Os moradores parecem até acostumados. Quando o mato cresce ou a chuva danifica a estrada de barro, pedir uma roçada, uma limpeza nas bocas de lobo ou patrolamento na estrada de barro não é tarefa das mais simples na Rua Sérgio Westrupp, na região do Salto do Norte, em Blumenau. Isso porque a via é uma das quase 500 ruas da cidade que a prefeitura considera em situação irregular, popularmente chamadas de ruas de placa amarela. A via tem aproximadamente 15 famílias e até conta com construções públicas, como uma creche e o estacionamento de uma escola. Mesmo assim, a resposta dos pedidos de manutenção feitos pela associação de moradores costuma ser o mesmo.

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– Eles dizem que não podem fazer porque é rua de placa amarela, porque a rua não existe no papel. Quando conseguimos, é com muita insistência – conta o presidente da associação de moradores, João Miranda.

Um projeto aprovado pela Câmara de Vereadores na última semana busca permitir que a administração municipal faça serviços de manutenção nas ruas de placa amarela e também em vias inominadas – que precisam apenas receber um nome para entrar em situação regular.

Atualmente, segundo a prefeitura, Blumenau tem 486 ruas de placa amarela e 338 inominadas. O projeto prevê a permissão para a administração municipal agir com atividades como consertos de tubulação, roçada, patrolamento e iluminação pública em ruas consideradas consolidadas, o que seria comprovado pela existência dos serviços de rede de água, energia elétrica e coleta de lixo.

A aprovação do projeto de lei pelos vereadores não basta para que isso entre em vigor. O projeto precisa ser sancionado pelo prefeito Mário Hildebrandt (sem partido). Procurada pela reportagem, a Procuradoria- Geral do Município informou via assessoria de comunicação que ainda não recebeu o texto do projeto, mas que pretende fazer uma análise assim que o texto chegar ao Executivo. Hoje, o entendimento é de que o município não pode fazer serviços nessas ruas porque elas são consideradas vias particulares. Logo, aplicar recursos públicos para intervenções em áreas particulares seria considerado improbidade.

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No entanto, a procuradoria ainda vai analisar o projeto antes de definir a orientação para o prefeito.

Não é a primeira vez que a Câmara de Vereadores aborda o assunto das ruas de placa amarela. Em 2017, o próprio Adriano Pereira (PT), autor da proposta aprovada na última semana, havia apresentado texto praticamente idêntico. Na época, no entanto, o projeto foi considerado inconstitucional e foi arquivado logo na primeira comissão do Legislativo. Desta vez, com texto semelhante, o projeto teve parecer favorável.

Adriano sustenta que a ideia não é facilitar a situação para áreas ilegais, mas sim permitir que os serviços sejam feitos apenas em ruas já consolidadas, e não deixar essas áreas onde já há infraestrutura sem os trabalhos da prefeitura. Loteamentos novos continuariam precisando entregar tudo regularizado.

– O que já existe, como resolver? Esse povo não pode ficar abandonado pelo governo. A minha expectativa é de que o prefeito sancione o projeto– diz.

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Como funciona hoje em dia

Atualmente, a prefeitura de Blumenau somente pode executar os serviços nas chamadas ruas de placa amarela em duas situações: casos emergenciais ou que envolvam segurança.

É o caso de consertos em buracos, pontes e pontilhões que possam colocar pedestres e motoristas em risco. Outros serviços como roçadas e patrolamento não são feitos.

Algumas vias são atendidas

Apenas nas ruas e regiões classificadas como de interesse social, onde os moradores costumam ter menor poder aquisitivo, é que o município é autorizado a efetuar todos os tipos de serviço. Por conta dessas diferenças entre as ruas, alguns moradores fazem críticas alegando que parte das vias de placa amarela recebem serviços do Executivo e outras, não.

Sobre o fato de em ruas como a Sérgio Westrupp haver construções públicas (como creche e estacionamento de escola), a prefeitura alega que isso ocorre porque elas teriam sido construídas antes de 2007, quando o Ministério Público conseguiu derrubar as leis municipais que consideravam todas as ruas de placa amarela como passíveis de regularização.

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ENTENDA O CASO

2000

Em maio desse ano, durante a gestão do ex-prefeito Décio Lima (PT), uma lei municipal permitiu à prefeitura identificar ruas em situação irregular e também ruas inominadas que embora estivessem regularmente cadastradas na prefeitura, ainda não possuíam nome. As vias irregulares receberam placas provisórias amarelas e as inominadas, vermelhas. Prolongamentos de ruas receberam placas brancas. A alegação, na época, era garantir um endereço específico para as famílias.

2001

Em outubro, outra lei municipal permitiu que a prefeitura efetuasse serviços de manutenção nessas ruas, desde que estivessem consolidadas há pelo menos cinco anos.

2007

O Ministério Público consegue derrubar as duas leis municipais de 2000 e 2001 sobre placas amarelas, após apresentar uma Ação Direta de Inconstitucionalidade. A principal alegação era de que a lei regularizava ruas irregulares, clandestinas e sem viabilidade, o que, segundo o MP, afrontaria a Constituição Estadual. As leis foram declaradas inconstitucionais depois que o processo transitou em julgado, em 2007. Desde então, o município ficou impedido de fazer serviços nessas áreas, exceto em casos que envolvam emergência, segurança ou interesse social.

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2013

Um parecer da Procuradoria-Geral do Município reforça o entendimento do Ministério Público e as restrições para a execução de serviços públicos nas ruas consideradas irregulares pela prefeitura. No mesmo ano a Câmara de Vereadores fez uma audiência pública para discutir o problema das ruas de placa amarela. Desde então, o município trabalha na regularização de algumas áreas onde há placas amarelas. As primeiras escrituras do primeiro local, o Horto Florestal, foram entregues no início deste ano. Como a regularização depende muito dos moradores e de etapas como desmembramento de terras, o processo é considerado demorado e burocrático.