A rua Santa Catarina, estrada que foi rota do transporte de alimentos e principal acesso a Joinville pela zona Sul, tem sete quilômetros esquecidos. Se nas últimas duas décadas o asfalto levou o desenvolvimento para os primeiros sete quilômetros da via, entre os trilhos da antiga Estação Férrea, no bairro Anita Garibaldi, até o eixo de acesso Sul, na avaliação dos moradores foi a falta dele que deixou esquecidos outros sete quilômetros, trecho que leva a rua até a BR-101 e ao rio Piraí, na zona rural de Joinville. Um esquecimento que não tem necessariamente a ver com abandono e está mais para a estagnação no tempo.
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A estrada é paralela à movimentada BR-101. Até para os moradores é mais vantajoso pegar a rodovia duplicada do que percorrer os sete quilômetros de pedras, buracos e lama para chegar ao asfalto. Aos 82 anos, Egídia Grawe viu, nas últimas seis décadas, as transformações do trecho final da rua. Ela mora em uma casa que fica no km 10, ao lado da casa de um dos filhos.
Egídia passa os dias em casa, ouvindo o barulho dos caminhões que trafegam pela BR-101. Ela e o marido criaram os quatro filhos – hoje há oito netos e três bisnetos na família – vendendo leite, plantando mandioca e criando galinhas, patos e marrecos.
– Hoje está tudo muito diferente. Depois da BR-101, isso aqui se apagou – diz a idosa, amparada pelo neto, que precisa andar de ônibus por mais de dez quilômetros até a escola, no bairro Floresta.
Uma única linha de ônibus – a Km 11, que sai do terminal Sul, no bairo Floresta – percorre a estrada para levar os estudantes e moradores que trabalham no Centro. A maioria dos pontos está cercada de mato e não há bancos sob as estruturas precárias, que servem mais para demarcar o lugar do ponto do que como abrigo. Ainda é possível avistar ofertas inusitadas de aluguel de pasto, ou seja, os donos de terrenos colocam placas e as oferecem a criadores de cavalos e gado. O valor do aluguel do dia varia de terreno para terreno, mas tudo é negociado pessoalmente e na hora.
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Quando questionada se ainda é bom morar na Santa Catarina, Egídia pensa, sorri e responde com gosto:
– É bom, sim – diz ela, aprofundando a contradição que ronda os dois trechos da estrada mais do que centenária.
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Mudanças ao longo de décadas
A Santa Catarina dos anos 2000 não é a mesma de décadas anteriores. A estrada cortava lavouras e ziguezagueava os morros dos bairros Floresta, Profipo e das localidades que ficaram conhecidas como km 4, km 7 e km 11. Era mais movimentada do que a Waldomiro José Borges e a própria BR-101. Numa comparação simples, a Santa Catarina foi para a região Sul de Joinville o que a Estrada Dona Francisca é para a zona Norte da cidade. Os moradores mais antigos lembram de três momentos importantes de mudanças.
A primeira, com a mudança do traçado, na década de 1970. Ela passava praticamente na porta de algumas casas e teve que ser alterada porque havia curvas muito fechadas, impraticáveis para um simples caminhão. A duplicação da BR-101, na década de 1990, também mudou consideravelmente o trânsito na região. Moradores que usavam a Santa Catarina para chegar ao Centro passaram a usar os acessos à BR-101, onde o trânsito é mais rápido e sem sinaleiros e esquinas. A abertura do eixo de acesso Sul, no começo dos anos 2000, foi o golpe final ao trecho mais antigo da estrada.
Quem conhece as hitórias das mudanças é Claudio Wolfgramm, 52 anos. Ele nasceu e se criou na Santa Catarina. Hoje trabalha com os filhos numa espécie de haras, um espaço onde os criadores e laçadores podem deixar seus cavalos para serem cuidados e tratados.
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– Tudo passava por aqui. Agora, com as indústrias e os galpões perto do eixo, fica complicado de manhã. No resto do dia é bem sossegado.
>> Km 0
Principal acesso de chegada e saída da Estação Ferroviária. Por ali vinham os alimentos (farinha, madeira e frutos) do Sul do Estado e da Capital que eram vendidos em Joinville. Os caminhões paravam na Estação Ferroviária porque ela funcionava como um entreposto. No local, os comerciantes buscavam os seus produtos para distribuí-los também em Araquari e São Francisco do Sul.
>> Km 2
É tomada pelo comércio e ganha vida por causa dos moradores dos bairros Floresta e Santa Catarina. Ali há dois clubes, bancos, mercados, lojas, revendas de veículos, farmácias, panificadoras, postos de combustível e uma série de serviços.
>> Km 4
A rua deixa de ser comercial e ganha a característica residencial. O trânsito é intenso, já que a rua forma uma espécie de binário com a São Paulo, dando acesso aos bairros da zona Sul de Joinville.
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>> Km 6
É uma mistura de região industrial com galpões, fábricas e uma estação de energia elétrica com uma área que começa a ficar rural. No local há casas antigas, pequenas chácaras e uma área verde intocada. É uma entrada secundária do Eixo de Acesso Sul.
>> Km 7
É onde começa a parte da rua que ficou parada no tempo. Os galpões e as casas dão lugar a amplas áreas de pastagens. As casas ficam cada vez mais distantes uma das outras. A rua não tem asfalto e os buracos e as pedras afastam os motoristas. Em vez de usar a estrada, a maioria prefere a BR-101.
>> Km 8
A localidade ainda é conhecida pelos moradores antigos como Catinga da Porca por causa de uma grande criação que havia por ali há décadas. É possível ver o movimento na BR-101. Algumas casas deram lugar a galpões. O local abriga o cemitério luterano e uma unidade de formação católica.
>> Km 11
O acesso à BR-101 é feito por meio de um túnel que foi construído sob o asfalto. As casas são bastante antigas – algumas com mais de meio século de construção. É o fim da linha do ônibus.
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>> Km 14
O trecho de três quilômetros depois da BR-101 só tem vegetação e algumas poucas casas. A estrada leva os motoristas ao rio Piraí, quase no limite entre Joinville e Araquari.