A linha mestra do romance Dez Mulheres, da chilena Marcela Serrano, é a de que, em uma sociedade latino-americana machista, as feridas emocionais das mulheres só podem começar a ser curadas quando forem resgatadas do silêncio relegado à condição feminina. Não é de surpreender, portanto, que, com um mote tão freudiano, a estrutura do livro seja a de uma improvisada sessão psicanalítica.
Continua depois da publicidade
A palavra compartilhada como bem comum em um mundo que tenta tirar tudo das mulheres não é um tema estranho à obra de Marcela – já estava lá em seu primeiro romance, de 1991, Nós que nos Amávamos Tanto, em que quatro amigas reuniam-se após muitos anos para pôr em dia as histórias de suas vidas. Subterrânea à narrativa, estava, insidiosa, a sombra da ditadura de Pinochet na vida das quatro mulheres (e, por extensão, na dos chilenos).
Dez Mulheres amplia numericamente a trama, estruturado como uma sessão de terapia de grupo na qual nove pacientes de uma psicoterapeuta se encontram em uma casa isolada para contarem suas histórias umas às outras. A analista, Natasha, é quem idealiza a reunião, para que cada uma delas possa “escutar a ferida da outra”. O grupo, heterogêneo, representa também um mosaico com a intenção de abranger diferentes representações femininas na sociedade chilena: da mais jovem, Guadalupe, uma lésbica assumida, de 19 anos, exaltada e combativa, à mais velha, Mané, de 75 anos, atriz de teatro na juventude que passou por uma tragédia no momento de seu maior triunfo.
Uma a uma, elas tomam a palavra e, em primeira pessoa, partilham com as demais suas trajetórias pontuadas por relações familiares problemáticas (Francisca, uma mãe de meia-idade, recupera o ódio que tem da mãe distante e mais tarde insana, bem como o horror de ser mais uma em uma linhagem de loucas na família), amores infelizes mesmo quando plenos (Mané amou apenas um homem, um poeta que também a amava, o que não impediu a tragédia) e dificuldades provocadas pela estrutura social do Chile (Juani, cabeleireira, tem de cuidar de uma mãe inválida e de uma filha adolescente prostrada por depressão).
Em um romance de tal natureza, são as vozes das personagens o verdadeiro pilar da narrativa, mais do que qualquer trama (até porque algumas das histórias representam variações de um mesmo tema). E, quando há 10 vozes com dicções e características bem demarcadas – embora nenhuma delas esteja exatamente distante do que se chamaria o “registro culto” de uma linguagem que Serrana domina à perfeição -, são as personalidades de cada uma das mulheres o verdadeiro atrativo do romance. E cada leitor será seduzido por algumas, e repelido por outras. A jornalista de TV Andrea, por exemplo, ou a intelectual feminista Simona são vozes tediosas que não se elevam acima do clichê associado a suas figuras – ainda que a própria autora as faça mencionar isso.
Continua depois da publicidade
No entanto, quando a história de Natasha, ao fim do livro, ilumina o conjunto, é preciso reconhecer que as mulheres de Marcela são também todas as mulheres.
DEZ MULHERES
Marcela Serrano
Romance. Tradução de Paulina Wacht e Ari Roitman. Objetiva, 272 páginas, R$ 39,90