Heleno de Freitas não era de suar a camiseta. Para ele, era preciso sangrar o manto que defendia, sobretudo se fosse o alvinegro do amado Botafogo.

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Dizia que jogador tinha de entrar em campo com olhos em brasa, cabeça fervendo e faca nos dentes, de preferência ouvindo antes uma ópera.

Primeiro jogador-problema do futebol brasileiro, o craque que brilhou nos anos 1940 viveu uma trajetória fulgurante, apaixonada e trágica, que lhe conferiu o status de mito. Enquadrar tão rica e nebulosa história em um filme foi um desafio cumprido de forma muito eficiente pelo diretor José Henrique Fonseca em Heleno, em cartaz a partir desta sexta-feira nos cinemas.

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Perto de Heleno, Adriano, o boleiro-encrenqueiro do momento, não passa de um escoteiro fanfarrão. Mineiro filho de fazendeiro plantador de café, Heleno de Freitas (1920 – 1959) era rico e foi estudar nas melhores escolas do Rio de Janeiro para ser advogado. Colocou no dedo o anel de doutor, mas preferiu jogar bola por prazer. Chegou ao Botafogo e fez história no clube mesmo sem ter sido campeão – fez 209 gols em 235 jogos até 1948, mas só ganharia o título estadual pelo Vasco, em 1949.

Dono de temperamento vulcânico e charme irresistível, Heleno tinha vida de galã de Hollywood na zona sul carioca de então. Humilhava tanto adversários quanto colegas de time que julgava não estarem a sua altura. Dormia com as mais belas mulheres e torrava seu dinheiro em cassinos e bordéis. Contraiu sífilis, e a doença, combinada com os excessos de álcool e o vício em éter, acelerou a fulminante degradação física e mental. Frustrado por ficar de fora da fatídica Copa de 1950, disputada no Brasil, encerrou a carreira errática de forma patética em 1953, jogando pelo América. Em seguida, foi internado em um manicômio, onde morreu, aos 39 anos, demente e, conta a lenda, abraçado em uma bola.

Filmado num exuberante preto e branco pelo fotógrafo Walter Carvalho, Heleno é apresentado em meio a elipses cronológicas que vão costurando a queda e a ascensão do craque. Esse embaralhamento ressalta que os segmentos de maior força do filme são os que colocam em cena a degradação do Heleno enlouquecido confrontando seus fantasmas.

Uma figura destas ajuda, sem dúvida, ainda mais quando defendida de forma excepcional como faz Rodrigo Santoro, numa imersão dramatúrgica e física para construir um personagem poucas vezes vista no cinema nacional. Mas o mérito de Fonseca, coautor do roteiro com Felipe Bragança e o argentino Fernando Castets (parceiro de Juan José Campanella em O Filho da Noiva e Clube da Lua), foi dar ao filme um estofo narrativo que extrapola o universo do futebol – que, aliás, segue inexplicavelmente maltratado pelo cinema ficcional brasileiro.

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Na entrevista que se seguiu à apresentação do filme, em São Paulo, no dia 12, Fonseca disse que seria bom o espectador desavisado dar um espiada no Google antes de assistir a Heleno. Isso porque, como a vida de Heleno de Freitas, o filme transcorre entre lacunas:

– Alguns fatos da vida dele têm diferentes versões. Nosso objetivo foi mergulhar no universo de um personagem fascinante e não no universo do futebol ou ser fiel à História.

Heleno

De José Henrique Fonseca. Com Rodrigo Santoro e Alinne Moraes.

Drama, Brasil, 2011. Duração: 116 minutos. Classificação: 14 anos.

Em cartaz a partir desta sexta-feira.

Cotação: 3 de 5

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