Há muito Ronaldo Fraga não faz apenas moda. Há tempos, o mineiro elabora um discurso sobre o Brasil possível. Moda, emoção e vida são amalgamados em peças que vestem pensamentos sobre a pluralidade dos diversos cantos do mesmo país.

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Quando moda, emoção e vida não andam juntas?

Ronaldo Fraga: Moda tem a ver com tudo e tudo tem a ver com moda. Esse é meu canal de comunicação com o mundo. Moda é interpretação de um contexto antropofágico, histórico, cultural, econômico. Existe outro vetor em que se possa falar de antropofagia e de economia ao mesmo tempo?! Eu desconheço.

Do que a moda deve falar?

Fraga: A grande dificuldade do nosso tempo é nós, profissionais da moda, podermos entendê-la para além do vetor econômico. Existem grandes centros em que a moda é o patrimônio cultural, econômico e histórico. Isso falando de Europa, Japão. No Brasil, ainda estamos engatinhando nisso. Num país culturalmente tão rico e diverso que, mesmo jovem, tem uma história tão pungente, a escolha da roupa é muito forte. O mundo foi sacudido por uma crise que jogou as normas por água abaixo. Precisamos encontrar um jeito nosso de pensar, fazer e comercializar a moda. Não existe mais norma a seguir. Precisamos entender moda mais do que produto, é vetor de apropriação cultural.

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Moda não é só para vestir?

Fraga: Se há um desânimo quando a gente vê a indústria do fast fashion tomar conta do mundo, associando moda a shopping, numa SPFW vemos que existe marca, assinatura, o que é uma conquista.

Onde tem que acontecer sustentabilidade na moda?

Fraga: Na humanização de processos. Não adianta dizer que usa malha de bambu, que aliás é extremamente poluente, que usa reaproveitamento nesta ou naquela peça. Importa saber em que condições essas roupas são feitas, em que condição a matéria-prima é extraída. Temos que chegar à melhoria de vida de quem se relaciona com a indústria. A sustentabilidade virou marketing. Essa palavra vende, mas se esvaziou. Isso é típico da contemporaneidade, o esvaziamento não do sentido, mas das palavras. Sustentabilidade, identidade, são palavras usadas de forma promíscua.

A crítica disse que, em sua coleção mais recente, inspirada em Noel Rosa, você começou a flertar com a sensualidade. Isso procede?

Fraga: Isso é conversa pra boi dormir. Quando vejo determinadas formas e volumes usados hoje, que eu exercitava há 10 anos e as pessoas achavam absurdo, penso que, em moda, não dá para dizer que não se gosta de nada. Essa análise (da sensualidade) é rasa. O que eu queria era um clima de um carnaval ingênuo e melancólico num salão art déco no Rio de Janeiro dos anos 1930. Se isso é sensual, ingênuo ou escapista não importa muito.

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Por que o termo brasilidade cola tanto em seu trabalho?

Fraga: Porque sou um regional engraçadinho lá de Belo Horizonte (risos). Um dos mentores do meu trabalho é Mário de Andrade. No fim da década de 1920, após a Semana de Arte Moderna, ele falava da necessidade dos intelectuais se aproximarem do país. Do contrário, fariam outra semana de arte paulistana, provinciana. Então ele faz sozinho uma viagem de dois anos pelo Brasil, que gera o livro O Turista Aprendiz. Esta é uma lição. Até hoje não conseguimos encontrar as várias faces do país. É fácil para um centro olhar para algo e colocar o selo de regional nisso. No início, eu era regional de forma pejorativa. Mas num mundo que encolhe, nós queremos o genuíno e ele está no regional.

Com que roupa você iria para uma festa no céu?

Fraga: Não sou dado a me procupar com roupa para ir a lugar algum (risos). Mas, neste caso, iria com uma roupa de linho ou algodão, que eu adoro.