que está bem enrolado. Disseram que tem que esperar liberar um dinheiro da Secretaria da Fazenda, que não tem como dar datas porque a Secretaria de Obras não tem verba. Eles sempre tem uma desculpa.

“A nossa parte nós fizemos”

Foram quase R$ 3 mil reais de cada um dos 15 moradores que aderiram ao programa na rua Harry Griebel, no bairro Itoupava Central, pagos de agosto de 2010 a abril de 2012. O aposentado Domingos Delajiustina, 59 anos, que também faz parte da comissão que organizou a adesão dos moradores ao programa, agradece por, pelo menos, a rua não ter saída, porque assim o movimento é menor:

– Prometeram que (o asfalto) ia sair no ano passado e depois disseram que tinha que fazer um financiamento. Deram a previsão de começar agora em fevereiro, mas um vizinho esteve lá (na Secretaria de Obras) e disse que o dinheiro não veio. Então ficamos assim: se chove, é lama; se tem muito sol, é poeira. A nossa parte nós fizemos, mas eles prometem e não cumprem.

A rua é segunda na listagem do programa, mas até agora não há nem sinal de obras no local. Enquanto isto, os quase R$ 45 mil pagos pelos moradores continuam na poupança aberta pela comissão.

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30 anos de pó e lama

Quando a costureira Iria Coelho Pereira, 60 anos, se mudou para a rua 22 de Setembro, no bairro Salto, não imaginou que passaria os próximos 30 anos de sua vida pisando no mesmo barro e no mesmo pó. A pavimentação é um sonho da família – primeiros moradores da rua -, mas ela não sabe quando vai virar realidade.

– Se fizessem alguma coisa já estava bom, o que não dá é pra continuar nessa situação. O pó é na casa inteira e quando chove tem que limpar a garagem sempre, e mesmo assim fica sempre cheia de barro. Todo mundo está trabalhando pra isso sair logo, mas do ano passado para cá não falaram mais nada – lamenta.

Dona Iria acredita que a pavimentação não é feita porque a rua é pequena e rende poucos votos aos políticos, mesmo que todos os moradores já tenham pago a parte que lhes cabe da obra. Na última reunião dos moradores, ainda em 2013, a informação era de que a pavimentação seria feita em breve, mas desde então não houve mais nenhuma movimentação:

– Vieram aqui aqui e disseram que a obra ia sair. Acho que isso tem uns cinco anos, foi na primeira reunião. Todo mundo se juntou e pagou, e até agora não tem nada.

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Caminho aberto para as máquinas

O motorista Odair Fumagalli, 41 anos, tem duas realidades na porta de casa. Mora na esquina de duas ruas, uma pavimentada e outra não. A rua Kurt Pofahl, no bairro Passo Manso, é a número cinco na lista de pavimentações pelo programa da prefeitura. O pagamento foi concluído em junho de 2012, mas até agora foram poucos os movimentos para as obras – e nenhum que resolvesse o problema:

– Em novembro vieram aqui e disseram que a minha calçada estava em cima da rua e que tinha que tirar pra passar as máquinas. Eu quebrei a calçada e ficou tudo ali, nunca veio um caminhão.

Ele conta que já quis pedir seu dinheiro – R$ 2.228 mil – de volta, já que a prefeitura não fez nada na rua, mas desistiu porque entende que a necessidade da rua é maior.

– Até os donos dos terrenos que estão vazios pagaram. O Paulo França (secretário de Obras) diz que é só com mutirão pra sair uma rua, mas aqui todo mundo se juntou, pagou e até agora nada. Que mutirão é esse? – questiona, enquanto tenta desviar da lama e das pedras que tomam conta da rua que espera pela pavimentação que já foi paga.

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