A reitora Roselane Neckel completou 100 dias à frente da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), e deu a primeira entrevista depois da posse em 10 de maio. Ao lado da vice reitora Lúcia Helena Pacheco e discorrendo sobre temas como greve, obras, criação de um campi em Blumenau, contratação de pessoal; a primeira mulher a assumir a maior universidade pública de Santa Catarina nos 50 anos da instituição antecipou um discurso preparado para uma das próximas formaturas que mesmo em tempos de greve está garantida:

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– A gestão será muito ruim, mas muito ruim mesmo para a minoria que transforma interesse público em privilégios – afirmou a reitora.

Assumindo a autoria dos textos lidos em cada uma das 17 cerimônias realizadas desde que foi empossada, e dos quais a vice reitora diz agregar algumas ideias antes de assinar embaixo, Roselane usou a expressão “nada na penumbra” para falar dos pontos básicos que pretende focar nos quatro anos de gestão: Rigor na administração pública, diálogo e lisura na aplicação dos recursos públicos.

– Não pretendemos apenas assegurar o que deve ser feito, mas fazer retornar da melhor maneira os investimentos em impostos que o povo brasileiro deposita no financiamento das universidades públicas, mantidas desde os grandes empresários ao condutor do carrinho com papelão nas ruas de Florianópolis – comparou.

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Com uma relação de mais de 30 anos com a UFSC, onde foi estudante do colégio Aplicação da universidade e, desde 1996, professora no departamento de História e quatro à frente do Centro de Filosofia e Ciências Humanas (CFH), a trajetória de lutas parece ter forjado experiência para lidar com o delicado e tenso momento de greve:

– Nosso objetivo é manter a tranquilidade institucional, pois a greve termina e as relações de urbanidade continuam – considerou.

Diário Catarinense – A senhora tomou posse em 10 de maio, dia 11 de junho estourou a greve dos técnico administrativos e em 11 de julho os professores aderiram ao movimento nacional. São quase 40 dias de paralisação. Dá para tocar alguma coisa na universidade nesse período?

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Reitora Roselane Roselane Neckel – Quando assumimos a primeira preocupação foi a constituição da equipe, pois havia a necessidade de encaminhamentos rápidos tendo em vista o ano orçamentário. Também chamamos os órgãos responsáveis pelas obras e manutenção para que os projetos fossem concluídos. Havia negociação com uma empresa licitada para elaboração dos projetos do Programa de Expansão e Reestruturação das Universidades (Reuni), e que estava desistindo da conclusão.

Diário Catarinense – Por que a ameaça de desistência?

Reitora Roselane – O pessoal acreditava que não haveria tempo hábil para concluir os projetos. Conseguimos negociar e recuperar os que envolvem principalmente os prédios dos novos cursos do Reúne. Até o final do ano teremos seis projetos, como o do Centro de Ciências Biológicas, que ainda está instalado em prédio dos anos 70; ainda o do Centro de Comunicação e Expressão, que criou cursos novos como Cinema e Artes Cênicas, e do CFH, que também criou cursos novos como Museologia, Antropologia.

Diário Catarinense – Essas obras incluem campi fora de Florianópolis?

Reitora Roselane – Sim, os campi de Araranguá e de Curitibanos também terão obras pois foram criados com apenas um prédio cada. Essas unidades precisam de mais espaço. Existem prédios na UFSC que não se pode colocar equipamentos, e sem isso não se forma bem o aluno.

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Diário Catarinense – Pelo jeito mesmo com a paralisação deu para trabalhar: uma espécie de fura greve?

Reitora Roselane – Somos gestão. A gestão não pode ficar em greve. Além disso, por lei, 30% dos serviços devem ser mantidos. Negociamos com os comandos de greve, pois a universidade não é só atividade acadêmica. Existem editais e prazos a serem cumpridos.

Diário Catarinense – Com foi essa negociação?

