O antropólogo Ritxar Bacete, do País Basco, é especialista em igualdade de gênero e criador do conceito de paternidade positiva, que defende que os pais se envolvam com a criação dos filhos tanto quanto as mulheres e dividam as tarefas de igual para igual. Ele coordenou o estudo Implicação dos pai bascos com a criança: impacto na corresponsabilidade e no trabalho produtivo.
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Dia dos pais: Nova masculinidade é possível a partir da paternidade positiva
Em entrevista ao Diário Catarinense, ele destaca que a paternidade tem capacidade de transformar a sociedade por meio da quebra de paradigmas e que deve acompanhar as evoluções da sociedade. Confira os principais trechos:
Sobre o que é a paternidade positiva?
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A paternidade positiva se refere à transformação da identidade dos pais (homens) como cuidadores. Pressupõe mudanças importantes no comportamento por meio da implicação ativa na vida da criança. Os pais “positivos” são aqueles que se comprometem nos cuidados e desempenham funções e práticas igualitárias, facilitando o empoderamento de suas companheiras. Essas práticas desenvolvem e ampliam as capacidades emocionais e pedagógicas deles. Baseiam-se em paradigmas científicos de deslegitimação da violência em todos os níveis. Se trata de propostas que, ao mesmo tempo em que oferecem reconhecimento e orientação, transformam a identidade dos próprios homens. A nossa sociedade precisa de um pai positivo, aquele pai presente no dia a dia da criança, que cuida (não delega sua parte nem escapa dela), que se reconhece imperfeito, que se forma e aprende constantemente para ser um melhor pai. Em suma, é um pai em construção para uma obra que nunca é acabada: ser um bom pai.
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O que está acontecendo para que surja esse movimento?
A sociedade, as expectativas das mulheres e a economia têm mudado. E os homens, como pais, não podem ficar atrás dessas mudanças. Muitos de nós já tomamos consciência e começamos a transformar as nossas vidas pessoais e a formar parte de um movimento global de homens que estamos transformando através da experiência da paternidade, vivida de forma consciente, ativa e comprometida. Não foi mera casualidade que em 2015 se apresentou pela primeira vez na sede das Nações Unidas em Nova Iorque, por meio da ONU Mulheres, o primeiro informe sobre o Estado da Paternidade no Mundo. Ao mesmo tempo, estão surgindo grupos de pais preocupados com a igualdade, os cuidados e a criança em todos os cantos de nosso planeta, sobretudo por meio das redes sociais.
A paternidade afeta a masculinidade?
A paternidade e a masculinidade estão profundamente correlacionadas: o modelo de paternidade e os valores associados ao “ser pai” definem os referentes à masculinidade, o deve ser, o desejado; e o ideal de masculinidade condiciona as práticas e exercícios da paternidade. Portanto, a transformação em uma delas afeta irremediavelmente a outra. É por isso que somos muito otimistas sobre a capacidade transformadora que a paternidade pode ter em nossas sociedades, já que exercendo-a de uma forma alternativa, cuidadora, pacífica e empática, esses valores se trasladam automaticamente ao modelo de masculinidade imperante. Se em décadas passadas o modelo desejado de masculinidade era um homem duro, desapegado, agressivo ou triunfador, o modelo de pai dessa sociedade não poderia nem deveria ser um pai positivo. Mas, hoje em dia, a prática cotidiana de muitos pais comprometidos com o cuidado da criança está colocando em questão esse modelo. Até tal ponto que o desejável começa a ser aquele homem “brando” ou imperfeito, que talvez não triunfe, nem volte a sua vida à carreira profissional, mas que é capaz de fazer algo muito mais importante, heroico e duradouro, como gerar uma relação de apego seguro com seus filhos e filhas.
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Alguns pais se dizem despreparados para cuidar dos filhos em comparação às mães. Como se pode mudar essa realidade?
É certo que em nossa cultura ainda seguimos socializando de forma diferente as meninas e os meninos. Educamos os meninos com base na irresponsabilidade e despreocupação a respeito dos cuidados, preparando-os para a dominação, a competitividade e a distância emocional. Ou para o que é ainda mais preocupante: a legitimação da violência em suas distintas manifestações. Como consequência de tudo isso, quando chega o momento de cuidar de outras pessoas os homens se sentem desprovidos das competências necessárias, tanto a nível prático como emocional, ao mesmo tempo em que tampouco sente o dever moral ou a pressão social para aprender e responsabilizar-se. Não devemos esquecer que o cuidado é tecnologia humana. E que se aprende a cuidar. Do mesmo modo que as mulheres aprenderam, também podemos aprender. Soa paradoxal que os homens sejam capazes de programar complexos sistemas informáticos capazes de enviar uma nave ao espaço, mas se mostrem incapazes de arrumar uma lavadora. Mas isso tem a ver com o fato de que em nossas sociedade os cuidados não são valorizados, nem pagos. A boa notícia é que essa realidade pode ser facilmente mudada a partir de gestos concretos, simples e cotidianos: cozinhar, lavar banheiros, participar das agendas escolares, dos assuntos médicos… E como nadar se aprende nadando, cuidar se aprende cuidando. Não há desculpas.
Se pode transmitir os noves valores de paternidade aos filhos? Como?
A forma com que são exercidas a paternidade e a maternidade são espelhos fundamentais em que se olham nossos filhos e filhas. Temos que ter em mente que tanto as meninas quanto os meninos constroem sua identidade pessoal através dos modelos de referência que têm mais próximos, e que tanto a presença como a ausência paterna têm impacto extraordinário em suas vidas. Mais do que com o que dizemos, com o que fazemos é como estamos transmitindo os valores que no futuro serão matéria-prima para as novas gerações de mulheres e homens construírem suas relações. Portanto, se somos pais pacíficos e cuidadores, nossos filhos homens também serão, com a vantagem de que nossas filhas viverão de forma mais livre e estarão mais empoderadas e seguras ao ter uma expectativa de relação com homens não violentos e independentes emocionalmente.
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Que relação paternidade e masculinidade têm com a violência machista?
Estudos confirmam que determinadas formas de violência, em particular a violência perpetuada pelos homens contra as suas companheiras, se transmitem de geração a geração. Os dados obtidos em oito países revelaram que os homens que, quando crianças, viram o companheiro de suas mães lhes batendo, quando adultos tiveram mais probabilidade de usar a violência contra a sua companheira. Paralelamente uma divisão mais equitativa dos cuidados está associada a redução dos índices de violência contra filhos e filhos. Um dos elementos chave na construção das identidades masculinas segue sendo a diminuição da empatia e a distância emocional como uma das características fundamentais do “ser homem”. Por outro lado, segue sendo perpetuada a ideia de que o poder é coisa de homens e que a violência pode estar legitimada para manter privilégios, tanto na esfera pública como na privada. É por isso que as distintas formas de violência praticadas pelos homens, em especial a violência contra as mulheres, é a consequência direta de uma determinada concepção da masculinidade. Transformar essa ideia rígida e violenta de ser homem através de paternidades e práticas ternas, pacíficas, empáticas e cuidadoras é um elemento fundamental para a prevenção da violência contra as mulheres.