O telefone dá dois ou três toques. Aos 66 anos, Pedro da Silva apressa o passo para atendê-lo e tira alguma dúvida sobre itinerário. Do lado de fora da cabine protegida por um vidro, passageiros circulam devagar, uma goteira enche lentamente um balde verde e agentes de trânsito saem para atividades externas. O relógio marca 9h30min de mais uma manhã comum na rodoviária de Blumenau.
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Há exatos 40 anos o dia era de festa. Em 4 de fevereiro de 1980 o local era inaugurado e Pedro ajudava na mudança do já extinto Transporte Expresso Brusquense. Enquanto organizava o guichê, ouvia as autoridades da época discursando sobre uma das escadas que leva ao segundo piso do terminal.

De lá pra cá, a estrutura acinzentada vem dando sinais da idade: goteiras, rachaduras no solo, pouco conforto, estacionamento improvisado, iluminação ineficiente, problemas elétricos, falta de acessibilidade e de climatização. Sem contar os problemas alheios ao tempo, como a presença de usuários de drogas, andarilhos e pedintes.
— Nós funcionários ficamos com medo, trabalhamos com as portas fechadas porque pode entrar um pedinte, um bêbado. Antigamente tinha policial aqui, hoje apenas em época de Oktoberfest — lembra Pedro.
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Ele, inclusive, já foi vítima da violência. Em 2018, uma discussão em frente ao guichê da Unesul, viação onde presta serviço atualmente, terminou com o idoso ferido. Ele foi atingido acidentalmente por um pedaço de madeira que voou durante a briga. Neste ano terá de fazer uma cirurgia para retirar a hérnia gerada pelo ferimento.

Ocorrências na rodoviária
Nos últimos dois anos, cinco agressões foram registradas pela Polícia Militar (PM) na rodoviária do bairro Itoupava Norte. As ocorrências mais comuns ainda são os furtos e averiguação de atitude suspeita. No ano passado, foram seis e 12 chamados, respectivamente.
Em 2018, o número foi mais alto. O dobro de furtos e 16 averiguações.
— Porém, são ocorrências pontuais. A gente nota que pela quantidade de pessoas que passam por ali é um dado muito pequeno — acredita o tenente-coronel da PM, Jefferson Schmidt.
Ele explica que a instituição não utiliza a sala disponível à PM dentro do terminal por falta de efetivo (são cerca de 250 policiais para atender toda a cidade).
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Para atender a demanda, rondas são feitas diariamente ao redor da rodoviária em horários estratégicos, como início da manhã e fim de tarde, momentos em que muitos chegam ou deixam o município devido ao estudo ou trabalho.
O Seterb estima que cerca de 100 mil pessoas passam pela rodoviária mensalmente.
Depredação
Pedro passa cerca de 15 horas por dia atendendo clientes, ajudando a descarregar malas e resolvendo problemas burocráticos da empresa. Em época de maior movimento, como no final do ano, não é incomum que ele chegue às 6h e saia às 2h, já que presta o serviço sozinho à viação. Com a rotina tão intensa, usa com frequência as instalações do local.

O banheiro, conforme o funcionário, vez ou outra aparece interditado devido a atos de vandalismo. Os casos chegam ao conhecimento da PM, assim como relatos de uso de drogas nas áreas mais afastadas do terreno, onde há uma área verde.
Para Schmidt, uma das soluções para inibir os usuários de drogas e diminuir os casos de depredação seria controlar o acesso à estrutura e melhorar a iluminação.
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— Tem que canalizar, controlar a entrada de pessoas sem tirar a característica de local público. A própria iluminação também, porque à noite ela torna o ambiente mais sombrio — destaca.
De acordo com ele, cercar a rodoviária e trazer mais luz não só ao prédio como à área de mata que existe perto dele dificultaria ações delituosas. Outra sugestão é aumentar a quantidade de comércio para atrair novos públicos.
À espera de uma concessão
Ciente de todos os problemas existentes na rodoviária, o gestor da Secretaria Municipal de Trânsito e Transportes (Seterb), Éder Boron, diz que a questão é um grande desafio e que a solução virá ao conceder o prédio à iniciativa privada.
A ideia não é novidade. No ano passado a prefeitura de Blumenau informou que haveria um pacote de concessões. Na lista estão a rodoviária, aeroporto, cemitérios, entre outros.
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Boron já adianta que no caso da rodoviária haverá uma concessão direta. Ou seja, uma empresa explorará comercialmente o local, mas em troca terá de mantê-lo e reformá-lo.
No entanto, de acordo com o secretário, há a exigência de que uma instituição seja contratada para fazer o estudo de viabilidade econômico-financeira do projeto. É nisto que o comitê municipal criado para executar o pacote de concessões trabalha agora: preparar os trâmites necessários para esta contratação.
Após o estudo ser feito e a prefeitura enviá-lo para aprovação do Tribunal de Contas do Estado, pode-se lançar o edital de concessão em busca de interessados na rodoviária.
Enquanto nada avança, a Secretaria tenta resolver os problemas que surgem de maneira provisória, com o dinheiro arrecadado com aluguéis e taxas de embarque.
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— Temos um guarda noturno, pessoas na limpeza e manutenção diariamente, mas óbvio que a rodoviária demanda de investimentos muito maiores para criar um ambiente mais confortável e mais digno para quem usa — admite Boron.
Em 2018 a prefeitura divulgou que um recurso de R$ 1,7 milhão oriundo de emenda parlamentar seria destinado a melhorias na rodoviária. Porém, segundo a Secretaria Municipal da Fazenda, o Governo Federal não deu andamento no processo e o convênio nunca foi assinado.

Futuro
Se for concedida à iniciativa privada, a administração do Seterb terá de sair da rodoviária e pagar aluguel em outro endereço da cidade. O espaço deverá ser grande, já que a Secretaria irá com todos os agentes e veículos da Guarda Municipal de Trânsito.
Por enquanto, um problema de cada vez. O primeiro é regularizar judicialmente a situação do Seterb, que deixou de ser autarquia e necessita se adequar à administração direta.
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Em paralelo, regularizar o terreno da rodoviária, que deve ser passado definitivamente para o nome do município no registro de imóveis. Segundo Boron, as questões estão sendo resolvidas pelo setor jurídico da prefeitura e não devem travar o processo de concessão.
Para o futuro, a gestão imagina uma rodoviária com mais vida, comércio e movimento. Mais ou menos o que era quando Pedro começou a trabalhar ali. Ele lembra da farmácia, da banca de revistas, do restaurante, da barbearia e da loja de presentes.
Parte deu lugar às instalações do Seterb, parte fechou com a queda no número de passageiros, já que muitas empresas de transporte hoje passam apenas pelos pontos de ônibus da cidade.
De qualquer forma, a nova fase da rodoviária – se existir – não terá a presença do funcionário mais antigo. Após mais de 40 anos de vida laboral, Pedro pretende diminuir o ritmo daqui a alguns meses.
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Levará as memórias dos tempos em que dividia os guichês com mais de 20 funcionários, quando limpou o chão por mais de quatro dias devido à destruição da enchente de 1983 e, claro, o carinho de muitos clientes que, de tanto encontrar Pedro ao longo desses 40 anos, tornaram-se amigos dele.