Reitora Roselane – A questão sobre as obras foi feita com mais força no primeiro mês após a posse. Tivemos a compreensão de diversos setores sobre os prejuízos irremediáveis para a universidade. As obras em andamento precisam ser concluídas e isso exige fiscalização. Se não for feito, também teremos prejuízos irremediáveis.

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Diário Catarinense – Em algum momento isso tencionou a relação com os grevistas?

Reitora Roselane – Sim, em vários momentos. Mas tem questões que tivemos que encaminhar, pois significa estrutura institucional. O diálogo foi constante e em vários momentos estivemos reunidas com os comandos de greve, eles nos mostravam a legitimidade do movimento e nós a importância de uma política de consenso pra evitar prejuízos irremediáveis.

Diário Catarinense – Chegou um momento em que os grevistas tomaram a reitoria, hoje ocupada pela senhora que tem uma história ligada aos movimentos e lutas na universidade. Como entendeu isso, à medida que agora é reitora da maior universidade pública de SC e não mais ligada a um grupo?

Reitora Roselane – Ninguém entregou a chave. Inclusive está sendo apurado como foi o processo de fechamento da reitoria. Trata-se de um movimento nacional e onde várias reitorias estavam fechadas há muito tempo e inviabilizadas. A nossa mantida aberta por meio da negociação. Nós fizemos várias greves e sabemos que em um momento de tensão como esse e quando há um comando nacional e orientações nacionais; quanto mais você enfrentar, mais tensão causa.

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Diário Catarinense – Como foi a ocupação?

Reitora Roselane – Eu estava em Brasília para uma reunião da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) e ocorreu na madrugada. Alguns servidores trabalham na segurança e tiveram acesso as salas. O nosso objetivo principal é manter a tranquilidade institucional, pois a greve termina e as relações de urbanidade tem que continuar. Em nenhum momento houve dano ao patrimônio da reitoria ou agressividade às reitoras ou à comunidade.

Diário Catarinense – O fato da senhora não estar em Florianópolis foi uma coincidência ou uma decisão política levada em conta pelos grevistas?

Reitora – Foi uma orientação nacional, partiu do comando nacional.

Diário Catarinense – A UFSC pode ser comparada a um município de cerca de 45 mil moradores, incluindo alunos, professores e técnicos. Os reflexos da greve para essa população são?

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Reitora Roselane – Só a UFSC e a Universidade Federal do Rio Grande do Norte conseguiram concluir o primeiro semestre de 2012. Faltam 10% das notas para serem digitalizadas, o que evidente inviabiliza a matrícula para o próximo semestre. A princípio não haveria formaturas, mas negociamos por causa da conclusão do semestre. Asseguramos a outorga, exatamente nos moldes de quando tinha a Gripe H1N1, onde foram suspensos discursos de paraninfo e estudantes. Garantimos a formatura de 17 cursos mesmo em greve.

Diário Catarinense – Além da questão das obras, a senhora falou também em pessoal. O que pode falar em termos de contratações?

Reitora Roselane – Indo ao MEC e ao Ministério do Planejamento e descobrimos que havia 271 vagas destinadas para a UFSC. Com o término da greve, vamos contratar servidores técnicos administrativos que já estão concursados que depende de análise, já está em andamento, para ver onde são necessários. Para toda a UFSC, campi em Florianópolis, Araranguá e Curitibanos. Isso além da vaga equivalente, onde para casa aposentado um novo é chamado. Até 2014 teremos em torno de 500 servidores se aposentando.

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Diário Catarinense – Como a senhora está acompanhando o processo de federalização da FURB e sua incorporação pela UFSC?

Reitora Roselane – Em 2011, a presidente Dilma lançou o programa de expansão de vagas públicas e incluiu o campi da UFSC para a cidade de Blumenau ou Médio Vale. Nós nos aprofundamos na documentação existente a respeito da proposta de federalização no MEC, que não havia sido aceita pela Consultoria Jurídica do Ministério e pela própria FURB por causa que isso significaria a dispensa ou demissão de professores e técnicos administrativos.

