Chegamos ao grande condomínio onde Rodrigo Cunha mora com os pais e os funcionários da guarita não sabiam indicar o caminho da casa. Não conheciam Rodrigo Cunha, que neste ano fez sua primeira exposição em Londres. Nascido na Ilha em 1976, Cláudio Rodrigo Freitas da Cunha mora ali desde os 12 anos.

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A mudança de endereço o fez trocar de esporte. Saiu de cena o futebol nas ruas da Agronômica, em Florianópolis, e entrou o skate para descer as ladeiras asfaltadas da nova vizinhança, na região metropolitana da Capital. Bateu também a vontade de romper o isolamento da vida em condomínio e ir com a nova turma transgredir no espaço urbano.

– Eu queria ser rebelde. Naquele tempo, era proibido andar de skate em vários lugares. Cheguei a ter meu skate confiscado – lembra Rodrigo, que continua ouvindo as músicas que ouvia na década de 1980 (o rock gaúcho de TNT e Cascavelletes, além de Dalto e Chico Buarque).

Engenheiro agrônomo, o pai de Rodrigo ama viajar e levou a mulher e os seis filhos para ver o mundo. Em férias nada previsíveis, podiam ir a lugares como o Hermitage, um dos maiores museus de arte do mundo, ou ao Cabo Norte, na Noruega, inóspito pedacinho de terra perto do Polo Norte.

– No meu aniversário de 12 anos, eu estava vendo obras ao vivo no Hermitage, em São Petesburgo (Rússia). E, por mim, eu jamais iria ao extremo-norte da Noruega, mas isso tudo foi fundamental para a minha formação. Aos 20 e poucos anos eu já tinha visto muita coisa graças à natureza questionadora do meu pai.

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Aluno do Catarinense, colégio tradicional de Florianópolis, Rodrigo sempre gostou de desenhar figuras estranhas, meio undergrounds. Aos 19 anos, depois de ser reprovado no vestibular para Jornalismo, ingressou no curso de Gravura e Pintura da Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc). Na faculdade, chegou a abandonar as figuras que tanto gostava ao ouvir que aquelas ” ilustrações” não tinham valor.

– Realmente, da maneira como eu fazia era ilustrativo, para colorir praticamente. Só fui entender a pintura em profundidade muito depois. Uma professora me incentivou, disse que minhas figuras tinham expressão. E em 2001 fiz meu primeiro quadro como é hoje.

No ano passado, Rodrigo foi a Londres ver a exposição do seu mestre Lucian Freud, para muitos críticos o maior retratista do século 20, que teria levado a arte figurativa a um patamar jamais visto. Já para o público, não é tão fácil olhar para as telas de Freud e ver o ser humano como ele é, sem idealização. Esse fascínio pela figura humana é o que aproxima os dois pintores.

– Retratamos a figura humana num ambiente doméstico, e é raro na cena da arte contemporânea o cara que escolhe esse caminho. Foram feitas tantas rupturas desde o modernismo que hoje as pessoas fazem mil coisas querendo ser inovadoras e você querer inovar a partir de uma coisa tão batida é o grande desafio. Freud conseguiu isso de forma magistral – diz Rodrigo, representado pela conceituada galeria Zipper ( SP), onde fez a exposição individual O Mundo de Dentro, em 2012.

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A solidão típica de um condomínio pode ser vista nas pinturas de Rodrigo. De acordo com a galerista Myrine Vlavianos, suas pinturas provocam ao mesmo tempo estranhamento e fascínio no espectador ao retratar figuras solitárias, esquisitas e introspectivas em ambientes quase inóspitos ou desoladores.

– Sua pintura vai na contramão da felicidade artificial- exagerada destes tempos de redes sociais. E também vai na contramão da maioria dos artistas de sua geração que preferem lidar com instalações, fotografia ou vídeo – descreve Myrine.

Rodrigo não frequenta as redes sociais virtuais. Quando não está pintando, prefere ler (está lendo Walden, de Henry David Thoureau), encontrar os amigos, tocar violão ou ir para o Centro de Floripa e ficar apenas observando a figura humana.