“Grande romancista americano”, trombeteou a capa da revista Time com Jonathan Franzen na época do lançamento de Liberdade, em 2010.

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A expectativa por romances/romancistas que capturem o presente dos Estados Unidos já tem, oficialmente, quase 150 anos. Em 1868, John W. De Forest escreveu que o Grande Romance Americano surgiria logo e exaltou A Cabana do Pai Tomás, de Harriet Beecher Stone, como o mais próximo do gênero até então. Agora mesmo, em 2014, saiu um livro tamanho Xbox sobre o tema: The Dream of the Great American Novel, de um professor de Harvard.

O problema hoje, como a própria Time admite, é que a cena americana se tornou “muito complexa – e muito consciente da sua complexidade” para que um romancista dê conta dela sozinho. Franzen seria grande, em todo caso, por retratar a atualidade norte-americana com uma “profundidade de campo invejável”, mantendo “muito em foco simultaneamente”.

Isso é verdade nos seus quatro romances, ainda que nos dois primeiros não funcione bem. The Twenty-Seventh City (de 1988, inédito no Brasil) e Tremor (1992) sofrem do que o próprio Franzen chamou de “fúria inexplicável”. Os personagens só estão ali para fazer funcionar uma despirocada trama pós-moderna, que por sua vez só está ali para que Franzen extravase uma fúria black bloc. Seu talento descritivo, de qualquer maneira, faz valer várias passagens.

O Franzen posterior, de Liberdade e As Correções (2001), valorizou seus personagens, encaixou suas críticas sociais mais naturalmente nos enredos e passou a ser comparado com romancistas realistas classudos como Tolstói. Coerente com o século 21, Franzen é menos grave e absorto, mais malicioso e enfático. Isso não quer dizer que seja raso. Enquanto as narrativas fluem, o tema dos títulos vai sendo infiltrado nas páginas. Como podemos ficar atarantados com o excesso de liberdade, a obstinação com a qual tentamos corrigir a nós mesmos e aos outros: essas ideias unem personagens e assuntos diversos, construindo dois livraços contemporâneos. As Correções, que é mais concentrado e raramente desperdiça uma página, é o melhor dos dois.

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O Franzen ensaísta corre um pouco atrás do romancista. Suas lentas construções argumentativas quase sempre vingam, mas no geral agradam mais do que inquietam. Como Ficar Sozinho, a edição da Companhia das Letras que mescla 12 dos 35 ensaios somados de How to Be Alone e Farther Away, já é uma dose suficiente. Fora isso, dá para pular sem culpa seu livro de memórias preguiçosamente trabalhado, A Zona do Desconforto.

Enfim, Franzen tem dois grandes romances. Já é muito, e eu comemoro que ele tenha vendido alguns milhões de livros. Outro dia vi Liberdade em um display de supermercado que de resto só tinha padres, empresários, psicólogos motivacionais e livros adolescentes. Franzen estava ali, sozinho, mantendo uma das raras pontes entre literatura muito boa e um público muito amplo.

Leia a primeira coluna de Thiago Momm