Diário Catarinense – Por que isso ocorreria?

Reitora Roselane – Isso ocorreria por se tratar de uma nova instituição, e eles não poderiam ter regimes jurídicos diferenciados, portanto, não se pode ter servidores em regime jurídico federal e em CLT, tem que ter o mesmo regime jurídico. Diante disso, a FURB nos apresentou uma nova proposta, onde havia um encaminhamento também de um repasse de recursos para a UFSC, que repassaria para a FURB esses recursos, embora ela mantivesse a sua autonomia pedagógica. Isso não é viável, conforme parecer do MEC .

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Diário Catarinense – Mas a UFSC está tratando do processo?

Reitora Roselane – Nós pedimos apoio ao MEC, assim como a própria FURB também pediu, e nesse momento está no MEC sendo avaliada qual a possibilidade jurídica de parceria entre UFSC e FURB. O campi UFSC Blumenau poderá ser o início de uma universidade pública lá, conforme o decreto da presidente Dilma. Nós temos autonomia, mas não temos soberania. Podemos criar um projeto pedagógico, mas a decisão sobre a parceria é do MEC. Mas para não perder a oportunidade de levar um curso público, assim que tivermos a resposta sobre os caminhos do tipo de parceria vamos estabelecer. Quem tem que nos dar o caminho jurídico para a pareceria entre UFSC e Furb é o MEC. A UFSC não tem soberania para mudar legislações. A deliberação é do MEC.

Diário Catarinense – A UFSC tem planos para a região?

Reitora Roselane – Hoje, o que temos de concreto é a grande possibilidade de criarmos na região, na cidade de Blumenau, um campi da UFSC, com 400 vagas para estudantes de cinco cursos de graduação.

Diário Catarinense – Quais seriam os cursos criados?

Reitora Roselane – Estabelecemos em 29 de junho uma comissão interna da UFSC para fazer uma pesquisa histórica da região, decidindo sobre setores produtivos para saber quais são os cursos que o Médio Vale precisa, os potenciais das cidades, os diferenciais. Nesse momento o trabalho é interno da UFSC e sem participação da FURB.

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Diário Catarinense – Tem um assunto bem importante para Florianópolis que é a questão da duplicação da Rua Deputado Edu Vieira. Como está a questão da cedência do terreno da UFSC (União) para que o município execute a obra?

Reitora Roselane – Nosso entendimento é que a proposta de duplicação feita pela prefeitura de 800 metros, entre a rótula da Dona Benta até a Eletrosul, não resolverá o problema do trânsito. Além disso, para duplicar do trevo da Eletrosul até o Armazém Vieira seriam mais de R$ 700 milhões só em indenizações. Nós encaminhamos à prefeitura uma solicitação para que representantes da prefeitura participem de uma comissão que vai avaliar e fazer nova proposta para a solução da questão da mobilidade urbana no campi da Trindade. Mas até agora estamos sem resposta ao memorando encaminhado.

Diário Catarinense – Se a prefeitura não responde e se o projeto apresentado não é considerado o ideal, por que os técnicos da UFSC não apresentam um outro?

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Reitora Roselane – A universidade sozinha poderia fazer, mas prefeitura e governo devem concordar pois cabe a eles a execução. Trata-se de um esforço que leva um ano para elaboração e que depois poderá ser negado. Nosso empenho é o de se aproximar da prefeitura e do governo do Estado em fazer uma comissão conjunta mesmo que fiquemos com a parte técnica e conceitual. A prefeitura tem pessoas capazes e o projeto deve estar integrado com o Plano Diretor do município. O que não dá é para continuar liberando prédio de nove andares no começo e no fim do morro da Carvoeira, justamente a área que tem o problema de mobilidade.